segunda-feira, 3 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Tudo em família

O Estado de S. Paulo

O PRTB é o estado da arte dos partidos de fachada. É isso que deseja Bolsonaro: um partido que defenda os interesses pessoais de sua parentada, e nada mais.

O presidente Jair Bolsonaro, hoje sem partido, está em tratativas com o PRTB para eventualmente se filiar à sigla. Ainda que a negociação não prospere, Bolsonaro, candidato à reeleição, terá que encontrar algum partido em breve, pois a Constituição não permite candidaturas avulsas. Para Bolsonaro, contudo, trata-se apenas de uma formalidade burocrática, pois jamais se preocupou com a natureza ou as propostas dos diversos partidos pelos quais concorreu. E foram muitos.

Como se sabe, Bolsonaro foi incapaz, até agora, de formar o próprio partido, a despeito de seu festejado capital político-eleitoral. O anunciado Aliança pelo Brasil, partido da família Bolsonaro, ainda não saiu do papel, e o próprio presidente duvida que a legenda seja homologada a tempo da eleição do ano que vem. Esse fiasco obriga Bolsonaro a negociar com outras legendas.

No momento, a única exigência de Bolsonaro é que o partido que vier a acolhê-lo esteja inteiramente à sua mercê. Em março, o presidente declarou que quer uma legenda da qual seja “dono”, o que significa ter controle total sobre o dinheiro e os diretórios regionais. Foi essa pretensão, aliás, que causou sua ruptura com o PSL, partido pelo qual ele se elegeu presidente e que frustrou seu projeto de domínio absoluto.

O PSL era insignificante até a eleição de 2018 e hoje está entre as maiores bancadas do Congresso graças à onda que elegeu Bolsonaro. É justamente esse potencial eleitoral de Bolsonaro que seduz legendas de aluguel como o PRTB, que já se imaginam nadando no dinheiro do fundo partidário com a eleição de diversos parlamentares associados ao bolsonarismo. Hoje, o partido não tem nenhum deputado federal e só aparece no noticiário quando se recorda que é a legenda do vice-presidente Hamilton Mourão.

A morte do presidente do PRTB, Levy Fidelix, no dia 23 passado, deixou vaga a cadeira de dono do partido, e Bolsonaro tem a pretensão de ocupá-la. O presidente, que dificilmente manifesta pesar pela morte de alguém – que o digam os parentes das vítimas da covid-19 –, disse que Levy Fidelix, que se notabilizou por aparecer na cena nacional apenas nas semanas que antecediam os pleitos, será “uma pessoa realmente que vai deixar saudades em todos nós”. Mas só essa elegia talvez não baste para que Bolsonaro tome o lugar de Fidelix.

O PRTB é o estado da arte dos partidos de fachada criados por um sistema de representação que ignora o eleitor. Com o slogan “Deus, Pátria e Família!”, a legenda, de fato, prioriza a família – no caso, a de Levy Fidelix. É por esse motivo que a negociação com Bolsonaro está sendo tocada pelos três filhos do falecido, Levy Filho, Karina e Lívia, herdeiros do espólio partidário.

Levy Filho é secretário-geral do PRTB. A atual presidente do partido é a viúva de Fidelix, Aldineia. Rodrigo Tavares, marido de Karina Fidelix, é presidente do diretório paulista do PRTB. Ou seja, o comando do partido está inteiramente nas mãos do clã Fidelix, tal como uma empresa familiar.

E exatamente como acontece com uma empresa familiar quando avalia uma oportunidade de negócio – no caso, ceder ou não o controle para a família Bolsonaro –, o destino do PRTB depende do entendimento entre irmãos. Levy Filho quer fazer negócio, mas Karina Fidelix pretende assumir o comando do partido com o marido.

Nada desse conflito doméstico teria a menor importância para o País se não envolvesse o partido do vice-presidente Mourão e que pode vir a ser o partido do presidente da República. A esse ponto vergonhoso nos levou a desmoralização da política empreendida pelo bolsonarismo.

