EDITORIAIS
Muito mais do que apenas desgoverno
O Estado de S. Paulo
A CPI da Pandemia convidou um grupo de
juristas para estudar quais crimes podem ser imputados ao presidente Jair
Bolsonaro por suas ações e omissões na condução do País durante a emergência
sanitária. A rigor, o principal trabalho deste grupo de notáveis será dar um
enquadramento jurídico-penal ao sobejamente conhecido comportamento de
Bolsonaro como chefe de Estado e de governo no curso da maior tragédia que se
abateu sobre a Nação em mais de um século.
É evidente que o Brasil não seria o único
país do mundo a ser poupado dos efeitos devastadores de uma pandemia como a que
ora aflige todos, mas tampouco mais de meio milhão de mortos representam o que
seria o “curso natural” da peste entre nós. Houve esforços para que se chegasse
a este funesto resultado.
“Precisamos de uma avaliação jurídica mais
aprofundada sobre o enquadramento típico da conduta do presidente da
República”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do
requerimento de formação do grupo. “Até tenho minha opinião sobre os tipos
legais que se aplicam, mas é oportuno buscar um respaldo maior.”
O grupo de juristas, coordenado por Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça e professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), é composto pelos advogados Helena Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich, além da juíza Sylvia Steiner, que integrou o Tribunal Penal Internacional. Os advogados Salo de Carvalho e Davi Tangerino deixaram o grupo por “conflito de interesses”.
Há que esperar a conclusão do trabalho do
grupo, mas Reale Júnior vê como inescapável considerar no relatório final o
“conjunto da obra negacionista” de Bolsonaro, o que poderá lhe valer tanto a
imputação de crimes comuns como os de responsabilidade.
A natureza do trabalho do grupo não é
essencialmente diferente do escopo da própria CPI. Os senadores estão menos
atarefados em desvendar o descalabro que é a administração federal da crise do
que em sistematizar a miríade de condutas irresponsáveis – muitas delas, de
fato, potencialmente criminosas – cometidas pelo presidente da República e seus
auxiliares à luz do dia, reiteradamente, há 1 ano e 4 meses.
Já é conhecida, por exemplo, a deliberada
recusa do governo em firmar contratos para aquisição de vacinas. Igualmente, é
sabido que Bolsonaro age como o principal garoto-propaganda de medicamentos que
não só são ineficazes contra a covid-19, como podem causar terríveis efeitos
colaterais, e até a morte, quando usados fora de suas indicações terapêuticas.
Também é de conhecimento público a ofensiva de Bolsonaro, inclusive acionando o
Supremo Tribunal Federal (STF), para barrar quaisquer iniciativas de
governadores e prefeitos para conter o avanço do vírus em seus Estados e
municípios. Bolsonaro também não perde oportunidade de desinformar a população,
expondo-a a perigo, e de sabotar medidas de proteção individual e coletiva
preconizadas pela comunidade científica. Tudo isto certamente há de configurar
muito mais do que apenas desgoverno, o que por si só já seria o bastante para
reservar a Jair Messias Bolsonaro o lugar mais escuro do porão da História
nacional.
Os juristas já começaram a analisar
documentos, declarações, leis, atos normativos e administrativos emitidos pelo
governo federal durante a pandemia. Ao final do trabalho, o grupo entregará o
parecer que subsidiará o relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL).
À Nação é devida a responsabilização de
todos os que transformaram o que seria uma grave crise sanitária no maior
morticínio já visto por muitas gerações. O trabalho da CPI é apenas uma etapa
neste processo, a investigação. Mas fundamentais também são os papéis do
Ministério Público e do Poder Judiciário para denunciar, processar e julgar
quem quer que tenha agido contra a saúde e a vida dos brasileiros. Não há lugar
para omissões.
Políticas agrícolas ruins e perversas
O Estado de S. Paulo
Preços subsidiados, com restrições alfandegárias, impactam a segurança alimentar global
Os sistemas alimentares globais enfrentam o
triplo desafio de garantir segurança alimentar e nutrição para uma população em
crescimento; renda para centenas de milhões de pessoas envolvidas na cadeia
alimentar; e uma produtividade sustentável. Mas, segundo a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as políticas agrícolas não
enfrentam esses desafios – ao contrário, agravam-nos.
Conforme o relatório de Avaliação das Políticas Agrícolas, os subsídios
têm crescido em todo o mundo. Em 2018-20, as 54 economias avaliadas forneceram
em média US$ 720 bilhões anuais em subsídios para a agropecuária. Desse total,
1/3 foi pago pelos consumidores, na forma de subsídios aos preços de mercado. O
resto recaiu sobre os contribuintes, na forma de transferências orçamentárias.
Três quartos do total (US$ 540 bilhões)
foram dirigidos a produtores individuais. Desse montante, 60% foram fornecidos
pelos instrumentos mais distorcivos: subsídios aos preços de mercado e
pagamentos diretos. Como boa parte é capitalizada no valor das terras ou se
perde em preços mais altos de insumos, eles são instrumentos ineficazes de
transferência de renda. Além disso, são iníquos, por beneficiarem
majoritariamente os grandes produtores, em vez dos de baixa renda. Por fim, são
ambientalmente deletérios, por incentivarem uma produção desvinculada de metas
ambientais.
Preços subsidiados, associados a restrições
alfandegárias, impactam a segurança alimentar global, ao prejudicar a alocação
eficaz de recursos domésticos, debilitar a oferta de alimentos das regiões
superavitárias para as deficitárias e contribuir para a volatilidade dos
preços.
Das transferências orçamentárias, apenas 6%
foram gastas em sistemas de inovação, 2% em biossegurança e 9% em
infraestrutura. “Apenas 1 em 6 dólares do apoio orçamentário global é gasto de
modo a promover o crescimento sustentável da produtividade e a resiliência
agrícola”, disse a diretora da OCDE para o Comércio e Agricultura, Marion
Jansen.
Nesse cenário, a posição do Brasil é
exemplar. Os subsídios e proteções ao setor agrícola são baixos. Os preços
domésticos estão alinhados aos mercados globais. Em 20 anos, os subsídios
caíram de 7,6% para 1,5% das receitas agrícolas brutas. Em sua maioria, eles
são concedidos na forma de crédito para compra de insumos ou contratação de
seguros, e desde 2008 estão condicionados a indicadores ambientais e boas
práticas agrícolas. Do total de subsídios, a parcela daqueles distorcivos caiu,
em 20 anos, de 66% para 21%. Os subsídios a serviços gerais cresceram, e hoje
representam quase 40% do total, dos quais 90% beneficiam a pesquisa e
desenvolvimento.
A OCDE sugere aprimoramentos, como
regulações mais simplificadas para a concessão de crédito e ainda mais focadas
na modernização da produtividade e da sustentabilidade; aprimoramento dos
sistemas de avaliação dos subsídios; e melhorias nos sistemas de saúde e
bem-estar dos animais e de rastreabilidade dos impactos ambientais por parte
dos fornecedores – o que, inclusive, facilitará o acesso a novos mercados e a
conclusão de acordos como o Mercosul-União Europeia.
Os subsídios globais, em resumo, são
majoritariamente ruins – porque ineficazes – e perversos – porque distorcem os
mercados em prejuízo dos consumidores, contribuintes e produtores competitivos
–, além de serem danosos ao meio ambiente. A OCDE enfatiza três reformas para
reverter esse quadro: reduzir gradualmente os subsídios distorcivos; focar em
subsídios que beneficiem famílias mais vulneráveis, eventualmente
incorporando-os a políticas sociais e redes de proteção; e reorientar os gastos
públicos para investimentos em bens públicos, especialmente sistemas de
inovação.
O Brasil já abraçou essa agenda, resultando
em uma agropecuária das mais competitivas, inovadoras e sustentáveis do mundo.
Aprimoramentos domésticos podem e devem ser feitos. Mas ainda mais importante é
atuar nos fóruns multilaterais para construir um sistema alimentar global mais
justo e eficiente.
Consumo de novo em marcha
O Estado de S. Paulo
O varejo se recupera, enquanto a indústria continua mostrando pouco dinamismo
Com mais lojas abertas e o consumidor menos recluso, as vendas do
comércio varejista ganharam impulso e cresceram por dois meses consecutivos:
4,9% em abril e 1,4% em maio. Em março, haviam despencado 3%, depois
de um desempenho oscilante e inseguro nos quatro meses anteriores. Com o último
resultado, o volume de vendas superou por 3,9% o patamar pré-pandemia, mas
ficou 1,3% abaixo do recorde alcançado em outubro. O varejo saiu do buraco onde
havia afundado no começo da crise de saúde. Os números podem ser mais
impressionantes quando a base de comparação é o pior período, com aumento de
16% em relação ao dado de maio de 2020 e de 6,8% na comparação dos números de
janeiro-maio deste ano e do ano passado.
