Por
qualquer ângulo que se avalie, desastre brasileiro na pandemia é imenso
Com
a instauração da CPI, os bolsonaristas aceleraram a produção de
mentiras para fazer parecer que a gestão da pandemia por Bolsonaro não foi tão
ruim assim. Algumas são pura ficção (“Lulinha é dono da fábrica chinesa de
vacina”), e, sinceramente, se você acredita nisso, você é otário.
Mas
algumas das mentiras que os bolsonaristas vão contar na CPI são baseadas em
dados verdadeiros. O que é sempre falso são as coisas que os governistas tentam
dizer com esses dados.
Por exemplo, os governistas gostam de dizer que o número de vacinados no Brasil é alto, se comparado ao de outros países. Até é, mas Bolsonaro não tem nada a ver com isso: 80% dessas vacinas são Coronavac, do Butantan de Doria, que Bolsonaro prometeu não comprar. Tente refazer o ranking só com as vacinas que Bolsonaro importou e veja em que posição estamos.
Note
que na hora de olhar para as vacinas aplicadas, os bolsonaristas gostam de usar
os números absolutos (quantos foram vacinados), e
não os relativos (a porcentagem da população vacinada, que é bem menor no
Brasil do que em outros países).
Mas
na hora de olhar para o número de mortos, preferem usar os números relativos
(mortos por milhão, em geral). Não é por acaso: no
número absoluto de mortes, só estamos atrás dos Estados Unidos (que têm 100
milhões a mais de pessoas e muito mais velhos).
Olhemos
então para o ranking de mortes por milhão, o mais favorável a Bolsonaro. Mesmo
neste ranking, só há 12 países piores do que nós (passamos os Estados Unidos
outro dia). Entre eles há países com muito mais velhos do que o Brasil, como o
Reino Unido e a Itália, e países pouco populosos (e também velhos) do Leste
Europeu (em geral, com menos de 10 milhões de habitantes).
A
Covid-19, em especial em sua forma original, matava mais velhos do que jovens;
é preciso, portanto, levar isso em conta na comparação entre países.
Em
3 de fevereiro de 2021, o jornal Correio Braziliense publicou um estudo do pesquisador Marcos Hecksher, do Ipea, que calculou a probabilidade de um
cidadão morrer de Covid-19 nos diferentes países, levando em conta tanto o
tamanho do país quanto as características demográficas (número de idosos) de
cada um.
No
geral, segundo o estudo, a chance de um brasileiro morrer de Covid-19 é de 3 a
4 vezes maior do que no resto do mundo. Foi o estudo de Hecksher que causou a
proibição a pesquisadores do Ipea de discutir suas pesquisas com a imprensa sem
autorização do governo.
No
ranking de Hecksher, o Brasil só aparecia melhor do que 9 países, a maioria na
América Latina. O estudo, entretanto, compara os dados de 2020. A explosão de
mortes no Brasil em 2021 foi muito pior do que no ano passado.
Faz
um mês que os brasileiros mortos por Covid-19 são cerca de 30% dos mortos pelo
vírus no mundo. A população brasileira representa apenas cerca de 2,7% da
população do mundo. Na
comparação internacional, já devemos estar bem piores do que na medição do
estudo censurado.
Enfim,
é sempre importante olhar os dados de vários lados, mas não há nenhum ângulo
sob o qual o desastre brasileiro na pandemia não pareça imenso. O
tamanho desse crime é consenso entre os pesquisadores internacionais. Até
por coerência, Bolsonaro gostaria de torturar os dados. Mas no tribunal da
ciência não existe anistia.
*Doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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