Secretaria
de Política Econômica projeta para este ano queda de 0,45% na população ocupada
com carteira assinada e de 2,4% na renda real dos trabalhadores
Apesar
da projeção mais alta de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB), a
Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia projeta
números piores para o mercado de trabalho neste ano. O cenário é de uma queda
na população ocupada com carteira assinada de 0,45% e, na renda real dos trabalhadores,
recuo de 2,4%.
Os
números, baseados na Pnad Contínua do IBGE, compõem a grade de parâmetros
econômicos que o governo utiliza para a cada bimestre projetar receitas e
despesas. E, nesse caso, são piores do que a SPE trabalhava em março - quando previa
alta de 2% na população ocupada e queda de 1,7% na renda real.
O subsecretário de Política Macroeconômica da pasta, Fausto Vieira, explicou ao Valor que os números mais baixos refletem os dados realizados até o momento, mas não significam que não há recuperação do mercado de trabalho. “Os dados são uma média do ano, que tem números [realizados] mais baixos, mas existe uma tendência de recuperação e isso é muito claro na grade de parâmetros”, disse.
Para
ele, as estimativas não permitem dizer que a expansão mais forte do PIB
(prevista em 3,5% para 2021) não afetará renda e empregos positivamente. “O
crescimento está impactando, sim, tanto a renda como a população ocupada com
carteira assinada. Mas a recuperação, como aqui a gente está olhando a média do
ano, tem indicação de ser mais lenta”, afirmou.
Vieira
chama a atenção ainda para uma questão estatística, na dinâmica esperada da
renda, e que evidenciaria uma retomada nas contratações. No ano passado, mesmo
com cortes de vagas, a renda média real aumentou 2,7% porque as demissões
ocorreram em postos de menores salários. Em 2021, com as contratações voltando
a acontecer, estaria havendo o efeito inverso.
A
economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, reconhece o efeito
estatístico, mas aponta que desde a segunda metade de 2020 a recuperação da
atividade econômica tem sido mais intensa do que a do mercado de trabalho.
“Essa foi uma discrepância desta crise que a gente vem notando. E o fato de o
mercado de trabalho ainda estar com essa capacidade ociosa grande é fonte de
preocupação e risco para o nosso cenário”, disse. “A gente viu a recuperação
mais rápida na economia do que no mercado, porque os setores que voltaram mais
fortemente são menos intensivos em trabalho.”
Ela
está no grupo dos mais otimistas com o crescimento do PIB neste ano e projeta
4,2% de expansão. Porém, destaca que a recuperação do mercado de trabalho está
muito relacionada ao andamento da vacinação, que se desacelerou. “Os setores
que não voltaram ainda são os mais intensivos em trabalho, como de serviços e
serviços às famílias. Na hora que a vacinação avançar um pouco mais e a gente
retirar essas restrições, o mercado de trabalho vai voltar rapidamente”,
afirmou Rafaela, que projeta queda do nível de desemprego dos atuais 14,4% para
12,3%.
O
presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de
Lacerda, destaca que a inflação em alta está afetando negativamente o poder de
compra da população. “A renda real está caindo porque a inflação está se
acelerando, em especial a do dia a dia das pessoas, alimentos, energia, gás de
cozinha. E o emprego sofre com o abalo de muitos setores. Há uma reação, mas
não no ritmo necessário”, diz.
Mais
pessimista que o mercado, ele enxerga o PIB neste ano crescendo entre 2,5% e
3%, insuficiente para recompor a perda do ano passado. “Não há grande
perspectiva de aceleração que geraria fortes contratações”, disse. Lacerda
destaca que, com a soma de desalento (pessoa que não procura mais vaga) e
subempregos, há um conjunto de mais de 32 milhões de pessoas em situação ruim
no mercado de trabalho. “Esse é um dos elementos que impedem retomada mais
firme, não há sustentação do consumo.”
Mesmo
que haja alguma melhora no próximos meses, o fato é que há muito tempo a
economia brasileira tem deixado a desejar para os trabalhadores, a despeito das
promessas feitas de milhões de vagas com as reformas trabalhista e a
previdenciária. A pandemia, que é um evento que não se podia prever, tornou o quadro
ainda mais dramático. E, para piorar, o governo tem cometido falhas na
vacinação. Essa é elemento essencial para a retomada, como a própria SPE frisou
na terça-feira.
Assim,
cabe insistir na pressão sobre o governo para acelerar a imunização. Bolsonaro,
com sua postura errática, custa caro para a saúde do trabalhador e para sua
luta por sustento.
Austeridade
O
Boletim Macrofiscal e o Panorama Macroeconômico divulgados pela SPE são bons
materiais para consulta. Na nova edição, além de projeções, os técnicos
apresentaram estimativas sobre o resultado primário estrutural, aquele que
tenta limpar da estatística variações fora do padrão na economia e fatores não
recorrentes.
O
subsecretário de Política Fiscal, Erik Figueiredo, e os técnicos que
trabalharam diretamente as contas, Sergio Gadelha e Bernardo de Andrade,
detalharam os dados ao Valor.
Os números apresentados mostram que o governo central teve déficit estrutural
de 1,31% do PIB em 2020, resultado melhor do que o 1,64% do PIB de 2019. Foi a
quarta redução (contração fiscal) seguida no déficit por essa metodologia.
Ou
seja, retirado aquilo que foi imposto pela pandemia, a trajetória de
austeridade foi mantida em 2020. Informações mais detalhadas sobre esses
números e sua metodologia devem ser divulgadas hoje. Para o setor público como
um todo, por causa do desempenho dos Estados e municípios, o déficit estrutural
subiu, com estímulo fiscal de 0,17% do PIB.
Especialista
em contas públicas e um dos pioneiros no uso dessa metodologia no Brasil, o
economista Sergio Gobetti aponta que faz sentido retirar o gasto da pandemia na
conta do resultado estrutural. Mas, para calcular o impulso fiscal na economia,
não seria o caso. “Do ponto de vista de impulso fiscal, ele está claramente
subestimando, porque, como houve esse gasto [da pandemia], é uma despesa
efetiva que injetou demanda e compensou a queda do gasto privado”, afirma.
O economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, aponta que seria interessante para o Brasil ter um cálculo mais consensual entre academia, mercado e governo para o resultado estrutural. Isso permitiria um debate público mais claro sobre a política fiscal.
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