O fato de que Bolsonaro pode vincular seu imenso peso institucional a uma legenda nanica, com nenhuma representação no Congresso, dá a exata medida da miséria do sistema partidário. Há hoje 33 partidos registrados na Justiça Eleitoral, uma aberração óbvia. Mudanças normativas implementadas a partir de 2016 devem reduzir esse número nas próximas eleições, mas grande parte dos partidos ainda se presta somente a representar seus donos.

Pois é exatamente isso o que deseja Bolsonaro: um partido que defenda os interesses pessoais de sua parentada, e nada mais.

A classe média e o centro político

O Estado de S. Paulo

Estudos têm constatado haver significativa redução da classe média, com mais famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, em razão da crise social e econômica que já existia no País e se agravou durante a pandemia de covid19. Segundo o Instituto Locomotiva, a partir dos dados do IBGE, 4,9 milhões de pessoas saíram da classe média no último ano. Com isso, pela primeira vez em dez anos, o estrato social intermediário passou a representar menos da metade da população brasileira.

Com uma resposta lenta, desorganizada e insuficiente – quando não claramente negacionista –, o governo federal foi incapaz de proteger a população dos efeitos sociais e econômicos da pandemia. Sintoma especialmente dramático dessa disfuncionalidade do Palácio do Planalto é o aumento da fome.

A diminuição da classe média tem notórias consequências sociais e econômicas. Por exemplo, com a diminuição de renda familiar e o aumento do desemprego, mais jovens estão em situação de vulnerabilidade social. Houve aumento da evasão escolar.

É comum falar que a pandemia de covid-19 trouxe um cenário de acentuadas incertezas. No entanto, para muitas pessoas, o futuro não está apenas mais incerto. Ele está inexoravelmente mais penoso e mais limitado.

A redução da classe média tem também importantes efeitos econômicos. Com mais pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, a recuperação econômica do País torna-se necessariamente mais lenta, em razão, por exemplo, do endividamento das famílias e da redução do consumo.

Como tem sido lembrado pela OCDE, uma classe média próspera é decisiva para a economia e para a coesão social de um país. A classe média sustenta o consumo e a arrecadação de impostos – viabilizando, por exemplo, as políticas públicas de proteção social – e impulsiona o investimento em áreas fundamentais, como educação, saúde e moradia.

A diminuição de pessoas no estrato social intermediário produz também importantes efeitos políticos. O aumento da vulnerabilidade social e econômica contribui para uma maior adesão a propostas populistas, que, sem enfrentarem a causa dos problemas, prometem soluções fáceis, rápidas e inviáveis.

O quadro é de enorme perversidade. De alguma forma, a ineficiência do governo populista – que, se esquivando de fazer as reformas, não promove o desenvolvimento social – faz com que parte da população se torne (em razão da vulnerabilidade social e econômica) ainda mais refém desse mesmo governo, ou de sua antítese ideológica, igualmente populista.

Além das dificuldades sociais e econômicas, a redução da classe média representa, assim, um especial desafio político para o País. De forma muito concreta, o encolhimento do estrato social intermediário traz dificuldades adicionais para a viabilidade política de um candidato de centro à Presidência da República em 2022.

Vale ressaltar que o encolhimento da classe média não é um fenômeno que se iniciou agora, tampouco está restrito ao Brasil. Por exemplo, a redução do estrato médio tem sido observada na maioria dos países da OCDE. As novas gerações têm encontrado mais dificuldades para alcançar a renda da classe média, definida pela OCDE como os rendimentos entre 75% e 200% da renda nacional média. Na geração dos baby boomers, quase 70% das pessoas na faixa dos 20 anos pertenciam à classe média. Na geração dos millennials, esse porcentual é de 60%.

No entanto – e aqui está o quadro especialmente desafiador para o Brasil –, a pandemia de covid-19, junto ao despreparo e ineficiência do governo de Jair Bolsonaro, tem acelerado esse processo de encolhimento da classe média. Há mais famílias pobres. Há mais pessoas vulneráveis.

