sexta-feira, 25 de junho de 2021

Vera Magalhães - CPI em dia de Duda Mendonça

O Globo

A CPI da Covid tem tudo para viver nesta sexta-feira seu “dia de Duda Mendonça”. Essa é a forma como jornalistas e políticos se referem a depoimentos altamente aguardados desde que, em 11 de agosto de 2005, o ex-marqueteiro de Lula incendiou a lona do circo ao contar, na CPI dos Correios, tudo a respeito dos pagamentos em caixa dois que recebera no exterior, com intermediação de Marcos Valério.

Depõem no Senado, num dia inusual de trabalho parlamentar, os irmãos e homônimos Luis & Luis Miranda, respectivamente servidor do Ministério da Saúde e deputado federal bolsonarista de quatro costados.

À diferença do depoimento de Duda, que parou o país pelo ineditismo das revelações e por ser inesperado, agora os irmãos Miranda já anteciparam para o Ministério Público e para a imprensa boa parte do conteúdo de suas revelações sobre a compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, pelo preço de R$ 1,6 bilhão, com a intermediação suspeita de uma empresa brasileira, a Precisa.

Mas as semelhanças são muitas: tanto quanto o marqueteiro de Lula, os dois irmãos implicam diretamente o presidente da República. Assim como Duda, Luis Miranda, o deputado, é um aliado insuspeito de Jair Bolsonaro.

Sua participação no caso, aliás, guarda paralelos com a de outro pivô do mensalão, o ex-collorido, ex-lulista e atual bolsonarista Roberto Jefferson, que implodiu o esquema quando se viu pilhado em seu esquema de corrupção nos Correios.

No caso dele, as motivações estavam claras e nunca foram nobres. Falta à CPI da Covid entender como um deputado bastante enrolado em denúncias antigas, até nos Estados Unidos, surge como alguém preocupado em alertar o governo sobre um contrato suspeito. Só senso de dever para com o irmão não parece dar conta da história por completo.

A CPI não está disposta a servir de palco para que o parlamentar tente posar de paladino da ética. Dele espera extrair apenas a cronologia e as provas das circunstâncias em que Bolsonaro foi avisado das potenciais irregularidades envolvendo um contrato bilionário, em que se envolveu diretamente e nada fez.

Mais auspicioso é considerado o depoimento do irmão. Servidor concursado do Ministério da Saúde desde 2011, Luis tem acesso aos documentos que comprovam as inconsistências no contrato e guarda o acervo de mensagens de várias naturezas que atestam a pressão política a que foi submetido por seus superiores na pasta, emissários da empresa intermediária do contrato e sabe-se lá mais quem.

Bolsonaro será pessoalmente exposto na CPI como não foi até aqui. O amadorismo com que ele e seu exército truculento do Planalto lidaram com uma situação de tamanho potencial explosivo é típico de governos sem conexão com a realidade e sem senso de consequência. Onyx Lorenzoni, que hibernava em algum dos vários gabinetes onde Bolsonaro já o realojou desde o início do mandato, ressurgiu em tom grave e ameaçador, típico de vilão de filme B, para acusar um servidor público de falsificar um documento, algo que, se Luis comprovar perante a CPI que é mentira, porá o ministro no rol dos indiciados da comissão.

Além disso, a clara ameaça de Onyx ao servidor e ao irmão deputado, que, aliás, é de seu partido, pode fazer que a CPI determine medidas mais duras contra ele. Elas eram discutidas nos bastidores nesta quinta-feira.

Tudo indica que o arremedo de explicação fornecido pela dupla Onyx e coronel Elcio Franco agravará muito a situação do governo na CPI.

O caso Covaxin em poucos dias desbancou a novela da Pfizer como eixo central do relatório final da comissão. Assim como a investigação do mensalão foi dividida em antes de Duda e depois de Duda, o caso da vacina indiana veio para comprovar a máxima segundo a qual o desfecho de uma CPI é sempre imprevisível.

 

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