Jair
Bolsonaro conduz um governo confuso e desarticulado
É
notório que Jair Bolsonaro governa para e pela internet. Com
resultado que está ficando muito nítido pelos trabalhos da CPI da Covid:
a existência de uma espécie de dualidade de mando com prejuízos diretos no
combate às diversas crises. O pecado original foi o papel importantíssimo das
redes sociais na vitória dele em 2018. São ferramentas indispensáveis para
ganhar eleições, mas instrumentos precários para governar – e é pensando nelas
que Bolsonaro baseia suas ações.
“Postagens
na internet não são ordens”, disse seu ex-ministro da Saúde Eduardo
Pazuello, ao depor na CPI da Covid num esforço bem orientado por
advogados para desmentir o óbvio. Sim, no caso do governo Bolsonaro, são ordens
(mas em juridiquês não são). O próprio Pazuello postou um célebre vídeo – na
internet – ao lado de Bolsonaro, dando conta de que um manda (o presidente) e o
outro (o general intendente) obedece.
“Mas era coisa de internet”, desculpou-se Pazuello. O efeito é o mesmo: Bolsonaro consagrou essa dualidade de mando dentro do próprio governo. Dedicado como sempre à atividade de animador de redes digitais, suas “ordens” que não são “ordens” servem no mínimo (com muita boa vontade) para criar confusão interna. No caso da pandemia, a CPI foi razoavelmente bem-sucedida também em demonstrar a existência de uma estrutura paralela de assessoramento governamental que, no fundo, é a avaliação de quais conteúdos obtêm melhor resposta nas redes digitais que Bolsonaro pretende atingir.
Ocorre
que dualidade de mando paralisa qualquer administração complexa, como é o caso
do governo brasileiro. Na prática, Pazuello e seus antecessores se viram
divididos entre o que eram as posturas recomendadas pelas áreas técnicas (na
questão de uso de medicamentos, por exemplo) e o que o presidente pregava nas
suas redes – além da exigência aos ministros de um tipo de lealdade já
fartamente comparado ao “Führerprinzip”, a ideia de que o líder tudo sabe e
nunca falha.
O
que aconteceu no combate à pandemia já era repetição do que afetara
anteriormente setores como economia ou política externa (mas não só). Na
economia, por exemplo, Bolsonaro promoveu grande alarido, com enormes prejuízos
para a Petrobrás, ao dizer que ia interferir na formação de preços de
combustíveis. Repetiu a “fórmula” com o Banco do Brasil, deixando os agentes
econômicos nos mais diversos níveis preocupados sobre qual seria, afinal, o
limite da intervenção estatal. Era o que vinha dizendo o ministro da Economia
ou o que o presidente falava para sua turma na internet?
Na
política externa essa “dualidade de mando” criou uma situação esquizofrênica
para o principal parceiro comercial brasileiro, a China. Valem os ataques que Bolsonaro
reitera nas redes ao regime chinês ou as súplicas dirigidas a Pequim por parte
de ministros (como a da Agricultura) e governadores (como o de São Paulo) pela
manutenção de laços para garantir exportações e suprimento de insumos para
vacinas?
Bons
observadores que são da cena brasileira (Pequim sabe cuidar de seus
interesses), talvez os chineses se orientem pelo comportamento de duas
instâncias políticas hábeis até aqui em lidar com Bolsonaro. Uma é o STF, que
lhe impôs limites severos e pensa sempre uma jogada política adiante do
presidente e que não mais responde às provocações feitas por ele através das
redes digitais.
Outra
instância política é a do Centrão,
que congrega notórios especialistas em sobrevivência política e defesa dos
próprios interesses. Os articuladores da base de sustentação de Bolsonaro no
Legislativo chegaram ao acordo tácito de deixá-lo falando sozinho. Com eles não
existe mais dualidade de mando, pelo menos no que se refere à distribuição de
verbas entre parlamentares: tomaram conta disso, e deixaram o que tem de batata
quente para ser decidido entre os ministros do Desenvolvimento Regional e o da
Economia, por exemplo.
O resto é Bolsonaro falando para a internet.
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