PF,
Abin e órgãos de controle ameaçam jogo do presidente na CPI
O
depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi precedido de um levante
do Estado contra o Estado. Dias antes, o presidente da República falhara nas
duas tentativas de mobilização a seu favor num momento em que se vê acuado pela
Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid. Teve uma fria recepção do Alto
Comando do Exército na discreta visita que lhe fez na semana passada e assistiu
a pífia manifestação no sábado, em Brasília, em que apareceram mais caminhões e
cavalos que apoiadores. Na véspera do depoimento mais aguardado da CPI, veio o
levante, em três frentes.
O
“Antagonista” revelou o edital que permitiria a compra pelo Ministério da
Justiça, em pregão eletrônico, de um sistema de processamento de dados que
permite cruzar informações de redes sociais de mais de 15 mil alvos. Entre os
usuários beneficiários estariam as secretarias de segurança pública de 13
unidades da federação. Horas depois, o “UOL” revelaria que, por obra e graça do
vereador Carlos Bolsonaro, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) havia
sido excluída do rol de instâncias que teriam acesso ao novo sistema.
Também
na noite que antecedeu o depoimento, o “Jornal Nacional” revelaria indícios de
fraudes em contratos do Ministério da Saúde no Rio durante licitações
conduzidas durante a gestão Pazuello. A superintendência do ministério no Rio,
conduzida por um coronel, contratou, sem licitação, empresários que já foram
condenados pela Justiça Militar em fornecimento à Aeronáutica.
E, finalmente, na manhã em que Pazuello era aguardado na CPI, Brasília foi sacudida pela operação da Polícia Federal que resultou em busca e apreensão na casa e no gabinete do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no afastamento do presidente e da diretoria do Ibama e na quebra de sigilos bancário e fiscal de todos. A investigação apontou desvio de conduta dos alvos na validação de madeira ilegal exportada.
A
operação foi recebida como uma resposta da PF contra o afastamento do
superintendente da corporação no Amazonas que havia denunciado Salles por
obstrução de seu trabalho na fiscalização de madeireiros. O que lhe deu mais
relevância, porém, foi o fato de ter nascido da congênere do Ibama nos Estados
Unidos, que detectou o carregamento de madeira com documentação ilegal em
território americano, e, principalmente, o fato de a operação ter contornado a
Procuradoria-Geral da República.
Já
havia indícios de que foi a Abin que reagiu ao escanteamento no pregão do
“aparelho espião” pelo Ministério da Justiça. Também parecia claro terem saído
dos órgãos de controle dos gastos federais as informações sobre a esparrela de
obras pelo Ministério da Saúde no Rio. Foi a operação contra Salles, porém, que
demonstrou, inequivocamente, a PF contornando uma das instituições que mais
blinda o presidente da República, a PGR. É o Estado contra o Estado que está em
curso.
O
mal do ex-ministro, portanto, nada teve de súbito. A última inquirição antes da
suspensão do depoimento, feito pela senadora Eliziane Gama (Rede-MA), foi sobre
a contratação de obras em galpões do Ministério da Saúde no Rio que nada tinham
a ver com a covid. O ministro disse que a dispensa de licitação se justificara
pela insegurança das instalações (quando a maioria trabalha de casa) e que o
serviço não seguira adiante.
Ao
longo de cinco horas Pazuello foi capaz de dizer que presidente Jair Bolsonaro
ordenava uso da cloroquina, aglomerações e boicote à vacina aos seus seguidores
nas redes sociais mas não ao seu ministro da Saúde. Parecia convencido de que o
governo lhe daria proteção. Foi quando a CPI se aproximou de seus próprios
erros, como no caso das obras no Rio, que Pazuello parece ter sido acometido do
medo de que, assim como faltara a Salles, a retaguarda de cima também poderia
não ser suficiente. Foi a primeira vez que seu advogado sugeriu o uso do habeas
corpus para não falar. Pazuello o rejeitou mas, em seguida, despencou.
Tampouco
parece ter sido coincidência que o levante do Estado contra o Estado tenha
deixado mais explícitas as tensões internas da CPI. O senador Ciro Nogueira
(PP-PI), de amigo-irmão do senador Renan Calheiros (MDB-AL), passou à chantagem
ao vivo e em cores. O relator buscava saber de Pazuello a razão de ter aceitado
a intermediação da vacina da Bharat Biontech pela Precisa, empresa em litígio
com o Ministério da Saúde, quando Ciro o aparteou com uma ameaça de convocação
do consórcio de governadores para explicar a pressão pela Sputnik.
Também
ficou explícita a insegura coesão da bancada de oposição. A maioria de sete é
garantida pelos dois senadores do PSD, cujo presidente, Gilberto Kassab, tem dado
sinais cada vez mais eloquentes de que estará no barco petista em 2022. Assim o
fará também o senador Otto Alencar (BA), aliado do PT em seu Estado. O
presidente do colegiado, Omar Aziz (AM), porém, sinalizou ontem, mais uma vez,
que a ameaça de investigação sobre os Estados o mantém na fronteira dos dois
blocos da CPI. Quando o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) quis mostrar
documento do inquérito que corre no Amazonas que desmentia Pazuello ele alegou
sigilo daquela investigação.
A
despeito das tensões internas, a pressão da CPI foi capaz de fazer Pazuello
recuar pelo menos duas vezes. Depois de dizer que o Tribunal de Contas da União
havia obstruído a compra da vacina da Pfizer foi obrigado a voltar atrás quando
o relator reportou desmentido oficial. Também recuou na data em que disse ter
tomado conhecimento da crise de oxigênio no Amazonas depois de os senadores
trazerem à tona evidências factuais que o confrontaram. Apesar de blindar o
presidente, deixou claro que ele era informado, semanal ou quinzenalmente, de
todos os atos e ações da pasta, o que é um óbice para futuras alegações de que
Bolsonaro nada sabia sobre condutas a serem incriminadas.
A afirmação de Alencar, senador-médico que socorreu Pazuello, de que ele poderia ter continuado a depor ontem, sugere que a interrupção atendeu tanto a contingências do ex-ministro quanto dos senadores. É na conclusão do depoimento hoje que será possível aferir se a CPI será água ou gás na ebulição do Estado contra o Estado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário