Valor Econômico
Europa quer dar o tom da descarbonização
Em Veneza, cidade-monumento ameaçada de ser
tragada pela progressiva elevação nos níveis do mar, em consequência do
aquecimento do planeta, os ministros de finanças das maiores economias
desenvolvidas e emergentes, que formam o G20, falaram - e muito mesmo - de
mudança climática e taxação.
Pela primeira vez na história desse grupo
central na governança econômica global, os ministros mencionaram em comunicado
final, no sábado, o preço do carbono como um instrumento possível na luta
contra a mudança climática e perda de biodiversidade e para proteção do
meio-ambiente.
Aplicar um preço nas emissões de CO2 é
considerado por especialistas como um dos mecanismos fortes para fazer os
poluidores pagarem pelos estragos que causam, e incitar produtores e
consumidores a mudar de comportamento. À medida em que o preço do carbono
aumenta, as tecnologias verdes serão mais e mais utilizadas.
Uma drástica redução das emissões de gases de efeito estufa requer preço do carbono de pelo menos US$ 75 por tonelada - e o preço médio, onde isso existe, é de US$ 3 hoje, segundo dados apresentados em evento do G20.
A Europa quer dar o tom rumo à
descarbonização da economia, com cuidado para manter proteção de sua indústria.
O comissário de Economia da UE, Paolo Gentiloni, confirmou aos parceiros que a
UE vai apresentar quarta-feira o “Fit for 55’’, plano para reduzir
drasticamente as emissões de carbono em 55% até 2030 (comparado a 1990) e
alcançar a neutralidade carbono em 2050. A partir daí, o bloco europeu não
deverá jogar na atmosfera mais gás de efeito estufa do que reservas naturais e
artificiais são capazes de absorver.
Para Gentiloni, “tributação verde é agora
ou nunca, é uma chance de ir adiante’’. O “grande pacote’’ terá três elementos
principais: a extensão do sistema de quotas de emissões de CO2 a novos setores,
como transporte marítimo; a revisão da diretiva de tributação de energia, que
tem 20 anos e paradoxalmente incentiva os combustíveis fosseis; e um mecanismo
de ajuste de carbono na fronteira (CBAM, na versão em inglês), que é a taxa
carbono. Isso tudo aponta para maior preço do carbono no mercado europeu.
A Europa pretende introduzir a taxa carbono
em 2023, para limitar ao máximo as emissões de produtos como aço, cimento ou
fertilizante fabricados em condições ambientais não satisfatórias. Vários
países suspeitam de protecionismo europeu. E os europeus dizem que o comércio
será cada vez mais subordinado às regras climáticas, e não o contrário.
Gentiloni justificou a taxa carbono para frear o risco de “carbon leakage”,
pela qual companhias deslocam fábricas para países onde os custos de poluir são
menores. E reiterou que não será criada discriminação contra o produto
estrangeiro, porque “vamos colocar o mesmo preço para produção doméstica e para
produtos importados’’.
A ministra de finanças do Canadá, Chrystia
Freeland, quer trabalhar com os europeus sobre a taxa carbono. O Canadá, que
tem ambições verdes, é o terceiro maior exportador mundial de petróleo, e tem
agora um preço de carbono nacional, de US$ 40 a tonelada atualmente, passando a
US$ 50 em 2022 e pulando a US$ 170/t em 2030.
Mas a ministra lembrou seu ditado favorito,
de que ‘’nenhuma boa ação fica impune’’ (no good deed goes unpunished). Os
canadenses constataram que adoção de preço do carbono não seria tão cedo
compartilhada por parceiros comerciais. E as preocupações canadenses com
“carbon leakage’’ são muito reais “e estão se tornando domesticamente mais e
mais intensas’’. A ministra apontou risco de reações negativas nas agendas
ambientais com sistemas que “existem em um vácuo em nível nacional’’.
Se o custo de carbono não é universal, isso
ameaça penalizar no curto prazo zonas econômicas que acrescentaram o preço de
CO2 a seu custo de produção e que tem efeito sobre consumidores, especialmente
os mais vulneráveis.
Nesse contexto, o ministro de finanças da
França, Bruno Le Maire, propôs a criação de um piso global do preço do carbono.
“Todos sabemos as dificuldades políticas de ter o mesmo preço global do carbono
em todo o mundo, então vamos esquecer isso por enquanto, porque não podemos
alcançar esse objetivo’’, argumentou. Ter um piso global seria um bom ponto de
partida para os países do G20 acelerarem a transição para “uma completa revisão
de nossos modelos econômicos’’. A proposta foi recebida sem entusiasmo.
Os EUA voltaram à discussão sobre clima.
Mas taxa carbono não tem apoio da base democrata. O argumento é de que pesaria
demais sobre os pobres e minorias raciais. Em Veneza, a secretária do Tesouro,
Janet Yellen, defendeu que há diferentes caminhos para os países alcançarem a
descarbonização, bem além de sistemas de preço explícito do carbono. Ela
martelou que “qualquer sistema de ajuste de carbono nas fronteiras se concentre
no grau em que as políticas climáticas de um país reduzem as emissões e,
portanto, o conteúdo de carbono, em vez de se concentrar apenas no preço
explícito do carbono’’.
Para os EUA, é importante que sejam
reconhecidas medidas que os países estão tomando para enfrentar a mudança
climática e se evitar políticas para enfrentar carbon leakage “que,
inadvertidamente, criam novos riscos e repercussões internacionais’’. Segundo
Yellen, Washington examina uma série de políticas para reduzir as emissões que
poderiam proporcionar um ponto de comparação útil com os preços do carbono de
outros países.
Maior emissor mundial de gases de efeito
estufa, a China teve participação virtual, e discreta, no G20, mas avisou que
trabalha na descarbonização de sua economia.
Há preços e regimes de carbono altamente
fragmentados. Mas tributação pode ajudar. Os países no G20 parecem propensos a
se apoiar num mix de instrumentos para reduzir emissões em diferentes
velocidades. O potencial de fricções é forte, envolvendo competitividade e como
e quais países deverão suportar o maior peso para tratar da questão climática,
que exige mudanças profundas nas economias.
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