Num
cenário marcado por diversas indefinições, o Brasil perde a oportunidade de se
beneficiar com mais intensidade da atual bonança externa
Com
a disparada das commodities, o Brasil vive um choque externo positivo. No
primeiro trimestre, os preços de exportação dos produtos básicos subiram 20% em
relação ao mesmo período do ano passado, segundo números da Fundação Centro de
Estudos de Comércio Exterior (Funcex). Os termos de troca (a relação entre os
preços das vendas e das compras externas) estão nos níveis mais elevados desde
2011, o pico do chamado superciclo de commodities, que ganhou força
especialmente a partir de meados da década passada.
O país, porém, não aproveita como poderia o efeito favorável do atual quadro externo. A pandemia e as dificuldades fiscais e políticas mantêm a incerteza em nível elevado, impedindo que resultados expressivos dos setores ligados a commodities impactem ainda mais a economia, como diz o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.
Nas
estimativas da MB Agro, a renda agropecuária deve aumentar 40% neste ano, para
R$ 965 bilhões, considerando aí os segmentos de grãos, café, laranja, cana e
pecuária, beneficiados pelo alta de preços e pelo câmbio desvalorizado. O
cenário global também é positivo para outras commodities, como o minério de
ferro. O comércio exterior, nesse ambiente, vive um momento extremamente
benigno. “O aumento nos preços das commodities, a desvalorização cambial e o
crescimento da China e dos Estados Unidos são favoráveis ao Brasil”, resume a
economista Lia Valls Pereira, no Boletim Macro do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
O
agronegócio teve um peso de 26,6% no PIB no ano passado, de acordo com
estimativas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do
Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP). Nesse
conceito amplo estão incluídos, além das atividades agropecuárias, os insumos,
a agroindústria e os serviços ligados a esses segmentos.
“Aqui
nós falamos só do agronegócio, que tem uma capilaridade maior no país, mas
produtores de outras commodities, como as metálicas, petróleo e gás e celulose,
também estão se beneficiando desse movimento”, diz Vale, avaliando que 40% ou
mais do PIB brasileiro, levando em conta o peso desses outros produtos, devem
registrar forte expansão neste ano. Isso ajuda a economia, sem dúvida, mas o
efeito poderia ser bem maior, afirma Vale, que projeta crescimento de 2,6%
neste ano e de 1,8% no ano que vem. Em 2020, o PIB encolheu 4,1%, e deixou uma
herança estatística de 3,6% para este ano.
Isso
quer dizer que, se o PIB não crescer nada em relação ao fim de 2020, a economia
já teria uma expansão de 3,6%, apenas pelo efeito estatístico. Um crescimento
de 2,6% significa que o PIB vai terminar 2021 abaixo do nível do fim do ano
passado. Incertezas fiscais e políticas, por exemplo, reduzem o impacto
potencial desse movimento positivo dos produtos primários.
“Além
disso, nós estamos com dificuldades para crescer faz tempo”, diz Vale,
lembrando que, depois da recessão que atingiu o país entre o segundo trimestre
de 2014 e quarto trimestre de 2016, a retomada da economia tem sido lenta. O
país não consegue dar o impulso necessário ao investimento, fundamental para
elevar a capacidade de crescimento da economia. “Parte disso é um país que vive
em intensa turbulência há vários anos”, afirma ele, observando que, se houver
uma recessão no primeiro semestre deste ano, o país terá enfrentado três
contrações econômicas em seis anos. “Tantos choques negativos são prejudiciais
para quem quer investir”, diz Vale.
O
presidente Jair Bolsonaro é uma fonte constante de incertezas, a começar pela
condução desastrosa da política de combate à covid-19. O recrudescimento da
pandemia e o atraso na vacinação afetam o crescimento, obrigando Estados e
municípios a adotar medidas de restrição à mobilidade social. A política
ambiental do governo, por sua vez, tende a afetar o investimento estrangeiro,
num momento em que o setor privado em grande parte do mundo leva em conta
critérios de sustentabilidade mais rigorosos na hora de aplicar seus recursos.
Há
ainda dúvidas sobre a trajetória das contas públicas brasileiras, devido à
resistência do sistema político em conter o crescimento de gastos. Além disso,
Bolsonaro ataca com frequência o Supremo Tribunal Federal (STF) e os
governadores, provocando a todo momento desgastes institucionais.
Vale
vê um cenário pouco animador à frente, dado o tamanho dos desafios políticos do
Brasil. Um dos efeitos desse quadro de indefinição é a saída de várias empresas
do Brasil, avalia ele. “Seria o momento de um projeto agressivo de reformas,
mas, com este governo na reta final e enfraquecido, não há como acontecer. Os
investimentos maiores tendem a ficar em ‘stand by’, até nós sabermos para onde
vai a política em 2023.”
Uma
das exceções é o setor de infraestrutura, no qual as concessões ao setor
privado devem continuar a avançar, segundo ele. O sucesso no leilão da
Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), que arrecadou R$ 22,7 bilhões, é
um sinal disso.
“O
Brasil é o país com mais déficit de infraestrutura entre os emergentes
relevantes. Aqui nós veremos investimentos acontecerem, especialmente em saneamento,
óleo e gás e aeroportos”, diz Vale. “Mesmo com todas as dificuldades, há uma
aposta da infraestrutura atrelada às commodities. Elas são quase um seguro de
que esse investimento em infraestrutura será rentável.”
O grau elevado de incerteza vigente no país tem impedido ainda uma valorização mais forte do real. A moeda segue em nível bem mais fraco do que o indicado pela evolução dos termos de troca e da situação das contas externas, mesmo depois da apreciação observada nos últimos dias. Isso pode fazer com que o Banco Central (BC) tenha de elevar os juros mais do que seria necessário se o câmbio estivesse menos depreciado, com prováveis efeitos negativos sobre a atividade. Num cenário marcado por diversas indefinições, o Brasil perde a oportunidade de se beneficiar com mais intensidade da atual bonança externa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário