O Estado de S. Paulo
Sr. presidente da Câmara, não passe à
História como cúmplice do pior governo
O homem, quando se vê diante de uma
situação que o obrigue a tomar uma decisão, ou a toma ou simplesmente se omite.
É evidente que se optar por agir sua ação trará consequências. No entanto,
também a omissão provocará repercussões, que vão variar de acordo com a
motivação de sua inércia. Aliás, há momentos em que a inércia é mais marcante e
traz um maior estigma do que a decisão mesmo que errada. No caso, ela constitui
crime de lesa-pátria.
A inércia adotada no caso do impeachment do
atual presidente da República está sendo colocada como uma prerrogativa do
presidente da Câmara dos Deputados. Ele se apoia no Regimento Interno da Casa,
que lhe dá, sem consignar prazo, a possibilidade de dar seguimento ou engavetar
pedidos de impedimento, como vem fazendo.
Diz ele que o regimento não o obriga a
submeter os requerimentos à apreciação da Câmara, pois não há prazo para a
apreciação da respectiva postulação. Realmente, não há nas normas regimentais a
consignação de prazo para as providências decorrentes de um pedido. Mas a
inexistência de um lapso temporal não o autoriza a engavetar os pedidos.
A norma regimental omissa cede ao civismo e ao compromisso que assumiu com a Nação quando recebeu um mandato parlamentar, outorgado por quem o elegeu.
O seu dever ético, moral e político não
pode ser eximido ou dilatado no tempo por uma acomodação meramente estratégica
em prol de um governante abusivamente despreparado, insensível, desprovido de
humanismo, solidariedade, amor pelo próximo, senso democrático, enfim, um
político portador de todos os defeitos que o tornam incompatível com o mínimo
exigível para conduzir uma nação.
Os brasileiros minimamente esclarecidos,
sem distinção de classe social, raça ou ideologia, mesmo aqueles hoje
arrependidos de nele terem votado, chegam à dolorosa conclusão de que o Brasil
não merecia Jair Bolsonaro.
Acontece que nós estamos tolhidos,
impossibilitados de fazer algo que reverta essa angustiante situação. Alguns
falam, outros escrevem, muitos vão às ruas, mas apenas um, absurdo dos
absurdos, apenas um tem o poder de dar encaminhamento à única solução possível:
tirá-lo do poder pela via constitucional do impeachment.
Parece, de forma muita nítida, estar
havendo uma cumplicidade entre os dois presidentes, o da Câmara e o da
República, que extrapola os limites da política. Claro, a manutenção do cargo é
o desiderato primeiro. Não se tem mais dúvida de que o Parlamento, hoje, está
muito mais propenso a discutir a questão do impeachment do que no passado
recente. Dessa forma, o risco de seu acolhimento é real.
No entanto, o compadrio entre ambos
ultrapassa as dimensões da cadeira presidencial e atinge os limites do estado
de liberdade do presidente. Manter a gaveta fechada com mais de cem pedidos,
agora com um último alentado e bem fundamentado pleito de impeachment,
representa uma flagrante tentativa de impedir a apreciação de uma série de
condutas não só representativas de crimes de responsabilidade, como de delitos
comuns.
Até ontem se imaginava que tais infrações
penais fossem basicamente contra a saúde pública. Mas o quadro mudou. Veio à
luz do dia uma série de ações previstas como criminosas pelo Código Penal e por
leis esparsas, que atingiram ou puseram em risco o erário e a coisa pública.
Ações que, ademais, violam os princípios constitucionais que devem resguardar e
proteger a administração, como os da moralidade, impessoalidade, publicidade e
eficiência.
Portanto, o risco de perda do mandato
poderá atingir não só a sua posição de presidente da República, como também a
sua própria liberdade. Assim, o engavetamento está sendo visto até mesmo como
meio para sua proteção pessoal.
As suspeitas de prevaricação, corrupção e
outros crimes podem constituir campo fértil para que o impeachment seja
acolhido. É bem verdade que os delitos comuns não serão imputados no respectivo
procedimento, mas, com certeza, terão significativo peso e influência no
espírito dos julgadores, quando da avaliação que se fará sobre a manutenção ou
perda do mandato presidencial, em razão do cometimento de delitos de
responsabilidade.
Sr. presidente da Câmara, salve-se de uma
mácula que com certeza será indelével. Não apoie um governo que não valoriza a
vida, pois não se sensibiliza com a morte. Que instiga manifestações
antipatrióticas e estimula a violência e a utilização de armas. Não se curve a
um governo investigado pela prática de uma corrupção especialmente abominável,
pois provoca a morte. A sua fidelidade ao atual presidente representa um ato de
infidelidade aos interesses superiores da Nação brasileira.
Não se deixe confundir com os áulicos que, embora próximos do poder, por conivência ou omissão, instigam e estimulam as más condutas ou nada fazem, quando poderiam aconselhar, criticar ou alertar. Não passe para a História como cúmplice do pior governo da República. Não deixe que a sua omissão seja vista como uma recompensa pelo apoio que lhe foi dado para alcançar a presidência da Câmara.
*Advogado
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