Mais do que induzir a paralisias, essa situação desafiadora clama por uma urgente e especial responsabilidade para com o País. Não cabe assistir passivamente ao empobrecimento da população e, consequentemente, à sua subjugação a manobras populistas. Uma proposta política viável de centro deve contemplar, de forma muito realista, a defesa e o fortalecimento da classe média.

A diminuição da classe média tem notórias consequências sociais, econômicas e políticas

Sinais mistos na prévia da inflação

O Estado de S. Paulo

Alta de preços perde impulso, mas variação acumulada é grande e há muita incerteza.

O aumento de preços, tormento para a maioria das famílias, perdeu impulso desde março, a julgar pelos últimos dados, mas é muito cedo para qualquer conversa otimista. O desemprego é alto, o dinheiro é curto mesmo para quem tem trabalho e, além disso, dezenas de milhões ainda precisam do auxílio emergencial. A cesta de consumo ficou 0,60% mais cara no período entre 16 de março e 13 de abril, segundo a prévia da inflação oficial, também conhecida como IPCA-15, sigla do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15. Em março esse indicador havia subido 0,93%. Houve altas em sete dos nove grupos de bens e serviços incluídos na pesquisa recém-divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A alta de preços continua preocupante, apesar do recuo mensal do IPCA-15. O aumento acumulado em 12 meses passou de 5,52% para 6,17%, mas essa média esconde alguns detalhes muito feios. Para a maior parte das famílias, o mais feio de todos é o encarecimento da comida nesse período. O custo do item alimentação e bebidas subiu 12,17% no intervalo de um ano.

O preço do cardápio básico do brasileiro disparou. O grupo cereais, leguminosas e oleaginosas, onde se incluem arroz e feijão, encareceu espantosos 48,70% nesse intervalo de um ano. Obviamente puxado pela cotação internacional da soja, o conjunto óleos e gorduras ficou 51,77% mais caro. Com recuo de 1,17% em 12 meses, só a educação, entre os nove grandes grupos de bens e serviços, ficou mais acessível nesse intervalo.

É preciso levar em conta as altas ou baixas acumuladas em períodos de vários meses para avaliar com algum realismo o cenário dos preços. Com variação de 0,36%, o item alimentação e bebidas subiu menos, no período coberto pelo IPCA-15 de abril, do que habitação, artigos de residência, saúde e cuidados pessoais e transportes. Mas o consumidor continuou pagando, no mercado, na feira e no açougue, preços já muito inflados pela sucessão de aumentos em vários meses. Além disso, o custo de comida e bebida voltou a ganhar impulso. O indicador de março havia mostrado uma alta de 0,12%, um terço da taxa observada no mês seguinte.

Para os consumidores e para os analistas do mercado financeiro, as perspectivas continuam muito ruins. Em abril, a expectativa de inflação para 12 meses, medida pela mediana, chegou a 5,6%, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Essa taxa, 0,1 ponto mais alta que a apurada em março, foi a maior desde outubro de 2018. A pior expectativa, de 6,4%, foi apontada pelas pessoas da faixa de renda mais baixa (até R$ 2.100 mensais).

Na faixa mais alta (acima de R$ 9.600), os consultados disseram esperar inflação de 5,2% no período de um ano.

No caso do grupo com menores ganhos, a avaliação mais sombria parece refletir a experiência de um longo período de grandes aumentos do custo da alimentação. A comida tem maior peso nos orçamentos mais modestos e a alimentação deixa pouco espaço para outras despesas.

No mercado, as projeções de aumento do IPCA em 2021 têm subido seguidamente. Na última pesquisa Focus, a mediana das expectativas atingiu 5,01%. Quatro semanas antes ainda estava em 4,81%. A inflação esperada para o ano tem estado bem acima da meta oficial deste ano (3,75%). Além disso, permanece o risco de ultrapassagem do limite superior de tolerância, de 5,25%.

A inflação tem sido impulsionada pelas cotações internacionais de produtos básicos, como soja, minério de ferro e petróleo, e também pelo dólar caro. A valorização da moeda americana em relação ao real é explicável basicamente pela insegurança dos investidores diante das tensões políticas, das incertezas quanto à pandemia e da insegurança sobre o futuro das finanças oficiais e, de modo especial, da dívida pública. As confusões sobre o Orçamento federal têm sido uma das causas mais óbvias dessa insegurança. Afetando o dólar, as trapalhadas do governo acabam mexendo nos preços e complicando o esforço de milhões para levar comida à mesa.

