EDITORIAIS
Depoimento para blindar Bolsonaro não
convence
O Globo
Um desavisado que ouvisse o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuellofalando de sua gestão ontem na CPI da Covid poderia imaginar que estava noutro país, tão róseas as tintas usadas por ele para pintar o quadro do combate à pandemia. A realidade, sabemos, exibe tons mais soturnos.
Ficou claro que o objetivo de Pazuello era
um só: blindar o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo que, para isso, precisasse se
expor. Chegou ao absurdo de dizer nunca ter recebido orientação de Bolsonaro na
pandemia. Ora, o presidente que recorre ao STF contra medidas de restrição,
brada contra o isolamento social, incentiva a cloroquina e chama de “canalha”
quem desdenha o “tratamento precoce” nunca orientou o ministro? Acredite quem
quiser.
Os senadores não engoliram. Lembraram que
Bolsonaro desautorizou Pazuello publicamente no episódio da CoronaVac. “Um
manda, o outro obedece”, disse o então ministro. Ontem afirmou que o chefe
falava para as redes sociais, não dava ordem. Se não mentiu ontem, então quem
mentiu na ocasião foi Bolsonaro, quando disse ter mandado cancelar a compra da
vacina.
Pazuello não conseguiu evitar contradições.
Afirmou que as negociações para comprar vacinas da Pfizer nunca foram
interrompidas, ao contrário do que disseram o ex-secretário de Comunicação
Fabio Wajngarten e o ex-CEO da empresa Carlos Murillo. Argumentou que o
obstáculo eram as cláusulas “assustadoras” impostas pela farmacêutica e citou
pareceres da AGU e da CGU. O senador Eduardo Braga o confrontou com os
pareceres, sem obstáculo nenhum à compra da vacina.
Ao falar sobre Manaus, Pazuello disse que só tomou conhecimento da falta de oxigênio em 10 de janeiro. O presidente da CPI, Omar Aziz, afirmou ter recebido informações do governo do Amazonas de que ele fora informado no dia 7. Pazuello continuou negando. Alegou desconhecer negociações para usar avião dos Estados Unidos no transporte de oxigênio. A senadora Eliziane Gama mostrou documentos atestando que o ministério sabia do fato.
Pazuello foi questionado também sobre as
denúncias de fraude numa licitação do Ministério da Saúde durante sua gestão.
Como mostrou reportagem do “Jornal Nacional”, duas empresas foram contratadas
sem licitação por R$ 28 milhões para reformas no Rio. Sócios de uma delas são
os mesmos de outra, envolvida num escândalo em contrato com as Forças Armadas.
As licitações foram anuladas e estão sob investigação. Pazuello disse ter
tomado conhecimento do fato pela imprensa.
O tão aguardado depoimento não trouxe
resultados imediatos para a CPI. Pazuello foi bem treinado pelo Planalto e
tinha respostas prontas. Apesar de ter obtido habeas corpus para ficar em
silêncio, só usou da prerrogativa uma vez, numa pergunta da senadora Eliziane
sobre Manaus. Os senadores agora terão trabalho para cotejar as contradições
entre suas declarações e as de outros depoentes, para desmontar a tentativa de
blindagem de Bolsonaro.
O depoimento continua hoje e ainda poderá
trazer novidade. Mas, mesmo que Pazuello não se transforme no homem-bomba da
CPI, não terá conseguido desfazer a imagem de uma gestão desastrosa, origem da
tragédia que nos conduziu a mais de 440 mil mortos. Indagado sobre o motivo de
sua demissão, foi lacônico: “Missão cumprida”. Numa rede social, o ex-ministro
Luiz Henrique Mandetta ironizou: “Dia D, Hora H. Omissão cumprida”.
É necessária ampla investigação sobre os
desmandos de Salles
O Globo
Não passou em branco a demissão do superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, depois que apresentou notícia-crime contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pela suspeita de envolvimento na maior apreensão de madeira ilegal no país. A PF deflagrou ontem, com autorização do ministro do STF Alexandre de Moraes, operação para apurar crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando, em que Salles foi alvo de busca e apreensão. As investigações apuram desvio de conduta de servidores na exportação de madeira e são anteriores ao episódio que levou à exoneração de Saraiva.
Moraes também depôs o presidente do Ibama,
Eduardo Bim, outro acusado de cumplicidade na liberação da gigantesca carga
madeireira apreendida por Saraiva, avaliada em R$ 129 milhões. O despacho faz
ainda menção a operações financeiras de Salles, suspeitas aos olhos do Conselho
de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Operador da tosca visão bolsonarista do
meio ambiente, Salles é mais que apenas o símbolo de uma política ambiental
desastrosa. É seu formulador e executor. É claro seu projeto de tornar inócuas
a fiscalização e a punição de crimes ambientais pelo Ibama e pelo ICMBio. A
defesa de atividades ilegais já ocorrera antes com garimpeiros, quando Salles
suspendeu a fiscalização na reserva indígena dos mundurukus, no Pará, ao
visitá-la.
A reação do Supremo é bem-vinda diante não
apenas da escandalosa criminalidade ambiental, mas também dos avanços do
Congresso para tornar a legislação mais permissiva e tolerante com a devastação
das florestas.
Exemplos são o projeto de lei
recém-aprovado na Câmara que praticamente torna letra morta o licenciamento
ambiental e outro de regularização fundiária, apelidado “PL da grilagem”, que
tramita no Senado, mas poderá ser retomado na Câmara diante da resistência dos
senadores. O Senado, que ainda examinará o projeto do licenciamento, precisa
continuar a resistir à investida das madeireiras ilegais e ao lobby da
devastação.
Nenhum desses projetos pode ser aprovado,
sob pena de a imagem do Brasil ficar ainda mais degradada no exterior. Se
aprovados, será inviável consolidar as conquistas ambientais que o país já
realizou, quanto mais ampliá-las para honrar nossos compromissos
internacionais, facilitar nossas exportações e promover uma transição
bem-sucedida para a economia de baixo carbono.
A preservação do meio ambiente e da Amazônia
é, em si, um objetivo estratégico para o Brasil. Só pela visão retrógrada
diante de tamanho desafio, Salles e sua equipe já representam um retrocesso
evidente na política ambiental brasileira. Agora, a suspeita de crimes
ambientais que pesa sobre eles torna a situação ainda mais insustentável. É
preciso que tais crimes sejam investigados e punidos com o rigor da lei. Como
quaisquer crimes.
Otimismo de curto prazo
O Estado de S. Paulo
As expectativas de crescimento têm
melhorado, mas o investimento produtivo continua baixo, faltam reformas e os
recursos federais são escassos
Têm melhorado em Brasília e no mercado as expectativas de crescimento. A economia brasileira crescerá 3,50% neste ano, segundo a nova projeção do governo. A anterior indicava expansão de 3,20%. Várias instituições, incluídos grandes bancos, elevaram suas apostas. Segundo levantamento do Broadcast com 35 empresas do setor, a média das previsões passou de 3,2% para 3,8%. Na última pesquisa Focus, conduzida semanalmente pelo Banco Central (BC), a mediana das projeções chegou a 3,45%. Quatro semanas antes estava em 3,04%. Pela maioria desses cálculos, o Brasil chegará ao fim de 2021 sem ter retomado o nível de atividade anterior à pandemia. Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 4,1%.
O aumento da arrecadação, registrado pela
administração federal e também pelos governos estaduais, é apontado pelo
secretário especial da Fazenda, Bruno Funchal, como um bom indicador de
recuperação dos negócios. Segundo o secretário de Política Econômica do
Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, a nova projeção de crescimento do
governo central é conservadora. “Mas reflete”, acrescentou, “o bom momento que
estamos vivendo no lado econômico.”
Sinalizações desse “bom momento”
apareceram, nos últimos dias, nos balanços do primeiro trimestre publicados
pelo BC e pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Pelo Índice de Atividade
Econômica do BC (IBC-Br), o desempenho da economia no período de janeiro a
março foi 2,30% superior ao dos três meses finais do ano passado. Mais
detalhado, o Monitor do PIB-FGV apontou crescimento de 1,7% no mesmo
período. Publicados mensalmente, os dois indicadores são vistos como prévias do
PIB, divulgado a cada três meses pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A próxima divulgação do PIB oficial está prevista para 1.º
de junho.
Embora registrando crescimento no primeiro
trimestre, os dois indicadores apontaram recuo na passagem de fevereiro para
março. Pelo IBC-Br, a queda foi de 1,59%. Segundo o Monitor, a perda foi
de 2,1%. O bom resultado trimestral “surpreendeu”, de acordo com o pesquisador
Claudio Considera, responsável pelo Monitor-FGV.
Nesse comentário, ele ressaltou o
desempenho positivo dos três grandes setores – agropecuária, indústria e
serviços – e o crescimento registrado também do lado da demanda. Mas
acrescentou uma advertência: “Na comparação mensal, o fraco desempenho de março
frente a fevereiro mostra a fragilidade deste crescimento, dado o acirramento
das medidas de isolamento social em diversas cidades brasileiras”.
Outros fatores, além do isolamento, podem
ter contribuído para o enfraquecimento da economia, especialmente do consumo
familiar, nesse período. Não há como menosprezar o desemprego elevado nem as
dificuldades de milhões de famílias pobres, privadas por mais de três meses do
auxílio emergencial. Mas o professor Considera, em seu comentário, chamou a
atenção para um aspecto de enorme importância das políticas públicas: a
necessidade de avanço da vacinação como “primeiro passo para que a economia
possa crescer de forma mais sustentável a longo prazo”. Não só no longo,
pode-se acrescentar, mas também no curto prazo, como evidencia a experiência de
países mais bem administrados.
Mas, para entender e avaliar com mais
precisão a mudança nas expectativas, convém observar as projeções para os
próximos anos. Economistas do governo e do mercado têm elevado suas estimativas
de crescimento em 2021, mas sem alterar de forma significativa a expansão
calculada para 2022 e para os anos seguintes.
O governo manteve em 2,5% a expansão do PIB
esperada para cada um dos próximos quatro anos. Na pesquisa Focus, a
mediana das projeções para 2022 foi de 2,33% para 2,38%. Para 2023 e 2024
continuou em 2,5%. Não aparecem nas estimativas sinais de aumento do potencial
econômico. O investimento produtivo continua baixo, faltam reformas de grande
alcance e os recursos federais são escassos, embora haja dinheiro num orçamento
paralelo para agradar aos aliados ocasionais de um governo sem partido.
O uso eleitoreiro do Bolsa Família
O Estado de S. Paulo
A assistência estatal aos mais pobres não
pode se transformar em sistema de compra de votos
Nas administrações petistas, foi um escândalo recorrente o uso eleitoreiro do Bolsa Família. Em vez de ajudar a população mais carente, mais parecia que o objetivo do programa social era ajudar o partido do sr. Luiz Inácio Lula da Silva a se manter no poder.
A tática era descarada. Nas campanhas
eleitorais, o PT anunciava que, caso o eleitor não votasse no partido do sr.
Luiz Inácio Lula da Silva, ele iria perder os benefícios oriundos do programa
social. Na campanha de 2014, por exemplo, mesmo com os candidatos de oposição
afirmando que manteriam o Bolsa Família, a presidente Dilma Rousseff, então
candidata à reeleição, insistia que o programa social “vai acabar se eles forem
eleitos”.
O reiterado uso eleitoreiro do Bolsa
Família foi uma das causas para o antipetismo nas eleições de 2018 e de 2020.
Afinal, a manipulação do programa social para fins eleitorais era sintoma de
uma manobra das mais perversas: a manipulação da pobreza para fins eleitorais.
Ao longo dos anos, a dimensão manipuladora
ficou em especial evidência diante do descaso do PT em prover portas de saída
para o Bolsa Família. Em vez de fomentar a autonomia, o programa sob a gestão
petista parecia destinado a perpetuar a dependência da ajuda estatal.
Diante dessa lamentável situação, era de
esperar que uma das prioridades do presidente Jair Bolsonaro – eleito para
“impedir a volta do PT” – fosse transformar o Bolsa Família em verdadeira
política de Estado, protegendo-o de manobras eleitoreiras. Num regime
democrático, não cabe transformar a necessária assistência estatal aos mais
pobres em sistema de compra de votos.
