O Globo
A CPI da Covid tem tudo para viver nesta
sexta-feira seu “dia de Duda Mendonça”. Essa é a forma como jornalistas e políticos
se referem a depoimentos altamente aguardados desde que, em 11 de agosto de
2005, o ex-marqueteiro de Lula incendiou a lona do circo ao contar, na CPI dos
Correios, tudo a respeito dos pagamentos em caixa dois que recebera no
exterior, com intermediação de Marcos Valério.
Depõem no Senado, num dia inusual de
trabalho parlamentar, os irmãos e homônimos Luis & Luis Miranda,
respectivamente servidor do Ministério da Saúde e deputado federal bolsonarista
de quatro costados.
À diferença do depoimento de Duda, que
parou o país pelo ineditismo das revelações e por ser inesperado, agora os
irmãos Miranda já anteciparam para o Ministério Público e para a imprensa boa
parte do conteúdo de suas revelações sobre a compra de 20 milhões de doses da
vacina indiana Covaxin, pelo preço de R$ 1,6 bilhão, com a intermediação
suspeita de uma empresa brasileira, a Precisa.
Mas as semelhanças são muitas: tanto quanto o marqueteiro de Lula, os dois irmãos implicam diretamente o presidente da República. Assim como Duda, Luis Miranda, o deputado, é um aliado insuspeito de Jair Bolsonaro.
Sua participação no caso, aliás, guarda
paralelos com a de outro pivô do mensalão, o ex-collorido, ex-lulista e atual
bolsonarista Roberto Jefferson, que implodiu o esquema quando se viu pilhado em
seu esquema de corrupção nos Correios.
No caso dele, as motivações estavam claras
e nunca foram nobres. Falta à CPI da Covid entender como um deputado bastante
enrolado em denúncias antigas, até nos Estados Unidos, surge como alguém
preocupado em alertar o governo sobre um contrato suspeito. Só senso de dever
para com o irmão não parece dar conta da história por completo.
A CPI não está disposta a servir de palco
para que o parlamentar tente posar de paladino da ética. Dele espera extrair
apenas a cronologia e as provas das circunstâncias em que Bolsonaro foi avisado
das potenciais irregularidades envolvendo um contrato bilionário, em que se
envolveu diretamente e nada fez.
Mais auspicioso é considerado o depoimento
do irmão. Servidor concursado do Ministério da Saúde desde 2011, Luis tem
acesso aos documentos que comprovam as inconsistências no contrato e guarda o
acervo de mensagens de várias naturezas que atestam a pressão política a que
foi submetido por seus superiores na pasta, emissários da empresa intermediária
do contrato e sabe-se lá mais quem.
Bolsonaro será pessoalmente exposto na CPI
como não foi até aqui. O amadorismo com que ele e seu exército truculento do
Planalto lidaram com uma situação de tamanho potencial explosivo é típico de
governos sem conexão com a realidade e sem senso de consequência. Onyx
Lorenzoni, que hibernava em algum dos vários gabinetes onde Bolsonaro já o
realojou desde o início do mandato, ressurgiu em tom grave e ameaçador, típico
de vilão de filme B, para acusar um servidor público de falsificar um
documento, algo que, se Luis comprovar perante a CPI que é mentira, porá o
ministro no rol dos indiciados da comissão.
Além disso, a clara ameaça de Onyx ao
servidor e ao irmão deputado, que, aliás, é de seu partido, pode fazer que a
CPI determine medidas mais duras contra ele. Elas eram discutidas nos
bastidores nesta quinta-feira.
Tudo indica que o arremedo de explicação
fornecido pela dupla Onyx e coronel Elcio Franco agravará muito a situação do
governo na CPI.
O caso Covaxin em poucos dias desbancou a
novela da Pfizer como eixo central do relatório final da comissão. Assim como a
investigação do mensalão foi dividida em antes de Duda e depois de Duda, o caso
da vacina indiana veio para comprovar a máxima segundo a qual o desfecho de uma
CPI é sempre imprevisível.
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