Alta de preços perde impulso, mas variação acumulada é grande e há muita incerteza

Desfecho patético

Folha de S. Paulo

Witzel é retirado do governo do Rio em processo de impeachment sem opositores

Processos de impeachment por natureza são conflituosos e traumáticos, fazem aflorar tensões da sociedade e põem em xeque a agenda de governo. Não se pode descrever assim, no entanto, a primeira deposição de governador desde a redemocratização do país.

Na sexta (30), Wilson Witzel (PSC) foi retirado em definitivo do comando do Rio de Janeiro —o terceiro estado mais populoso e o segundo mais rico da Federação— por 10 votos a 0 pelo Tribunal Especial Misto composto por deputados estaduais e desembargadores.

Witzel estava afastado do cargo desde agosto de 2020, quando nem havia chegado à metade do mandato, por decisão de um ministro do Superior Tribunal de Justiça referendada posteriormente pela corte. Em junho do mesmo ano, o processo de impedimento havia sido aberto com o voto de 69 dos 70 deputados da Assembleia Legislativa.

Os números e vereditos acachapantes refletem não alguma grande comoção popular, mas a morte política súbita e prematura do agora ex-governador —que chegara ao Palácio da Guanabara de modo igualmente raro e repentino.

É fato que há acusações graves contra Witzel, relacionadas a supostos desvios na Secretaria de Saúde em meio ao combate à pandemia de Covid-19. Entretanto trata-se de investigações ainda em curso, e não se conhecem evidências escandalosas de sua participação interessada no esquema.

Pesou muito mais no processo o colapso fulminante de sua sustentação parlamentar. Vencedor improvável da primeira e única eleição que disputou, o ex-magistrado devia seus votos à onda conservadora e antipolítica que marcou as eleições gerais de 2018.

Apesar das afinidades ideológicas, em particular no apoio entusiasmado à truculência policial, Witzel logo rompeu com Jair Bolsonaro —em pleno berço do bolsonarismo— e passou a alimentar suas próprias ambições presidenciais. Conseguiu um desfecho patético.

O impeachment está longe de garantir alguma ordem à caótica política do Rio de Janeiro, que conta outros cinco ex-governadores vivos que foram afastados ou presos por suspeitas e acusações de corrupção e desmandos diversos.

O governo fluminense está nas mãos de Cláudio Castro, do mesmo partido de Witzel e também alvo das investigações relativas às compras na pandemia. O estado, ademais, encontra-se em situação falimentar, embora tenha dado passo importante ao arrecadar R$ 22,7 bilhões com a privatização de serviços de saneamento.

De todo modo, a ausência de interessados em um dos blocos do leilão, que abrangia área com forte presença de milícias, dá ideia do descalabro vivido hoje no Rio.

Boiada cultural

Folha de S. Paulo

Esvaziamento de comissão facilita decisões personalistas na nova Lei Rouanet

Ficou célebre, pelo descaramento, a frase do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, sobre a oportunidade de “ir passando a boiada” da desregulação ambiental no momento em que as atenções da mídia e da sociedade voltavam-se para os efeitos funestos da pandemia. O mau exemplo de Salles parece fazer escola no governo.

É, ao menos, o que sugere a atuação federal na aplicação da Lei de Incentivo à Cultura, a antiga Rouanet. Hostilizada desde a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, a política passou por mudanças (algumas até pertinentes), mas sua execução vem se tornando cada vez mais morosa e menos transparente.

Reportagem da Folha detalha como o titular da Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula Alay Esteves, poderá centralizar a chancela de propostas de artistas e produtores consideradas aptas a obter o incentivo fiscal.

Ex-policial militar, sem qualificações para a função que ocupa, Porciúncula segue o exemplo do general Eduardo Pazuello, o ex-ministro da Saúde que se orgulhava de cumprir caninamente as ordens superiores, fossem ou não razoáveis.