No entanto, desde o seu início, o governo
Bolsonaro tem-se mostrado alheio a qualquer preocupação de aperfeiçoar o Bolsa
Família. Por exemplo, no fim de 2019 e ao longo de 2020, a Câmara dos Deputados
trouxe à discussão algumas propostas para a reformulação do programa social. O
Executivo federal, no entanto, colocou-se à margem do debate, numa inexplicável
indiferença a tema tão relevante.
Como se não bastasse sua omissão na
melhoria do Bolsa Família, o presidente Jair Bolsonaro tem revelado que
pretende percorrer o mesmo caminho do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, reforçando
o uso eleitoreiro do programa. No mês passado, por exemplo, Jair Bolsonaro
anunciou que pretende aumentar no segundo semestre o valor médio do benefício
do Bolsa Família, de R$ 192 para R$ 250.
A promessa de aumento, desacompanhada de
qualquer estudo e apresentada como gesto de boa vontade do presidente da
República, é mais um sintoma de que o presidente Jair Bolsonaro vê no Bolsa
Família um instrumento para angariar apoio político. Em vez de promover
cidadania, o programa social é meio de instrumentalização dos pobres.
A confirmar o uso eleitoreiro do Bolsa
Família, o presidente Jair Bolsonaro anunciou mais uma medida de vinculação do
programa à sua pessoa, excluindo as prefeituras do cadastramento. “Está quase
pronta também a questão do novo Bolsa Família”, disse Jair Bolsonaro em Maceió.
“A inclusão no Bolsa Família não será mais procurando prefeituras pelo Brasil,
será feita através de um aplicativo.”
A exclusão das prefeituras revela também
desconhecimento sobre o funcionamento do programa. Mais próxima do cidadão, a
esfera municipal é essencial para a análise da situação de cada família. Além
disso, o aplicativo é inacessível a muitas pessoas em situação de pobreza, as
que mais precisam do Bolsa Família.
O anúncio desse novo Bolsa Família ratifica
o caráter anticidadão do governo Bolsonaro. A rigor, não é uma novidade. Foi o
mesmo governo que, no meio da pandemia, se valeu do auxílio emergencial para
promover a bancarização forçada da população, vinculando o recebimento do
benefício à conta na Caixa Econômica.
Lula e Bolsonaro revelam-se cada vez mais
semelhantes. Para eles, o povo é mero meio de obtenção e manutenção do poder.
Assim, quanto mais a população for vulnerável e dependente, melhor para eles. O
caminho da cidadania é muito diferente. Nele não há cabresto.
Impasse geopolítico
O Estado de S. Paulo
Israelenses e palestinos parecem preferir
administrar o conflito a resolvê-lo
A acomodação dos interesses de israelenses e palestinos é um dos maiores desafios geopolíticos da história recente, o que pode ser atestado pela duração deste conflito que parece interminável e que já custou a vida de milhares de pessoas ao longo de décadas, incluindo a de civis inocentes, muitos dos quais crianças.
A hostilidade mútua tem raízes profundas,
alimentada com mais virulência desde pelo menos o fim da 2.ª Guerra por
intermitentes crises de natureza territorial, religiosa, étnica e cultural, não
raro associadas. No fundo, o que está em jogo, tanto para israelenses como para
palestinos, é a identidade nacional, é o direito de existir como povo e como
nação.
No entanto, em que pese a alta complexidade
dos interesses sobre a mesa, seria razoável supor que, após sucessivas
negociações ao longo de todos esses anos, um acordo de paz duradouro teria sido
possível caso ambas as partes em conflito estivessem genuinamente imbuídas do
desejo de pôr fim à guerra e dispostas a ceder em pontos que até aqui julgam
ser inegociáveis.
O mais perto que se chegou da paz duradoura
entre israelenses e palestinos foi em 13 de setembro de 1993, quando o então
primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, e o líder da Organização para a
Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, assinaram os Acordos de Oslo nos
jardins da Casa Branca. O aperto de mão entre Rabin e Arafat, diante do então
presidente americano, Bill Clinton, foi um inédito e auspicioso gesto de paz.
