segunda-feira, 3 de maio de 2021

Sergio Lamucci - A bonança externa e a oportunidade perdida

- Valor Econômico

Num cenário marcado por diversas indefinições, o Brasil perde a oportunidade de se beneficiar com mais intensidade da atual bonança externa

Com a disparada das commodities, o Brasil vive um choque externo positivo. No primeiro trimestre, os preços de exportação dos produtos básicos subiram 20% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo números da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). Os termos de troca (a relação entre os preços das vendas e das compras externas) estão nos níveis mais elevados desde 2011, o pico do chamado superciclo de commodities, que ganhou força especialmente a partir de meados da década passada.

O país, porém, não aproveita como poderia o efeito favorável do atual quadro externo. A pandemia e as dificuldades fiscais e políticas mantêm a incerteza em nível elevado, impedindo que resultados expressivos dos setores ligados a commodities impactem ainda mais a economia, como diz o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.

Nas estimativas da MB Agro, a renda agropecuária deve aumentar 40% neste ano, para R$ 965 bilhões, considerando aí os segmentos de grãos, café, laranja, cana e pecuária, beneficiados pelo alta de preços e pelo câmbio desvalorizado. O cenário global também é positivo para outras commodities, como o minério de ferro. O comércio exterior, nesse ambiente, vive um momento extremamente benigno. “O aumento nos preços das commodities, a desvalorização cambial e o crescimento da China e dos Estados Unidos são favoráveis ao Brasil”, resume a economista Lia Valls Pereira, no Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

O agronegócio teve um peso de 26,6% no PIB no ano passado, de acordo com estimativas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP). Nesse conceito amplo estão incluídos, além das atividades agropecuárias, os insumos, a agroindústria e os serviços ligados a esses segmentos.

“Aqui nós falamos só do agronegócio, que tem uma capilaridade maior no país, mas produtores de outras commodities, como as metálicas, petróleo e gás e celulose, também estão se beneficiando desse movimento”, diz Vale, avaliando que 40% ou mais do PIB brasileiro, levando em conta o peso desses outros produtos, devem registrar forte expansão neste ano. Isso ajuda a economia, sem dúvida, mas o efeito poderia ser bem maior, afirma Vale, que projeta crescimento de 2,6% neste ano e de 1,8% no ano que vem. Em 2020, o PIB encolheu 4,1%, e deixou uma herança estatística de 3,6% para este ano.

Isso quer dizer que, se o PIB não crescer nada em relação ao fim de 2020, a economia já teria uma expansão de 3,6%, apenas pelo efeito estatístico. Um crescimento de 2,6% significa que o PIB vai terminar 2021 abaixo do nível do fim do ano passado. Incertezas fiscais e políticas, por exemplo, reduzem o impacto potencial desse movimento positivo dos produtos primários.

“Além disso, nós estamos com dificuldades para crescer faz tempo”, diz Vale, lembrando que, depois da recessão que atingiu o país entre o segundo trimestre de 2014 e quarto trimestre de 2016, a retomada da economia tem sido lenta. O país não consegue dar o impulso necessário ao investimento, fundamental para elevar a capacidade de crescimento da economia. “Parte disso é um país que vive em intensa turbulência há vários anos”, afirma ele, observando que, se houver uma recessão no primeiro semestre deste ano, o país terá enfrentado três contrações econômicas em seis anos. “Tantos choques negativos são prejudiciais para quem quer investir”, diz Vale.

O presidente Jair Bolsonaro é uma fonte constante de incertezas, a começar pela condução desastrosa da política de combate à covid-19. O recrudescimento da pandemia e o atraso na vacinação afetam o crescimento, obrigando Estados e municípios a adotar medidas de restrição à mobilidade social. A política ambiental do governo, por sua vez, tende a afetar o investimento estrangeiro, num momento em que o setor privado em grande parte do mundo leva em conta critérios de sustentabilidade mais rigorosos na hora de aplicar seus recursos.

Há ainda dúvidas sobre a trajetória das contas públicas brasileiras, devido à resistência do sistema político em conter o crescimento de gastos. Além disso, Bolsonaro ataca com frequência o Supremo Tribunal Federal (STF) e os governadores, provocando a todo momento desgastes institucionais.

Vale vê um cenário pouco animador à frente, dado o tamanho dos desafios políticos do Brasil. Um dos efeitos desse quadro de indefinição é a saída de várias empresas do Brasil, avalia ele. “Seria o momento de um projeto agressivo de reformas, mas, com este governo na reta final e enfraquecido, não há como acontecer. Os investimentos maiores tendem a ficar em ‘stand by’, até nós sabermos para onde vai a política em 2023.”

Uma das exceções é o setor de infraestrutura, no qual as concessões ao setor privado devem continuar a avançar, segundo ele. O sucesso no leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), que arrecadou R$ 22,7 bilhões, é um sinal disso.

“O Brasil é o país com mais déficit de infraestrutura entre os emergentes relevantes. Aqui nós veremos investimentos acontecerem, especialmente em saneamento, óleo e gás e aeroportos”, diz Vale. “Mesmo com todas as dificuldades, há uma aposta da infraestrutura atrelada às commodities. Elas são quase um seguro de que esse investimento em infraestrutura será rentável.”

O grau elevado de incerteza vigente no país tem impedido ainda uma valorização mais forte do real. A moeda segue em nível bem mais fraco do que o indicado pela evolução dos termos de troca e da situação das contas externas, mesmo depois da apreciação observada nos últimos dias. Isso pode fazer com que o Banco Central (BC) tenha de elevar os juros mais do que seria necessário se o câmbio estivesse menos depreciado, com prováveis efeitos negativos sobre a atividade. Num cenário marcado por diversas indefinições, o Brasil perde a oportunidade de se beneficiar com mais intensidade da atual bonança externa.

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