O balanço continua positivo quando se
acrescentam dois segmentos, o de veículos e componentes e o de materiais de
construção. Nesse conjunto maior, conhecido como varejo ampliado, o volume
vendido em maio foi 3,8% maior que o de abril e 26,2% superior ao
comercializado um ano antes. Mas, apesar desses números favoráveis, talvez seja
cedo para seguir o ministro da Economia, Paulo Guedes, em seu entusiasmo.
Segundo ele, o Brasil surpreende o mundo e a economia “bombou” mesmo quando o
auxílio emergencial ficou suspenso.
O ministro parece haver esquecido os 14,8
milhões de desempregados, 14,7% da força de trabalho, no trimestre
fevereiro-abril, quando a atividade segundo ele, estava bombando. Além disso,
parece haver menosprezado o desempenho da indústria, ainda muito fraco. O
aumento da produção industrial em maio (1,4% sobre o volume de abril) ocorreu
depois de três meses de queda. Com esse resultado, o setor voltou ao nível
pré-pandemia, mas continuou 16,7% abaixo do pico atingido em maio de 2011.
A indústria já andava mal, em 2019, no
início do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Continuou piorando até chegar a
pandemia, afundou mais em 2020 e afinal voltou à superfície. Mas nada se fez em
Brasília, nos últimos dois anos e meio, para reverter, ou pelo menos deter, a
desindustrialização do País.
Falar em economia bombando, mesmo diante da
recuperação do varejo, fica estranho quando se observam os números da indústria
de transformação. Em maio, as vendas de veículos, motos, partes e peças foram 1% maiores
que as de abril. No período janeiro-maio foram 26,3% superiores
às de um ano antes. Mas o setor continua abaixo dos níveis pré-pandemia. Neste
ano, até junho, as montadoras produziram 1,148 milhão de veículos, 57,5% mais
que no primeiro semestre de 2020. Segundo a direção da Anfavea, a associação
nacional das fabricantes, o setor deixou de produzir entre 100 mil e 120 mil
unidades por causa da escassez de semicondutores.
Com mais 120 mil, no entanto, a produção
teria chegado a 1,268 milhão, número inferior ao de janeiro a junho de 2018,
quando o total chegou a 1,435 milhão. Em 2019, antes da pandemia, foram
montados 1,214 milhão de veículos na primeira metade do ano.
Nesse período de 2020, com o Brasil já
assolado pela covid, o número ficou em 729,3 mil unidades. Quase paralisadas,
em abril do ano passado as montadoras fabricaram 1.800 veículos.
A comparação com o período pré-pandemia
mostra mais claramente a perda de ritmo do setor. O número de empregados também
diminuiu nesse período. Em junho de 2018 as montadoras empregavam 112,7 mil
trabalhadores. O contingente diminuiu ano a ano e em junho de 2021 chegou a
102,7 mil.
A desindustrialização do País começou bem antes do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Sinais de fraqueza já eram visíveis, na indústria, em 2012-2013. Não basta, no entanto, a atual administração se isentar de responsabilidade por todo o processo. Um governo com visão dos problemas, metas e programas teria cuidado, desde o início, de trabalhar pela recuperação da indústria. No entanto, nenhum diagnóstico foi exposto e nenhum propósito de modernização e de revigoramento do setor foi mencionado pelo presidente ou por sua equipe. Mas a economia, segundo o ministro Paulo Guedes, está bombando. Bombando e sem rumo?
Privatizar os Correios
Folha de S. Paulo
Venda da empresa federal deve manter a
natureza pública dos serviços postais
A julgar pelos estudos elaborados até
agora, o processo de privatização dos Correios segue um bom caminho, no sentido
de combinar a busca de eficiência e adaptação aos avanços tecnológicos com a
necessária preservação da natureza pública dos serviços postais.
O trabalho que servirá de subsídio para a
modelagem de venda da empresa, elaborado sob a liderança do BNDES, mapeou
amplamente as experiências internacionais com liberalização do setor e
privatizações, além das principais referências regulatórias.