Porém, o que parecia auspicioso, a
concretização da solução dos dois Estados, fracassou por não se ter conseguido
eliminar aqueles obstáculos tidos como intransponíveis antes de avançar no
delineamento de novas fronteiras para que os dois povos pudessem conviver em
harmonia. Pressões de grupos contrários ao acordo em Israel e na Palestina
selaram seu destino como sonho, no máximo uma promissora tentativa de
estabelecer a paz.
O que se tem visto ao longo destes 28 anos
é a erupção de conflitos, ora mais duradouros (e sangrentos), ora menos, e um
clima de permanente tensão naquela porção do Oriente Médio.
O estopim para a mais recente onda de
violência entre israelenses e palestinos foi uma coincidência de datas festivas
para os dois povos. O Dia de Jerusalém – feriado que celebra a ocupação de
Jerusalém Oriental pelos israelenses após a Guerra dos Seis Dias, em 1967 – foi
celebrado na véspera da Laylat al-Qadr, tida pelos muçulmanos como a noite mais
sagrada do Ramadã. As celebrações levaram ao encontro de grupos de judeus e
muçulmanos pelos becos da Cidade Velha, no entorno da Mesquita de Al-Aqsa, que
entraram em conflito. Além disso, a Suprema Corte de Israel julga uma ação de
despejo contra famílias palestinas que vivem em um bairro árabe de Sheikh
Jarrah, fora dos muros de Jerusalém, área que os judeus julgam ser
historicamente sua.
Em resposta aos conflitos de rua e à ação
da Justiça israelense contra as famílias palestinas, o Hamas, grupo terrorista
que controla a Faixa de Gaza desde 2007, começou a lançar foguetes contra
Israel. Os mais potentes, provavelmente obtidos com o apoio do Irã, atingiram
Tel-Aviv. As Forças de Defesa de Israel responderam com um pesado bombardeio
sobre a Faixa de Gaza e já movimentam tropas para incursões terrestres no
enclave, o que deve provocar ainda mais mortes.
A comunidade internacional exortou
israelenses e palestinos a declarar um cessar-fogo. O presidente dos Estados
Unidos, Joe Biden, tem atuado com certa discrição para evitar a escalada do
conflito para uma guerra declarada.
É imprevisível o que acontecerá nos
próximos dias. O rumo dos acontecimentos é determinado pelos interesses
políticos que tanto o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e os
líderes do Hamas têm no conflito. Tanto um como os outros enfrentam crises
domésticas e veem na luta contra o inimigo histórico um fator agregador que
enseja união interna.
O que parece claro é que, após tantos anos
de negociações infrutíferas, israelenses e palestinos preferem administrar o
conflito a resolvê-lo, à custa da vida de muitas pessoas.
Cerco a Salles
Folha de S. Paulo
Operação da PF aumenta o dano causado pela
presença do ministro no governo
A operação
deflagrada pela Polícia Federal nesta quarta (19) lança graves
suspeitas sobre o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e eleva o já
enorme desconforto causado por sua presença no governo.
Como se não bastassem a devastação da
Amazônia, os incêndios no Pantanal e o esvaziamento dos órgãos de proteção
ambiental, Salles agora é apontado como participante de um esquema de exportação
ilegal de madeira para os Estados Unidos e a Europa.
Segundo os investigadores, funcionários que
ele nomeou para postos-chave no ministério e no Ibama se articularam com
empresas que atuam na Amazônia para afrouxar os controles criados para inibir a
comercialização de madeira extraída ilegalmente no país.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal, autorizou a polícia a fazer buscas no gabinete de Salles e
determinou uma devassa para esclarecer movimentações atípicas numa conta de seu
escritório de advocacia.
O STF também ordenou o afastamento
temporário do presidente do Ibama, Eduardo Bim, e outros nove funcionários
acusados de participação no esquema, além da suspensão de um despacho
que beneficiou os madeireiros.
As suspeitas que levaram à ação policial
surgiram há um ano, quando autoridades dos EUA apreenderam três contêineres com
madeira brasileira num porto no estado da Geórgia, por desconfiar dos papéis
exibidos pela exportadora.
Poucas semanas depois, o presidente do
Ibama assinou o despacho agora suspenso, que contrariou pareceres de técnicos
do órgão e abriu caminho para a liberação de mercadorias dos madeireiros
apreendidas no exterior.
