Com
CPI da covid, velhas raposas voltam a dar as cartas
No
ciclo de 2013 a 2018, as estruturas da política brasileira foram sacudidas por
três fenômenos consecutivos e de certa forma inter-relacionados. Os movimentos
sísmicos começaram com as manifestações de junho de 2013 e a ascensão do
discurso do “não me representam”. Na sequência, muitas lideranças partidárias
desabaram diante do terremoto que foi a Operação Lava-Jato. Por fim, nas
eleições de 2018, o bolsonarismo chegou como um tsunami, derrubando quase tudo
o que restou da velha ordem da Nova República.
Por
condenações judiciais ou derrotas impostas pelos eleitores, a lista das vítimas
é imensa. Para ficar apenas nos nomes mais significativos que tiveram suas
carreiras interrompidas nesse processo estão os petistas Dilma Rousseff,
Antonio Palocci, Fernando Pimentel, Jorge Viana e Delcídio do Amaral. Entre os
tucanos, não conseguiram ser eleitos ou perderam seus cargos Geraldo Alckmin,
Marconi Perillo e Beto Richa.
No
MDB tombaram Romero Jucá, Eduardo Cunha, Eunício Oliveira, Garibaldi Alves,
Valdir Raupp, Edison Lobão e Geddel Vieira Lima. Entre os membros do DEM, foram
abatidos José Agripino, Heráclito Fortes e José Carlos Aleluia. No Centrão
caíram ainda Valdemar da Costa Neto e Alfredo Nascimento (PL), além de Roberto
Jefferson (PTB), entre muitos outros “peixes pequenos”.
Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República, portanto, com um Congresso em terra arrasada. Além da diminuição no número de políticos experientes, o índice de “senioridade” na atual legislatura caiu (nas minhas contas, 82 deputados eleitos nunca haviam disputado uma eleição sequer na vida) e o grau de pulverização elevou-se - PT e PSL, os dois partidos com maior representatividade no plenário da Câmara, possuem pouco mais de 10% das cadeiras.
Esse
cenário era perfeito para Bolsonaro nadar de braçada, pois além de não contar
com um exército de parlamentares tarimbados na oposição, boa parte dos novos e
antigos congressistas comungava de suas visões sobre a sociedade e a economia -
afinal, o atual presidente moldou-se no mesmo barro que constitui o Centrão.
Bolsonaro,
porém, abriu mão de liderar, seja por falta de agenda ou de cabeças coroadas na
sua equipe (seu ministro com maior rodagem, Onyx Lorenzoni, nunca havia ocupado
um cargo na Mesa Diretora da Câmara). Antes de seu governo ser engolido pela
pandemia, a única entrega significativa foi a Reforma da Previdência - e ainda
assim tendo contado com um belo empurrão da administração Temer. Fora isso,
poucas propostas legislativas compensadas por muitos decretos tentavam
contornar a falta de uma base governista.
Em
nossa história recente, é alta a probabilidade de presidentes fracos no
Congresso terem em algum momento que enfrentar um processo de impeachment ou
uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que seja capaz, senão de matá-lo,
pelo menos de fazê-lo sangrar por alguns meses.
O
capitão parece não ter aprendido nada em seus sete mandatos como deputado
federal. Quando acordou para o fato de que, para governar, é preciso fazer alianças,
já era tarde demais. O ideal seria evitar a criação da CPI; não conseguindo
contorná-la, poderia ter manobrado para que ela fosse mista, contando com a
ajuda de Arthur Lira pelo lado da Câmara; restrita ao Senado, com algum jogo de
cintura daria para ter a maioria dos membros. Perdeu em todas.
A
CPI da covid dará trabalho a Bolsonaro não apenas por estar em minoria. Pior do
que contar com um apoio restrito é ver emergirem forças que desde o início do
mandato vagavam à procura de uma oportunidade para retomar o protagonismo que
detiveram no passado.
A
composição da CPI é mais um sinal do movimento de refluxo na política
brasileira, já captado no resultado das urnas em 2020. Entre seus titulares e
suplentes estão alguns dos sobreviventes da sucessão de ondas destruidoras das
jornadas de 2013, da Lava-Jato e do bolsonarismo.
Em
2018, quando a avalanche soterrou boa parte dos figurões que deram as cartas
nas últimas décadas, poucos foram poupados. Cada um a seu modo, Renan Calheiros
(MDB-AL), Jader Barbalho (MDB-PA), Eduardo Braga (MDB-AM), Humberto Costa
(PT-PE) e Ciro Nogueira (PP-PI) foram importantes lideranças durante as
presidências do PSDB e PT que escaparam tanto dos processos criminais quanto da
sede de renovação do eleitor.
A
eles se juntam Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Otto Alencar (PSD-BA), que por
terem sido eleitos em 2014 (o mandato de senador é de oito anos), não foram
colocados à prova no mesmo pleito que elegeu Bolsonaro.
Com
o couro curtido por décadas de embates em CPIs - atuando ora como investigados,
ora como inquisidores -, esse grupo de parlamentares ditará, para um lado ou
para o outro, o ritmo da devassa sobre a responsabilidade do chefe do Poder
Executivo sobre as mais de 400 mil mortes causadas pela pandemia até agora.
A
volta dos que não foram coloca em jogo muito mais do que o destino do atual
presidente. Cada um desses membros da velha guarda tem objetivos próprios ou
coletivos bastante concretos e usarão a CPI para torná-los mais próximos de
serem alcançados.
Jereissati
e Alencar buscarão em 2022 a reeleição ou tentarão alçar outros voos. As
sessões da comissão, portanto, serão um palanque de luxo que será explorado à
exaustão visando ampliar seu capital eleitoral.
Os
demais, tendo à frente Renan Calheiros como relator e Ciro Nogueira como
principal representante governista, tentarão fazer da CPI a base para a
reconstrução da ordem política, da qual almejam ser protagonistas dependendo de
quem vier a ocupar o Palácio do Planalto em 2023.
Bolsonaro
errou muito desde o seu governo, mas já percebeu que não pode ficar refém das
velhas raposas que tentarão acuá-lo a partir desta semana, com o início dos
depoimentos. Para isso vai buscar se blindar com o apoio popular, como
demonstraram as manifestações desse último final de semana.
Os
próximos capítulos prometem.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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