Revista Veja
No desmonte da democracia, Jair Bolsonaro não para
Com as denúncias em torno da vacina
Covaxin, Jair Bolsonaro enfrenta sua maior crise até agora. Em um país normal,
sua queda seria certa, mas o Brasil não é um país normal, a queda já foi
considerada certa antes e ele sobreviveu. O que acontece se sobreviver a mais
esta crise?
Jair Bolsonaro não é apenas um radical, é
um antidemocrata, acredita não apenas que as pessoas não são iguais, mas que os
inferiores (mulheres, homossexuais, negros, pobres, índios) devem se submeter.
Com a exceção das mulheres, que teriam a função de satisfazer sexualmente o
homem e de procriar, melhor seria que desaparecessem.
Não diz isso com clareza, porque perderia voto, mas já deu incontáveis declarações mostrando que despreza e odeia minorias e, no poder, passou a atacá-las. A Fundação Palmares persegue a cultura negra. A Funai não defende índios, o Ibama e o ICMBio acobertam desmatadores, grileiros e garimpeiros em terras indígenas. Bolsonaro liberou armas para milícias e as encoraja a matar pretos e pobres nas favelas.
Bolsonaro vê quem pensa diferente como um
inimigo a ser destruído: não há dinheiro para a cultura ou a ciência, o Inpe
foi amordaçado, o IBGE foi asfixiado, as universidades estão para fechar, a
perseguição à imprensa é permanente, assim como a demonização da esquerda e dos
liberais. Até aliados, se não se submetem, são tratados como traidores e
descartados.
“Se o presidente for reeleito em 2022, o
Brasil se tornará uma nova Venezuela em poucos anos”
No desmonte da democracia, Bolsonaro não
para. O advogado-geral da União, cooptado com a promessa de uma vaga no STF,
quer julgar civis em tribunais militares. A reforma administrativa pretende
criar 84 000 cargos de livre
nomeação, um exército de cabos
eleitorais bolsonaristas. A Polícia Federal persegue
os delegados independentes e reúne indícios de araque para dar respeitabilidade
à tese fictícia da fraude eleitoral, pretexto para melar a eleição do ano que
vem. Uma investida nova todo dia.
Cooptado por verbas escusas, o Congresso
não aprova o impeachment; o procurador-geral da República, cooptado por
recondução ao cargo e futura vaga no STF, não denuncia o presidente. Só o TCU,
o STF e a imprensa ainda funcionam, mas com dificuldades.
Só não vê o que está acontecendo no Brasil
quem é cúmplice.
Se Bolsonaro, com a ajuda cúmplice de
Arthur Lira, do Centrão e de Augusto Aras, sobreviver ao escândalo da Covaxin,
poderá sair mais forte do que estava antes. Com a fragmentação do centro e a
rejeição a Lula, não é impossível que seja reeleito no ano que vem. Se
Bolsonaro for reeleito em 2022, o Brasil se tornará uma nova Venezuela em
poucos anos. No Brasil de BolsoChávez, não haverá deputados, nem senadores, nem
procuradores-gerais, nem ministros do Supremo. Mas haverá cadeia para muita
gente.
É hora de a Câmara sair de seu torpor,
recuperar o espírito de Ulysses Guimarães e cumprir com seu dever de votar o
impeachment. É hora de o procurador-geral da República sair de seu sono
letárgico, salvar o que resta de sua reputação e cumprir seu dever de denunciar
o presidente ao Supremo Tribunal Federal.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744
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