A
confiança na Justiça é mediada pela congruência entre identidade ideológica e
decisão judicial
A
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de
considerar a 13.ª vara de Curitiba incompetente para julgar o
ex-presidente Lula pelos crimes de corrupção
passiva e lavagem de dinheiro gerou reações polarizadas. Por um lado, foi
fortemente criticada por adversários do petista, que expressaram insatisfação
com o sistema de Justiça criminal brasileiro supostamente "disfuncional,
casuístico e irracional". Por outro lado, tal decisão foi extremamente
celebrada por seus apoiadores como uma "vitória da democracia",
reparação de uma "injustiça histórica" e que "restabelece a
segurança jurídica e a credibilidade do sistema de Justiça".
Há
quase quatro anos, quando foi anunciada a primeira condenação do ex-presidente
Lula, as reações foram diametralmente opostas. Seus opositores viram naquela
decisão uma sinalização de que "juízes e procuradores brasileiros estariam
comprometidos com a lei e com a ideia de que ninguém estaria acima dela".
No outro extremo, seus seguidores a interpretaram como “injusta” e como uma
"perseguição política contra o ex-presidente".
Em democracias, espera-se que o sistema de Justiça atue de forma imparcial ao investigar e julgar líderes políticos que apresentem comportamentos desviantes. No entanto, com a polarização política - não apenas na sua dimensão ideológica, mas fundamentalmente identitária e afetiva - nas alturas, cidadãos tendem a perceber o sistema de Justiça como parcial dependendo de qual lado penda a decisão do juiz.
Quando
a decisão judicial se apresenta de forma congruente com as identidades afetivas
e ideológicas das pessoas, espera-se que elas interpretem que a justiça foi
feita. Mas quando a Justiça contraria as suas expectativas afetivas, espera-se
que elas percebam o sistema de Justiça como injusto.
Mas
até que ponto a percepção das pessoas sobre um julgamento de um líder político
depende de sua identidade ideológica e afetiva?
Para
responder a essa pergunta, eu e meus coautores, André Klevenhusen (doutorando
da FGV EBAPE) e Lúcia
Barros (professora da FGV EAESP), implementamos, via
internet, uma pesquisa de opinião experimental com 829 cidadãos brasileiros
entre os dias 26 dezembro de 2020 a 13 de janeiro de 2021.
Os
participantes tiveram a oportunidade de escolher, em uma eleição hipotética,
seu candidato preferido entre quatro alternativas ideológicas distintas: liberal,
libertário, populista e conservador. Distribuímos aleatoriamente uma vinheta na
qual um desses quatro candidatos, que estava liderando as pesquisas de opinião,
tinha sido condenado pelo Tribunal de Justiça por corrupção. Em seguida, os
participantes responderam a perguntas que mediam a sua confiança nas decisões
judiciais.
Um
resultado até certo ponto positivo para a Justiça brasileira foi o de que a
maioria dos respondentes nela confia e o grau de confiança independe do seu
perfil ideológico. Este padrão persiste em cenários de congruência (o candidato
rejeitado é condenado) e indiferença (nem o candidato preferido nem o rejeitado
são condenados) em relação aos veredictos dos juízes.
Porém,
quando ocorre incongruência (o candidato preferido é condenado), o grau de
confiança na Justiça diminui. Ou seja, a confiança nos tribunais varia apenas
quando o candidato preferido recebe um veredicto condenatório. Curiosamente, o
grau de confiança na Justiça não aumenta quando o candidato rejeitado é
condenado.
Embora
não tenhamos ainda pesquisado o impacto da absolvição de políticos
ideologicamente congruentes na confiança na Justiça, é plausível supor que os
eleitores do ex-presidente Lula, que até então cultivavam uma percepção
derrogatória da Justiça brasileira, passem, a partir da nova decisão do STF, a
avaliar positivamente a Justiça, ainda que ele não tenha sido absolvido.
* É professor titular, FGV EBAPE, Rio de Janeiro
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