As conclusões estão bem alinhadas aos
objetivos elencados no projeto de lei encaminhado pelo Executivo e que tramita
na Câmara dos Deputados em regime de urgência.
As principais premissas são a manutenção do
papel estatal na regulação de serviços postais, com foco na preservação da
universalidade de acesso e tarifas razoáveis, de um lado, e o fomento da
concorrência no restante do mercado de encomendas, de outro.
Para tanto, as políticas que orientarão o
setor permanecem sob a responsabilidade do Ministério das Comunicações, que
delegará a regulação para a Anatel. Com isso, fica assegurada a natureza
pública do serviços postais, sob regime de concessão.
O estudo do BNDES aponta para uma ampla
gama de desafios, para os quais os Correios estatais não estão preparados. As
mudanças tecnológicas, para começo de análise, provocam queda acentuada da
remessa de correspondências (cerca de 41% entre 2015 e 2019), fenômeno
observado em todos os países analisados.
Ao mesmo tempo, há um enorme crescimento do
segmento de encomendas, na casa de 15% ao ano, fomentado pelo comércio
eletrônico. A mudança de hábitos provocada pela pandemia só fará acelerar esse
processo, que demandará capacitação tecnológica em logística e informatização.
Os Correios, por certo, têm atributos. Com
98,1 mil funcionários e presença em praticamente todos os municípios do país, a
empresa tem potencial para competir num mercado em ampla transformação. Para
tanto, porém, precisa de ferramentas, a começar por boa gestão, flexibilidade e
acesso a capital.
A necessidade de investimentos para lidar
com as demandas crescentes do mercado é significativa, de pelo menos R$ 2,5
bilhões ao ano, segundo o estudo, um múltiplo dos R$ 300 milhões que vêm sendo
aportados pelos Correios nos últimos anos.
Embora a empresa venha obtendo lucros
modestos, de R$ 1,5 bilhão em 2020, dificilmente poderá fazer frente a tais
necessidades.
A demora em atualizar a regulação do setor
em rápida transformação e de bem dispor do patrimônio que ainda resta
desgastará a empresa. Vender os Correios não significa deixar de atentar para o
papel regulatório do Estado.
Resta esperar que os parlamentares não
cedam a tentações corporativistas e clientelistas ao votarem a privatização,
como fizeram ao desvirtuar as normas para a venda da Eletrobras.
Presos sem vacina
Folha de S. Paulo
Não se justifica atraso na imunização da
população carcerária de SP contra Covid
Apenas 6% da população carcerária de São
Paulo recebeu vacina contra a Covid-19 até 3 de julho, segundo dados da
Secretaria de Administração Penitenciária paulista. Ao todo, 13 mil de 210 mil
presos do estado receberam ao menos uma dose de imunizante.
Os dados vêm à tona em meio a um pedido da
Defensoria Pública para a inclusão imediata desse estrato no calendário de
imunização, o que já deveria ter acontecido.
Nada justifica a morosidade. Enquanto a
vacinação já alcança 53% do público adulto, os detentos ficam longe da marca,
apesar de serem prioridade no Plano Nacional de Imunização (PNI). No estado, 41
mil deles têm mais de 41 anos e 22 mil apresentam comorbidade.
Deve-se frisar o óbvio: é responsabilidade
estatal garantir a saúde das pessoas sob sua custódia. Foram registradas 71
mortes de presos por Covid-19 em presídios de São Paulo, das quais 36 nos
últimos cinco meses, quando já estava em curso a vacinação.
Os números estão possivelmente subestimados
em um sistema penitenciário superlotado e suscetível a doenças infecciosas.
Apesar de a população carcerária paulista
estar em queda nos últimos anos, dados do Tribunal de Contas do Estado indicam
que hoje há excesso de 62 mil presos em relação à capacidade das penitenciárias
(148 mil).
Não se sustenta, diante das obrigações do
poder público, o argumento da secretaria segundo o qual a taxa de letalidade
nos presídios está bem abaixo da média da população em geral.
O descaso não se limita a São Paulo.
Segundo depoimento de uma ex-coordenadora do PNI à CPI da Covid, o
ex-secretário-executivo da Saúde e coronel da reserva Elcio Franco defendeu
retirar os detentos dos grupos prioritários da campanha de vacinação.
