O
principal fator para a ampliação do número de domicílios mais pobres deve ser a
desocupação mais elevada entre os menos escolarizados, mais afetados pela
pandemia
O
cenário para a renda dos brasileiros mais pobres em 2021 é bastante negativo.
Com a piora da pandemia da covid-19 e o avanço lento da vacinação, a atividade
econômica foi prejudicada no primeiro semestre, resultando na continuidade da
fraqueza do mercado de trabalho, num ano em que o auxílio emergencial será bem
menor do que em 2020. A desigualdade de renda, nesse quadro, voltará a crescer.
Um
estudo da Tendências Consultoria Integrada estima que haverá neste ano um
aumento de 1,2 milhão de domicílios nas classes D e E, definidas como as que
têm rendimento mensal domiciliar de até R$ 2,6 mil. Com isso, essas faixas de
renda deverão passar a responder por 54,7% do total de residências no país.
“O principal fator para a ampliação do número de domicílios mais pobres deve ser a desocupação mais elevada entre os menos escolarizados”, aponta o trabalho, ressaltando que “o caráter regressivo da pandemia permanece desproporcional” para as pessoas de menor nível de escolaridade.
“A
piora do balanço de riscos para a atividade econômica deve restringir o ímpeto
de contratações, sobretudo no segmento de serviços, cuja tendência de
crescimento deve ser interrompida, à vista do recrudescimento do isolamento
social em diversas localidades do Brasil.” A consultoria revisou recentemente a
estimativa para a expansão do PIB em 2021 de 2,9% para 2,7%. Ainda que a nova
versão do programa que permite a suspensão do contrato de trabalho ou a redução
de jornada e de salários (o BEm, a ser reeditado em breve) deva contribuir para
sustentar o emprego formal, a renovação do auxílio emergencial não deverá
conter a alta dos desempregados, avalia a Tendências.
O
auxílio emergencial atingiu um valor total de R$ 293 bilhões em 2020, o
equivalente a 4% do PIB. De abril a agosto, o valor médio foi de R$ 600; de
setembro a dezembro, de R$ 300. Em alguns meses, alcançou 67,9 milhões de
pessoas, equivalente a um terço da população. Neste ano, o Congresso aprovou R$
44 bilhões para o benefício fora do teto de gastos, a ser pago em quatro
parcelas, com um valor médio de R$ 250. Se o benefício em 2020 foi amplo
demais, neste ano pode haver o problema oposto - o valor é mais baixo, atenderá
a menos pessoas e valerá por um prazo mais curto.
“Diante
do menor auxílio emergencial e da perspectiva de recuperação moderada do
mercado de trabalho, a massa total de renda deve recuar 3,8% em 2021”,
impedindo a manutenção no mesmo nível de 2020, diz a Tendências. Essa é a
variação prevista em termos reais, já descontada a inflação. No conceito da
consultoria, a massa total considera o rendimento de todos os trabalhos, o
Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC, voltado para idosos
de baixa renda e pessoas com deficiência), os benefícios previdenciários e
outras fontes de renda. No ano passado, o indicador cresceu 5,2%, fortemente impulsionado
pelo auxílio emergencial. Neste ano, haverá uma ressaca mais intensa da massa
de renda no Norte e Nordeste, após o enxugamento dos repasses emergenciais,
aponta a Tendências.
A
expectativa dos analistas é que a retomada da economia ocorrerá no segundo
semestre. Com o avanço da vacinação, as medidas de restrição à mobilidade
tendem a ser relaxadas. Na visão da Tendências, a economia brasileira deve
manter trajetória de gradual recuperação em 2021, sem uma melhora plena do
mercado de trabalho, devido a fatores como “o agravamento da pandemia, os
recentes sinais de fraqueza de grandes setores, a redução do arsenal de
políticas anticíclicas e as incertezas da agenda de política econômica”.
Num
primeiro momento, a retomada da atividade deve favorecer as classes sociais
mais altas, segundo a Tendências. “A elite do funcionalismo público sente menos
os efeitos da crise, já que a dinâmica econômica pouco interfere em seus
salários e planos de carreira”, aponta o estudo, observando também que a maior
concentração de empregadores no topo da pirâmide social propicia um rápido
reequilíbrio financeiro das famílias. “Com rendimento atrelado aos ganhos de
suas empresas, os donos de negócio buscam recuperar o padrão histórico de
lucro, antes de reajustar salários de empregados e recontratar”, diz a
Tendências.
Para
as classes D e E, as perspectivas são desanimadoras. “A mobilidade social das
classes D e E deve ser reduzida nos próximos anos, acompanhando um fenômeno
típico de países com alta desigualdade de renda”, avalia a consultoria. “O
maior entrave ao crescimento da renda dos estratos sociais mais pobres é a
educação não revertida em produtividade. O ingresso no mercado de trabalho é o
principal meio de redução da pobreza, mas não é condição suficiente para superá-la.”
A
Tendências observa que o mercado de trabalho brasileiro é fortemente
caracterizado por baixas remunerações, elevadas desigualdades entre grupos de
população ocupada, altas taxas de informalidade e marcante heterogeneidade
entre os setores produtivos. “O alto nível de desemprego, a falta de ganho real
no salário mínimo, o elevado grau de informalidade e a subutilização dos
trabalhadores devem impedir ganhos elevados de renda nas classes D e E.” Nas
projeções da Tendências, depois de crescer 23,4% em 2020 em termos reais, na
esteira do auxílio emergencial, a massa de renda das classes D e E deve cair
14,4% em 2021, crescendo a uma média de apenas 0,85% de 2022 a 2025, em
estimativas que já descontam a inflação. Já a massa de rendimentos da classe A,
que subiu 1% em 2020, vai ter aumento real de 2,8% neste ano e de 5,6% no ano
que vem, com um avanço próximo a 4,5% nos três anos seguintes, estima a
consultoria.
Para escapar desse cenário negativo para a renda, é fundamental primeiro acelerar a vacinação. Isso permitirá afrouxar as medidas de restrição à mobilidade social, beneficiando em especial a recuperação do setor de serviços, o maior empregador da economia. Também é essencial a renovação imediata dos programas de empréstimos a micro e pequenas empresas e de proteção ao emprego, para dar fôlego às companhias de pequeno porte. Se a recuperação da atividade continuar a patinar, uma nova extensão do auxílio emergencial deverá ser necessária, o que será um desafio num quadro de penúria das contas públicas.
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