Ainda há muito a ser feito para esclarecer
as suspeitas levantadas, mas os prejuízos à reputação do país serão imediatos,
numa área em que as ações desastrosas do governo Jair Bolsonaro só serviram
para semear desconfiança.
Basta lembrar o recente afastamento do
delegado responsável pela gigantesca apreensão de madeira de origem suspeita
efetuada pela PF em dezembro, após meses de um esforço deliberado de Salles
para sabotar seu trabalho.
Relatos de funcionários que compartilharam
com os investigadores mensagens trocadas com os assessores do ministro agora
afastados descrevem o ministério como um local contaminado por intrigas,
perseguições e intimidação.
Surpreendido pela operação, Salles fez-se
acompanhar de um segurança armado ao se dirigir
à PF para buscar informações. Se a ideia era passar um recado,
deu em nada.
Missão impossível
Folha de S. Paulo
Pazuello encena na CPI a estratégia
canhestra de defesa do governo Bolsonaro
“Missão cumprida”, respondeu Eduardo Pazuello
à pergunta da CPI sobre o motivo de sua exoneração do cargo de ministro da
Saúde.
Durante seus dias à frente da pasta,
morreram ao menos 283 mil pessoas de Covid-19. Pazuello saiu em março,
derrubado também pelo clamor nacional de indignação por causa da explosão do
número de mortes, pela falta de medicamentos para entubação e pelo colapso
asfixiante de Manaus.
O ex-ministro não conseguiu
cumprir a missão de isentar Jair Bolsonaro de tamanho desastre,
embora tenha tentado fazê-lo.
O general mentiu,
embaralhou fatos e contradisse sem provas outros depoimentos à
CPI. Quanto a Bolsonaro, afirmou que jamais recebeu ordens que se
contrapusessem à orientação de seu ministério e que declarações do presidente a
respeito da epidemia não deveriam ser tomadas ao pé da letra.
Deduz-se, portanto, que Bolsonaro não
interferiu no desastre gestado na pasta da Saúde e que a propaganda
presidencial que sabotou e sabota as medidas sanitárias é um programa político.
De um lado, Bolsonaro foi negligente ou cúmplice de um Pazuello autônomo; de
outro, um farsante doloso.
O general disse que foi avisado tardiamente
do colapso de Manaus, o que é negado por documentos. Que seu ministério
respondeu a ofertas da Pfizer, o que é negado pela direção da empresa e pelo
ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten. Que o aplicativo TrateCov, de
orientação de tratamento precoce, nunca entrou em operação, refutando a
realidade.
Atribuiu atrasos na compra de vacinas a
medidas do TCU e da CGU, negadas pelas instituições. Em suma, acabou por
indicar à CPI uma longa lista de acareações.
Em um vídeo de outubro de 2020, o militar
submisso dizia ao lado de Bolsonaro que “um manda, outro obedece”. O presidente
afirmara em público que não compraria vacinas do Butantan. Mas a cena seria
“apenas uma posição de internet”.
Assim como sugeriu o depoimento de outro
ex-ministro, Ernesto Araújo (Itamaraty), a falação de Pazuello demarca uma
estratégia de defesa do governo. Bolsonaro não dava ordens nos piores feitos
dos ministros, os quais tampouco se responsabilizam pelo desastre.
Apesar de falsearem à larga, de certo modo
o que dizem os ministros têm um grão sujo de verdade: o governo mal governa.
Dedica-se à agitação e propaganda negacionista, à sabotagem das instituições,
da máquina do Estado e das operações comezinhas da administração. No mundo
delirante do bolsonarismo, é tudo verdade.
Crescem incertezas sobre a elevação dos juros nos EUA
Valor Econômico
Fed não pretende agir preventivamente até
que a inflação medida, não projetada, suba de verdade
A possibilidade de volta em grande estilo da inflação nos Estados Unidos dará a tônica dos mercados financeiros nos próximos meses. O índice cheio de abril, ante abril de 2020, foi de 4,2%. O núcleo do índice quase dobrou, de 1,6% para 3%. Até mesmo defensores dos estímulos fiscais e monetários acreditam que há um exagero claro nas doses e que a inflação vai surpreender, obrigando o Federal Reserve a reagir em condições adversas. O Fed observa tranquilamente a alta dos preços, acreditando que ela se deve a fatores transitórios, que desvanecerão em 2022.