Recorde-se, ademais, que em abril de 2020 o
Ministério da Justiça cogitou colocar presos doentes em contêineres —e que o
Supremo Tribunal Federal resistiu a soltar os de menor periculosidade durante a
pandemia por meio de habeas corpus.
Valor Econômico
A prioridade tem que ser a reconstrução do
país, abatido pelo desastre natural da epidemia
Depois de meses de atraso, o Congresso
finalmente instalou a Comissão Mista de Orçamento (CMO), responsável por fazer
a primeira análise da importante Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mas o
que era para ser uma boa notícia foi ofuscada por um surpreendente movimento
para se votar de afogadilho o texto que é base para a elaboração do orçamento
de 2022, a ser enviado em agosto.
Deputados e senadores chegaram a um acordo
para votar o parecer preliminar do projeto hoje, abrindo apenas dois dias para
apresentação de emendas. A intenção do comando da comissão mista é que a versão
final do relatório do deputado Juscelino Filho (DEM-MA) seja votada entre
quarta e sexta-feira, dia 16, mesmo dia para se discutir e votar o tema no
plenário do Congresso.
É curioso que, após três meses de atraso e
do triste episódio do orçamento “fictício” aprovado para este ano, que gerou
forte incerteza no mercado, a CMO discuta um calendário para discussão "a
jato", com a votação de um projeto tão relevante em menos de uma semana.
Em tese, a LDO precisa ser votada até o dia
17 para o Congresso entrar de recesso entre os dias 18 e 31 de julho. Mas a
única consequência de não se sair votando de afogadilho essa matéria é a não
efetivação desse período de interrupção das atividades diretamente
legislativas. Ou seja, os parlamentares, em tese, teriam que trabalhar em
Brasília em vez de passar duas semanas na tradicional consulta às bases ou
fazer um "recesso informal" de duas semanas.
Apesar do acordo da semana passada, parte
dos congressistas defende que o prazo está apertado e que o melhor é que se
caminhe para um recesso informal e que a matéria seja votada em agosto. Ideal
mesmo seria que os parlamentares, tão generosamente remunerados pelos
contribuintes, continuem trabalhando no projeto nas próximas semanas,
equilibrando a necessidade de se aprovar a LDO com celeridade, mas sem atropelo
e com discussão aprofundada e transparente.
Há que se convir que, em tempos ainda
pandêmicos, a necessidade de recesso é no mínimo discutível. Talvez o que
esteja por trás de tanta pressa após tamanho atraso sejam interesses não tão
louváveis. Por exemplo, se a LDO for votada no prazo estabelecido, o Congresso
vai entrar em recesso e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que tem
prestado um grande serviço ao país revelando a sucessão de erros na gestão da
crise sanitária, terá que ter suas atividades paralisadas por duas semanas.
Além disso, há risco de que o texto traga novidades
que podem ser prejudiciais à responsabilidade fiscal e à transparência
orçamentária, como ocorreu neste ano, sem tempo para a que sociedade se
mobilize e discuta as mudanças de forma responsável.
Como recente reportagem do Valor mostrou, há uma preocupação
na área econômica em evitar que o Congresso inclua novamente dispositivo que
torna as emendas de relator-geral impositivas, como já ocorre com as
individuais e de bancada. Foi esse mecanismo, vetado pelo governo, mas
derrubado pelo Congresso em votação relâmpago, que abriu caminho para o
desastroso Orçamento de 2021.
Dessa forma, a peça em vigência neste ano
deixou uma fortuna nas mãos do relator-geral de 2021, senador Márcio Bittar
(MDB-AC), com muito pouca transparência na repartição dos recursos,
contrariando o princípio mais básico da boa gestão orçamentária. Além disso,
forçou o governo a entrar em uma briga acirrada com o Congresso, o que gerou um
impasse de semanas, custando caro para a rolagem da dívida pública e para a
confiança dos investidores locais e externos.
Por se tratar da peça que dará suporte ao
orçamento do ano eleitoral, é preciso atenção redobrada da sociedade. Ainda
mais que, ao que tudo indica, será um ano que o teto de gastos terá uma folga
extra, graças à ajuda da inflação, que reajustará o limite de despesas em R$
124 bilhões. Estimativas apontam que desse montante, mais de R$ 20 bilhões
poderão ser livremente alocados. É natural que a classe política fique de olho
nisso.
