Depois
de muito tentar se esquivar da CPI da Covid, o ex-ministro da
Saúde e general Eduardo Pazuello conseguiu no Supremo Tribunal Federal um
habeas corpus para ficar em silêncio e evitar se incriminar. Mas a ordem do
ministro Ricardo Lewandowski foi expressa: Pazuello podia, sim, ficar quieto
sobre as coisas em que se envolveu, mas não podia mentir quanto aos atos de
outras pessoas.
Criou-se então um dilema para o general. Ficando em silêncio,
ele estaria dando à CPI o roteiro de seus crimes. E, não podendo mentir para
proteger terceiros, seria obrigado a apontar as responsabilidades de Jair
Bolsonaro no fracasso do combate à pandemia. Pazuello tinha ainda a opção de
ficar quieto o tempo todo. Não teria sido o primeiro a fazê-lo numa CPI. Mas
investiu-se de brios de militar e decidiu que não passaria para a história como
um covarde. E, assim, produziu uma inovação simbólica dos tempos que vivemos: a
“coisa de internet”.
Cada vez que alguém o questionava a respeito de uma ordem de Bolsonaro contra a vacina ou pela adoção da cloroquina como instrumento de política pública, lá vinha Pazuello dizendo que aquilo era “coisa de internet”, “postura de internet” ou algo do gênero.
Foi
como ele explicou a resposta de Bolsonaro a um seguidor no Facebook. Pazuello
acabara de anunciar a compra de 46 milhões de doses de CoronaVac numa reunião
com governadores, mas o bolsonarista apelou na rede social para que o presidente não comprasse a vacina chinesa. “O povo
brasileiro não será cobaia de ninguém”, escreveu Bolsonaro. “Qualquer coisa
publicada, sem qualquer comprovação, vira TRAIÇÃO”, arrematou.
Para
Pazuello, não foi nada demais: “Aquilo foi apenas uma posição do agente
político na internet”. O próprio general teria cometido apenas uma coisa de
internet ao declarar o inesquecível “um manda, o outro obedece", no vídeo
em que aparece prestando vassalagem ao capitão, logo depois de ter sido
desautorizado via Facebook.
Segundo
o que se depreende do discurso do ex-ministro-general, o que o presidente diz
nas redes sociais ou em suas lives não tem caráter de ordem e não precisa nem
ser verdade. São balelas que nem ele mesmo, Pazuello, levava a sério.
Teria
sido melhor para o Brasil que fosse mesmo assim. Bolsonaro faria sua bravata
virtual, os minions se agitariam e aplaudiriam, e no dia seguinte tudo voltaria
ao normal.
Acontece
que não é.
Se
o que presidente da República fala nas redes ou aos microfones fosse apenas
“coisa de internet”, o Butantan não teria feito três ofertas de vacinas ao
Ministério da Saúde e ficado sem resposta. Pazuello não teria levado cinco meses
para finalmente assinar o contrato com o Butantan e nem ignorado as ofertas da Pfizer por sete meses. O Exército
brasileiro não teria iniciado a produção de 3 milhões de doses de cloroquina,
mesmo sem demanda nem comprovação de eficácia em pacientes de Covid.
Se,
no governo Bolsonaro, “coisa de internet” não fosse para valer, Paulo Guedes
não teria sido obrigado a demitir um secretário da Receita que defendeu a volta
da CPMF, o imposto do cheque. Tampouco teria recuado da tentativa de trocar o
nome do Bolsa Família para Renda Brasil. E os fiscais do Ibama que, numa ação
legal, inutilizaram o maquinário de comerciantes de madeira clandestina
extraída da Amazônia, em 2019, não teriam enfrentado um procedimento
administrativo por parte da chefia.
São
apenas alguns exemplos entre muitos. Diga Pazuello o que quiser, nada mudará o
fato de que Jair Messias Bolsonaro foi eleito fazendo “coisa de internet” e
governa à base de “coisa de internet”. O compromisso do presidente com as
“coisas de internet” é tão sério que suas lives de quinta-feira nunca falham,
esteja ele onde estiver. É na internet que ele dá ordens, grita, desautoriza e
constrange. É pela internet que ele convoca manifestações contra as mais
diversas ameaças a seu sempre perseguido governo patriótico. E claro, é também
via internet que se constata quais de suas “coisas de internet” são mesmo só
bravatas que não devemos levar a sério.
Infelizmente para os brasileiros, as atitudes de Bolsonaro na condução da pandemia não estão entre as “coisas de internet” que devemos ignorar. Pazuello, pelo menos, não o fez. Preferiu dar uma desculpa esfarrapada a deixar transparecer, mesmo que de forma oblíqua, em que momentos o capitão mandou, e ele obedeceu, e em que outras ocasiões — se é que houve — ele foi apenas mais uma vítima do negacionismo presidencial. Com isso, o general afrontou a inteligência do distinto público, mas não decepcionou seu capitão. Provou na prática que, até hoje, o presidente manda e ele obedece. E isso, definitivamente, não é coisa de internet.
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