- O Globo
Além das mentiras já comprovadas do
ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que o noticiário em tempo real já
explora desde ontem, e os jornais de hoje estão certamente aprofundando, os
depoimentos à CPI da Covid até agora estão desvelando a maneira primitiva com
que as decisões não são tomadas no governo Bolsonaro.
Juntando com a operação da Polícia Federal realizada ontem sobre a venda ilegal
de madeira para os Estados Unidos, denunciada pelo próprio governo americano,
temos a prova cabal de que não é apenas a questão ideológica que interfere na
formação de um governo totalmente disfuncional.
O (ainda?) ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e diversos escalões do
Ibama, inclusive seu presidente, foram apanhados por uma investigação sigilosa
que incomodou Bolsonaro, que fez trocas no Ministério da Justiça e na Polícia
Federal na tentativa de controlar as instituições do Estado brasileiro e viu-se
surpreendido com a independência da PF.
Um exemplo típico, e fundamental, dessa disfuncionalidade é a crença de que as
palavras de Bolsonaro nas redes sociais e nas lives fazem parte apenas do seu
“etos político”, e não representam orientações do governo. Ao explicar a famosa
frase “um manda, outro obedece”, Pazuello disse que era “uma frase de
internet”, isto é, uma resposta para ajudar o político Bolsonaro, que estava
sendo criticado por seus seguidores nas redes sociais porque o Ministério da
Saúde havia anunciado a compra da CoronaVac, a “vacina chinesa” do Doria.
Se houvesse um lado B de Bolsonaro, que para fora do governo enviasse uma mensagem, e agisse com bom senso, não teríamos tido a tragédia sanitária de que Pazuello é cúmplice. Basta assistir ao vídeo da famosa reunião ministerial que precipitou a saída do ex-ministro Sergio Moro para ver que o Bolsonaro das redes sociais é o mesmo nas entranhas do governo.
Ao mentir na CPI, tentando livrar a cara do presidente, o ex-ministro da Saúde comete um “crime continuado”, mesmo fora do governo. Os fatos o desmentem. O caso do avião oferecido pelos Estados Unidos para levar oxigênio para Manaus, na crise sanitária ocorrida dentro da pandemia no Brasil, é exemplar da incapacidade de trabalho em equipe deste governo.
O ex-chanceler Ernesto Araújo não falou com o governo da Venezuela, nem com o dos Estados Unidos, por questões ideológicas. E também não encaminhou, segundo Pazuello, um pedido formal com as características dos cilindros que seriam apanhados na Venezuela para levar a Manaus. Já havia feito isso quando recebeu a carta da Pfizer oferecendo vacinas. Não comunicou ao presidente Bolsonaro porque supôs “que o governo tinha recebido a carta”.
Pazuello soube que havia um avião dos Estados Unidos pronto para trazer oxigênio, mas não fez nada, pois não lhe perguntaram nada, só informaram. Ernesto Araújo disse que cabia ao Ministério da Saúde dar as informações técnicas para o voo. Os dois não se falaram, demonstrando que as autoridades do governo tiveram comportamentos burocráticos durante a crise humanitária em Manaus.
Pazuello reafirmou uma visão provinciana das negociações internacionais sobre as vacinas. Disse que mostrou ao representante da Pfizer o tamanho do Brasil num mapa, assim como o presidente Bolsonaro dissera anteriormente que o mercado brasileiro era tão grande que poderíamos negociar o preço das doses. Deu tudo errado, e, ao final, compramos a vacina da Pfizer pelo preço definido no início das negociações, perdendo tempo e prioridade na distribuição das doses.
É um governo completamente disfuncional. Com esses depoimentos e declarações, não há a menor chance de dar certo.
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