As atividades se revigoraram amplamente com
o início da vacinação em massa nos Estados Unidos (2 milhões por dia
atualmente) e com a perspectiva de que a imunidade de rebanho, com 70% dos
americanos imunizados, será atingida neste verão. Os números lembram arrancadas
chinesas. O consumo real em 12 meses cresceu 9,6% (abril), o maior ritmo desde
1946. O Produto Interno Bruto, por algumas projeções, aproxima-se de 8%. O
auxílio de US$ 1.400 aos contribuintes elevou a US$ 2,3 trilhão a poupança
acumulada dos americanos. Uma pesquisa do Fed de Nova York mostrou que 42% do
auxílio foi poupado, enquanto um terço foi destinado ao pagamento de dívidas e
25% para os gastos de consumo.
Há uma conjunção de vontades, com o Fed
mudando a políticas de metas e procurando produzir inflação a todo custo, pois
não atinge os 2% desde que o alvo foi fixado em 2012. Por suas projeções, não
chegará lá uma década depois. O novo presidente americano, Joe Biden, dobrou a
dose do pacote de socorro à economia e consumidores do antecessor Donald Trump,
e aprovou US$ 1,9 trilhão para esse fim. Tem propostas de mais US$ 2,3 trilhões
para projetos de infraestrutura verde, tecnologia e combate a mudanças
climáticas e outro de US$ 1,8 trilhão para reforçar a rede de proteção social.
Se forem aprovados integralmente, o que não deve ocorrer, o total de estímulos
seria de algo como 27% do PIB.
A inflação começou a subir e as
expectativas de inflação junto com elas. A taxa de equilíbrio, a que
compatibiliza rendimentos dos títulos do Tesouro de dez anos com a dos títulos
protegidos da inflação, atingiu 2,5%, e os papéis de 10 anos apontam viés de
alta. As projeções indicam uma defasagem grande entre os mercados estimam que
poderá acontecer no curto prazo e a posição do banco central, que conta com a
manutenção da política monetária estimulativa até o fim de 2023.
A ata da mais recente reunião do Fed, em
abril, envelheceu rapidamente com a alta dos preços. Mas o argumento para
manter a política é o mesmo. O Fed vislumbra alta acima de 2% até o fim do ano
e queda em 2022. A inflação é temporária e se deve a aumentos nos preços de
importação (commodities, petróleo etc), majoração de preços dos setores mais
prejudicados pela pandemia e que agora estão em recuperação após a vacinação
(tipicamente serviços), efeitos altistas causados pelos gargalos nas cadeias de
produção, além de efeitos estatísticos: as bases da inflação de abril, maio e
junho de 2020 são muito baixas.
A ata do Fed mostra tímidos sinais de que a
atitude do banco pode mudar um pouco mais à frente. “Há riscos de pressão
inflacionárias aumentando para níveis indesejáveis antes que se tornem
suficientemente evidentes para provocar uma reação da política monetária”,
apontou um par de membros do FOMC. Um número maior de membros sugeriu que se a
economia fizesse rápidos avanços em direção às metas “seria apropriado em algum
momento das próximas reuniões que se começasse a discussão de um plano para
ajustar o ritmo de compra dos ativos”.
A visão de que a inflação é provisória é
comum aos membros do Fed, unânimes em manter a taxa dos fed funds estacionada
próximo a zero, por enquanto. Sinalizações equivocadas ou precipitadas já
encontram um terreno fértil para causar severa instabilidade financeira global,
como no “taper tantrum” de 2013. A meta modificada do Fed, que permite que a
inflação seja ligeiramente acima de 2% por algum tempo, deixa claro que o banco
não pretende agir preventivamente até que a inflação medida, não a projetada,
suba de verdade. Mas esta fórmula é enigmática o bastante para sinalizar os
próximos passos do banco ou permitir vislumbrar quando afinal o banco central
moverá a taxa de juros e diante de que inflação. O Fed está apostando alto.
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