Mais do que nunca é necessário que os parlamentares respeitem o contribuinte, moderando seus apetites eleitorais e lembrando que o país ainda está na crise do coronavírus. Se não há espaço para morosidade, tampouco o há para atropelos. A prioridade tem que ser a reconstrução do país, abatido pelo desastre natural da epidemia, situação agravada pela má gestão do presidente Jair Bolsonaro. Interesses políticos pessoais ou mesmo de grupos não podem ser a prioridade dos representantes do povo.
Pressa em votar coloca riscos para a LDO
2022
Valor Econômico
A prioridade tem que ser a reconstrução do
país, abatido pelo desastre natural da epidemia
Depois de meses de atraso, o Congresso
finalmente instalou a Comissão Mista de Orçamento (CMO), responsável por fazer
a primeira análise da importante Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mas o
que era para ser uma boa notícia foi ofuscada por um surpreendente movimento
para se votar de afogadilho o texto que é base para a elaboração do orçamento
de 2022, a ser enviado em agosto.
Deputados e senadores chegaram a um acordo
para votar o parecer preliminar do projeto hoje, abrindo apenas dois dias para
apresentação de emendas. A intenção do comando da comissão mista é que a versão
final do relatório do deputado Juscelino Filho (DEM-MA) seja votada entre
quarta e sexta-feira, dia 16, mesmo dia para se discutir e votar o tema no
plenário do Congresso.
É curioso que, após três meses de atraso e
do triste episódio do orçamento “fictício” aprovado para este ano, que gerou
forte incerteza no mercado, a CMO discuta um calendário para discussão "a
jato", com a votação de um projeto tão relevante em menos de uma semana.
Em tese, a LDO precisa ser votada até o dia
17 para o Congresso entrar de recesso entre os dias 18 e 31 de julho. Mas a
única consequência de não se sair votando de afogadilho essa matéria é a não
efetivação desse período de interrupção das atividades diretamente
legislativas. Ou seja, os parlamentares, em tese, teriam que trabalhar em
Brasília em vez de passar duas semanas na tradicional consulta às bases ou
fazer um "recesso informal" de duas semanas.
Apesar do acordo da semana passada, parte
dos congressistas defende que o prazo está apertado e que o melhor é que se
caminhe para um recesso informal e que a matéria seja votada em agosto. Ideal
mesmo seria que os parlamentares, tão generosamente remunerados pelos
contribuintes, continuem trabalhando no projeto nas próximas semanas,
equilibrando a necessidade de se aprovar a LDO com celeridade, mas sem atropelo
e com discussão aprofundada e transparente.
Há que se convir que, em tempos ainda
pandêmicos, a necessidade de recesso é no mínimo discutível. Talvez o que
esteja por trás de tanta pressa após tamanho atraso sejam interesses não tão
louváveis. Por exemplo, se a LDO for votada no prazo estabelecido, o Congresso
vai entrar em recesso e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que tem
prestado um grande serviço ao país revelando a sucessão de erros na gestão da
crise sanitária, terá que ter suas atividades paralisadas por duas semanas.
Além disso, há risco de que o texto traga novidades
que podem ser prejudiciais à responsabilidade fiscal e à transparência
orçamentária, como ocorreu neste ano, sem tempo para a que sociedade se
mobilize e discuta as mudanças de forma responsável.
Como recente reportagem do Valor mostrou, há uma preocupação
na área econômica em evitar que o Congresso inclua novamente dispositivo que
torna as emendas de relator-geral impositivas, como já ocorre com as
individuais e de bancada. Foi esse mecanismo, vetado pelo governo, mas
derrubado pelo Congresso em votação relâmpago, que abriu caminho para o
desastroso Orçamento de 2021.
Dessa forma, a peça em vigência neste ano
deixou uma fortuna nas mãos do relator-geral de 2021, senador Márcio Bittar
(MDB-AC), com muito pouca transparência na repartição dos recursos,
contrariando o princípio mais básico da boa gestão orçamentária. Além disso,
forçou o governo a entrar em uma briga acirrada com o Congresso, o que gerou um
impasse de semanas, custando caro para a rolagem da dívida pública e para a
confiança dos investidores locais e externos.
