Cássia Almeida e Claudia dos Santos / O Globo
RIO
- A pandemia acelera mudanças na política econômica dos países ricos e no
discurso de organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI)
e o Banco Mundial. A receita de austeridade dá lugar a prioridades como redução
da desigualdade com mais emprego, proteção ao meio ambiente e investimento
forte do Estado. Em momentos de crise, é comum a pressão pelo uso de recursos
públicos. Mas a atual receita anticrise reflete a maior pressão social dos que
não tiveram ganhos em qualidade de vida ou renda com a política de corte de
investimento público e de impostos corporativos.
Temas
como gasto público e taxação de empresas têm aparecido com mais frequência nas
vozes de Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI, e de Janet Yellen,
secretária do Tesouro dos EUA, a maior economia do mundo. Há pouco tempo,
ocupantes dessas cadeiras defenderiam a rota de disciplina fiscal, abertura
comercial e economia de mercado. Esse conjunto de políticas foi costurado na
passagem de Ronald Reagan pela Casa Branca, nos anos 1980, e o economista John
Williamson, morto na semana passada, o chamou de Consenso de Washington.
—Não
há mais Consenso de Washington, à medida que os EUA passam de uma política
“América primeiro” (lema de Donald Trump) para a política “americanos
primeiro”— afirmou ao GLOBO o presidente da consultoria americana Eurasia, Ian
Bremmer.
Para ele, o papel do Estado vai crescer diante da evidência de que a Covid afetou mais os pobres, aprofundando a desigualdade, e de que o avanço da tecnologia agravou o desemprego:
—
A seguridade social precisa de mais investimento.
O
economista Samuel Pessôa, da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera o pacote
de US$ 2 trilhões em investimentos em infraestrutura com forte aumento de
impostos corporativos do presidente americano Joe Biden “uma mudança de rota no
navio que vinha desde os anos 1980”:
—
Há um debate sobre em que medida as políticas que começaram no governo Reagan
explicam parte do aumento da desigualdade. O argumento era que reduzir impostos
estimularia crescimento, aumentando a demanda por trabalho. Isso não ocorreu.
Estamos há 40 anos esperando.
Carlos
Primo Braga, professor da Fundação Dom Cabral e que foi diretor de Política
Econômica do Banco Mundial, não vê consenso em torno de uma política fiscal
mais ativa, mas reconhece a tendência de colocar em xeque hipóteses do Consenso
de Washington.
—
Há mais ênfase na questão fiscal em países que são emissores de reserva
internacional, como EUA. Na Argentina, no Brasil, é complicado fazer essa
proposição. Já estamos no Brasil com a inflação se deslocando das metas.
Esse
já é o temor de Larry Summers, ex-secretário do Tesouro nos EUA: ele diz que o
pacote de Biden é excessivo e que vai gerar inflação.
Economistas
dizem que é difícil transpor esse modelo para o Brasil, diante do aumento da
dívida pública e do déficit primário, que já ultrapassa 9% do PIB. Para eles,
há pouca margem para ampliar despesas. O caminho seria rever e reorganizar o
gasto público.
O
FMI na última semana voltou a defender a taxação de grandes corporações para
financiar o combate à pandemia e reduzir a desigualdade.
—
É um problema de taxação das grandes empresas no mundo desenvolvido, que mudam
o domicílio tributário para localidades de imposto menor. O objetivo é que os
países cheguem a um acordo. FMI e Banco Mundial estão puxando isso — afirmou
José Alexandre Scheikman, professor da Universidade de Columbia.
Teste
de política
O
economista Otaviano Canuto, ex-diretor executivo do FMI, observa que, desde a
crise financeira global de 2008, havia a percepção de que as nações usaram
pouco a política fiscal para ativar a economia:
—
Outra visão ganha força sobre a necessidade de se fazer algo contra a mudança
climática, ter olho para a parte de baixo da pirâmide, para diferenças étnicas
e raciais.
Pessôa
se diz curioso em relação ao resultado da política econômica de Yellen:
— Ela tem muita coragem. É um programa que aceita um pouco de inflação para levar o setor privado a trazer desalentados de volta ao mercado de trabalho.
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