Na área cultural, subordina-se ao secretário especial Mario Frias, que zela pelo cumprimento das determinações de Bolsonaro.

A mais recente medida da secretaria foi deixar no limbo a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que presta assessoria na avaliação final dos projetos.

Instituída há 30 anos, a Cnic reúne 21 membros da sociedade civil, de diversas áreas do país, com reconhecida experiência em suas áreas culturais, além de servidores públicos das entidades vinculadas ao Ministério do Turismo, como a Fundação Biblioteca Nacional, e representantes do empresariado.

Os conselheiros, que não são remunerados, oferecem opinião em tese embasada e diversificada para que a secretaria especial possa decidir sobre as milhares de propostas previamente selecionadas.

Com renovação prevista a cada dois anos, o colegiado fez sua última reunião há pouco mais de um mês, sem providências para a escolha dos novos membros.

Desativada a Cnic, aumenta o poder decisório de Porciúncula —situação mais propícia a decisões personalistas e discricionárias. São justificadas as apreensões acerca do futuro da comissão, cuja supressão facilitaria a passagem da “boiada” de um governo que não esconde a hostilidade ao setor cultural.

Trabalho em casa persistirá, mas aliado ao presencial

O Globo

Enquanto a pandemia avançava no mundo, os escritórios esvaziaram, e o trabalho em casa virou hábito. Passado mais de um ano, já é possível identificar os contornos de um novo ambiente de trabalho híbrido. Assim como a ideia de que empresas poderiam funcionar totalmente com base no trabalho remoto não se confirmou, tampouco a realidade voltará a ser como antes. Uma pandemia deixa consequências sociais profundas.

Um dos principais impactos se dará nas relações de trabalho e na vida corporativa. Pesquisa do Instituto Gallup realizada nos Estados Unidos demonstra que houve um aumento notável no engajamento e na produtividade de funcionários que começaram a trabalhar no sistema de home office.

Um dos motivos para isso, por paradoxal que pareça, é que o distanciamento físico melhorou a comunicação entre gestores e suas equipes, contribuindo para torná-los mais próximos. Na pandemia, os chefes se tornaram mais confiantes na tecnologia que deixa os subordinados se comunicarem e colaborarem de forma mais eficaz, mesmo fora do escritório. Para as empresas, os temores com a segurança de sistemas foram substituídos pela conquista de um ambiente de trabalho de trocas mais ágeis, a qualquer momento do dia. O risco aí, como demonstrou reportagem do GLOBO, é o exagero nas reuniões virtuais, condição que vem sendo chamada de “fadiga do Zoom”.

Apesar disso, países onde o vírus já foi controlado, como Nova Zelândia, comprovam que o trabalho em casa veio para ficar. Nos Estados Unidos, 5% das horas trabalhadas no início de 2020 eram em casa. No meio do ano, chegaram a 60%, com alto nível de satisfação e produtividade. No Brasil, dados da Pnad-Covid-19 mostram que, em novembro, 9,1% dos brasileiros ocupados e não afastados trabalharam de forma remota (7,3 milhões). Nos Estados Unidos, esse índice era de 40% no final do ano passado. No Reino Unido, em fevereiro eram 50%.

De acordo com a economista Cecília Machado, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV-Rio, as estatísticas do Ipea sugerem haver no Brasil um potencial para 22 a 25 milhões de pessoas trabalharem em casa. Potencial que não é realizado por fatores como falta de qualificação, equipamentos ou acesso de qualidade à internet.

Se o trabalho remoto permite ganhos de produtividade e pode melhorar a qualidade de vida, o presencial ainda traz vantagens insubstituíveis. Facilita inovações pela interação e encontros fortuitos. O home office tem ainda, diz Cecília Machado, outra desvantagem: pode agravar a desigualdade na distribuição de renda, pois o grupo dos aptos ao teletrabalho tem nível alto de instrução, com salários mais elevados. O rendimento dos 9,1% em home office no Brasil em novembro representava, segundo o Ipea, 17,4% da massa salarial, pouco mais que a folha dos servidores públicos ou da indústria.

