A
destruição do licenciamento ambiental atesta o quanto o Brasil bolsonaresco
descarta o futuro
Patrocinado pelo centrão, saiu da Câmara rumo ao Senado o projeto que, a pretexto de modernizar o arcabouço de regras que norteiam o licenciamento ambiental no Brasil, praticamente destrói o pilar da Política Nacional de Meio Ambiente.
Se
virar lei na versão atual, o projeto 37/2004 abrirá alas para a insegurança
jurídica, ao transferir a estados e municípios o poder de definir o processo de
concessão de licenças.
Ao introduzir exceções à obrigatoriedade do licenciamento ou facilitar a sua obtenção, multiplicará as chances de danos ambientais graves --do desmatamento à poluição do ar e dos rios por atividades industriais mal concebidas e a catástrofes semelhantes às que destruíram Mariana e Brumadinho, poucos anos atrás. Finalmente, elevará à enésima potência os riscos a que já estão submetidos os povos indígenas e quilombolas à medida que isentar de licenciamento os territórios ainda em processo de demarcação.
Muitas
atividades podem ser mais bem executadas quando livres de interferência e regulação
estatais: a imprensa é uma delas, as artes e a cultura, outras tantas. Não é,
de forma alguma, o caso da proteção ambiental. Esta requer que o cálculo de
ganhos coletivos futuros --e, por isso, difíceis de aquilatar-- tenha
precedência sobre interesses imediatos e palpáveis. Aqui, o poder público é
insubstituível para definir a norma e fazê-la cumprir, criando incentivos
apropriados para os agentes privados.
A
destruição do licenciamento ambiental atesta o quanto o Brasil bolsonaresco
descarta o futuro em prol de mesquinhos objetivos da hora --no caso,
contingente não desprezível das bases eleitorais do ex-capitão. Indica também
como o país envereda pela contramão do mundo civilizado, onde a preocupação em
limitar a mudança climática vai de mãos dadas com medidas concretas --e de
forte teor regulatório--, destinadas a proteger as populações dos inevitáveis
desastres ambientais que ela já está provocando e poderá ocasionar mais
adiante.
O
projeto de lei aprovado pelos deputados da coalizão governista é a primeira de
quatro medidas com o mesmo propósito estritamente eleitoreiro, que o Executivo
encaminhou ao Congresso quando da eleição dos presidentes das duas Casas.
Tratam de mineração em terras indígenas, concessões florestais, estatuto do
índio e regularização fundiária, apropriadamente conhecido como o "PL da
grilagem". Madeireiros, grileiros, desmatadores e companhia feia,
produtores de resíduos tóxicos ou de obras malfeitas agradecem.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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