Por se tratar da peça que dará suporte ao
orçamento do ano eleitoral, é preciso atenção redobrada da sociedade. Ainda
mais que, ao que tudo indica, será um ano que o teto de gastos terá uma folga
extra, graças à ajuda da inflação, que reajustará o limite de despesas em R$
124 bilhões. Estimativas apontam que desse montante, mais de R$ 20 bilhões
poderão ser livremente alocados. É natural que a classe política fique de olho
nisso.
Mais do que nunca é necessário que os parlamentares respeitem o contribuinte, moderando seus apetites eleitorais e lembrando que o país ainda está na crise do coronavírus. Se não há espaço para morosidade, tampouco o há para atropelos. A prioridade tem que ser a reconstrução do país, abatido pelo desastre natural da epidemia, situação agravada pela má gestão do presidente Jair Bolsonaro. Interesses políticos pessoais ou mesmo de grupos não podem ser a prioridade dos representantes do povo.
O Globo
Câmara precisa
aprovar lei dos supersalários
Dados
estimam em 25 mil os servidores que ganham acima do teto, ou 0,23% dos 11
milhões de funcionários públicos brasileiros
Deverá ir a
votação amanhã na Câmara dos Deputados um projeto de lei já aprovado no Senado
em 2016, estabelecendo enfim as regras que limitam os salários do funcionalismo
público ao teto constitucional, equivalente aos vencimentos de um ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 39.293. A votação pretende pôr fim à
farra dos supersalários e aos expedientes mais mirabolantes usados para burlar
o teto. Trata-se, também, do primeiro e fundamental passo na urgente e
prioritária reforma administrativa.
Cálculos do
economista Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública (CLP), estimam em 25
mil os servidores que ganham acima do teto, ou 0,23% dos 11 milhões de funcionários
públicos brasileiros. Todos estão na parcela de 1% com maior renda no país.
Representam 1% do funcionalismo federal, 0,4% do estadual e 0,02% do municipal.
É essa minoria, concentrada sobretudo no Poder Judiciário e no Ministério
Público — onde são comuns holerites superiores a R$ 100 mil —, que forma a
elite do funcionalismo. É também dela que partem as maiores resistências às
reformas necessárias para transformar o Estado brasileiro.
O projeto de lei
dos supersalários, relatado pelo deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), se
distingue em alguns pontos daquele aprovado no Senado em 2016, sobretudo ao
estabelecer limites para os célebres “penduricalhos” que costumam engordar a
remuneração dos servidores. O texto não elimina definitivamente o acúmulo de
até duas fontes de renda sujeitas a tetos separados, expediente comum entre os
militares que aceitaram cargos no governo para ampliar seus vencimentos (e
objeto de portaria recente do Ministério da Economia).
Mesmo assim,
restringe a prática e traz um enorme avanço à esbórnia em que se transformou a
concessão de verbas indenizatórias, os célebres auxílios (moradia, viagem,
paletó, alimentação etc.). No novo substitutivo prometido por Bueno, há travas
para limitar essas verbas, de acordo com o patamar de renda do servidor.
Pela estimativa
do CLP, a economia anual com os cortes nos supersalários ficaria acima de R$ 2
bilhões, dependendo de quanto for mantido em verbas indenizatórias legítimas.
Do total de gastos acima do teto, 58,4% se concentram no governo federal, 41,1%
nos estaduais e apenas 0,5% nos municipais. Pelo cálculo de Bueno, a economia
giraria em torno de R$ 3 bilhões. Pode parecer pouco num Orçamento com despesas
de R$ 1,5 trilhão, mas é impossível subestimar o valor simbólico de começar a
retirar os privilégios da elite do funcionalismo.
É a ação corporativa dessa elite que tem impedido ao longo dos anos a realização da reforma administrativa profunda e justa que o Brasil exige. A Proposta de Emenda Constitucional 32, encaminhada pelo governo ao Congresso, peca pela timidez, justamente por não incluir os principais integrantes dessa elite, como militares, juízes, procuradores ou parlamentares. A aprovação do projeto de lei dos supersalários tem de ser apenas o começo. A PEC 32 precisa ser aperfeiçoada para incluir também quem ficou de fora. Só assim o Brasil poderá enfim ter um Estado eficiente e enxuto, capaz de oferecer os serviços com a qualidade que todos merecemos — e que caiba no nosso bolso.
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