A desigualdade não é, naturalmente, problema derivado da tecnologia, mas dos baixos padrões educacionais brasileiros. Mesmo que o fim da pandemia traga de volta as vantagens da interação ao vivo, não será possível às empresas abrir mão da produtividade do home office. Tudo indica que o trabalho em casa será mantido de alguma forma, mas conjugado com o presencial.

Reação do governo francês a carta de militares é exemplo para Brasil

O Globo

A independência da Argélia deixou sequelas profundas na França. Uma ala militar sempre considerou o general Charles de Gaulle traidor da pátria por ter cedido a soberania aos argelinos. Tal ala, que combatera os separatistas na Guerra da Argélia nos anos 1950, encetou o fracassado “putsch de Argel” contra De Gaulle em 1961. Dez anos depois, ajudou a fundar a Frente Nacional, o partido de extrema direita criado por Jean-Marie Le Pen aglutinando descontentes com o gaullismo, hoje transformado na Reunião Nacional de sua filha, Marine.

Foram militares franceses egressos da Guerra da Argélia que, ao longo dos anos 1960 e 1970, ensinaram métodos de tortura desenvolvidos e aplicados nos argelinos a seus colegas dos países latino-americanos onde os golpes deram certo e resultaram em ditaduras, entre eles o Brasil. Seis décadas depois, fantasmas daquele período continuam a assombrar a caserna francesa. No aniversário de 60 anos do “putsch de Argel”, no último dia 21 de abril, 20 generais franceses da reserva, apoiados por militares da ativa, publicaram na revista de extrema direita “Valeurs Actuelles uma carta aberta contra o que chamam de “desintegração” do país.

“Desintegração que, com o islamismo e as hordas da periferia, acarreta a separação de múltiplas parcelas da população para transformá-las em territórios submetidos a dogmas contrários à nossa Constituição”, diz a carta. Os signatários conclamam os políticos “que dirigem o país” a “erradicar esses perigos” para combater a violência. “Não é mais hora de tergiversar, senão amanhã a guerra civil porá fim a esse caos crescente, e os mortos, cuja responsabilidade recairá sobre os senhores, se contarão aos milhares.”

É tentador traçar um paralelo entre a manifestação dos militares franceses e o papel crescente que seus colegas brasileiros têm assumido na política. Lá, há uma mobilização por ocupar um espaço político maior. Aqui, o espaço já foi ocupado. Lá, o caminho para o poder passa pela extrema direita de Marine Le Pen, que aplaudiu o teor da carta da caserna. Aqui, pela de Bolsonaro.

Mas, por mais que a repercussão da carta lembre a de certos tuítes de generais brasileiros, as diferenças são mais significativas que as semelhanças. A ministra da Defesa francesa, Florence Parly, uma civil, imediatamente condenou a manifestação e prometeu punir o que lhe pareceu uma tentativa de sedição. “Solicitei ao chefe de Estado-Maior que aplique as regras previstas no estatuto dos militares, ou seja, sanções”, afirmou. O primeiro-ministro Jean Castex a secundou, qualificando a iniciativa de “contrária a todos os nossos princípios republicanos, à honra, ao dever do Exército”.

Aqui, o presidente da República fala em “meu Exército” e trocou o ministro da Defesa, um militar da reserva, por outro mais suscetível a suas sugestões de usar as Forças Armadas em benefício de seu projeto político. Toda a cúpula militar foi demitida por resistir às extravagâncias de Jair Bolsonaro. Exemplo de como as coisas funcionam numa democracia madura — e de como ainda não funcionam no Brasil.

Dívida bruta sofre queda episódica em março

Valor Econômico

Daqui para frente, o governo pouco pode fazer para segurar a trajetória do endividamento no curto prazo

Março foi um mês repleto de incertezas sobre o compromisso do governo e do Congresso com o ajuste das contas públicas. Ainda assim, paradoxalmente, a dívida bruta do governo geral, um dos principais indicadores de solvência do setor público, caiu quase um ponto percentual durante o mês. Mas não há o que comemorar. O recuo foi apenas episódico, devido a um surto arrecadatório e à contribuição embaraçosa da inflação.

A dívida bruta do governo geral caiu de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) em fevereiro para 89,1% do PIB em março, segundo dados do Banco Central. Apesar da queda, o nível de endividamento é muito alto para os padrões das economias emergentes, que costumam ter percentuais inferiores a 60% do PIB.

O superávit primário de março, em R$ 4,981 bilhões, foi um dos fatores que ajudaram a reduzir a dívida. Esse resultado, por sua vez, foi fortemente influenciado pela arrecadação de tributos, que avançou de 21,3% em relação ao mesmo mês de 2020. Também houve um represamento na execução das despesas, devido à demora na aprovação do Orçamento da União.

O secretário do Tesouro, Bruno Funchal, disse em entrevista na quinta-feira que a recuperação da economia ajudou a aumentar as receitas. Houve, ainda, uma arrecadação extraordinária de R$ 3,6 bilhões com a devolução de recursos transferidos para o pagamento do auxílio emergencial.

Estados e municípios também tiveram aumento de arrecadação, segundo o chefe do departamento de estatísticas do BC, Fernando Rocha. Uma parte desses ganhos está ligada ao ICMS, e a outra, ao aumento das transferências ordinárias da União.

Essa pequena ajuda da arrecadação, porém, não deve ser duradoura. A economia já se desacelerou a partir da segunda quinzena do mês, devido aos novos lockdowns. Sem uma política adequada para lidar com a pandemia, a recuperação cíclica não tende a se sustentar.

O governo também contou com a ajuda, em março, de um pagamento antecipado de R$ 38 bilhões de dívidas do BNDES ao Tesouro. O acordo fechado entre as partes prevê o pagamento de R$ 116 bilhões até 2022. São recursos que podem ajudar a segurar temporariamente a dívida, mas não mudam a dinâmica de crescimento.

O Banco Central também deu a sua contribuição com a venda de reservas internacionais. Essas operações tiveram um impacto estimado em R$ 46 bilhões na dívida bruta em março. Quando o BC vende reservas, retira dinheiro em circulação da economia. Ato contínuo, autoridade monetária reduz o volume de operações compromissadas, que são títulos de curtíssimo prazo que são colocados em mercado para recolher o excesso de dinheiro em circulação na economia.

Outro fator que ajudou foi o crescimento nominal do PIB. Esse fator, sozinho, responde por 0,6 ponto percentual do recuo do endividamento. O PIB nominal teve um avanço de 0,7% em março. O número é bem alto, mas, infelizmente, se deve sobretudo ao surto inflacionário e muito pouco ao crescimento real da economia. O governo - espera-se - não deve se valer do aumento da inflação para corroer sua dívida. A aceleração dos preços só tem efeitos positivos na dívida se não for antecipada pelos investidores.

Daqui para frente, o governo pouco pode fazer para segurar a trajetória de alta da dívida bruta no curto prazo, já que a nova onda da pandemia requer gastos maiores para socorrer famílias que perderam renda.

O foco deveria ser todo no ajuste fiscal de médio e longo prazos. Infelizmente, não há avanços palpáveis. A proposta de reforma administrativa foi enviada tardiamente e desidratada ao Congresso, e sua aprovação ainda é incerta. O governo perdeu a chance de criar mecanismos eficazes para disparar os gatilhos de cortes de gastos previstos na PEC Emergencial, que foi desfigurada.

A janela favorável para aprovar um ajuste significativo está se fechando. O Banco Central começou um ciclo de alta de juros que, segundo previsões do mercado, poderá levar a taxa Selic para 5,5% ao ano ao fim de 2021. Esse aperto custará R$ 105 bilhões a cada 12 meses em encargos da dívida pública. O ambiente internacional segue favorável, mas pode mudar. O mercado já discute um início do processo de redução de estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed) para o segundo semestre. Nessas condições, a paciência dos investidores com o desarranjo das contas fiscais no Brasil tende a ficar mais curta.

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