EDITORIAIS
Governadores têm razão em combater
politização das PMs
O Globo
Com um olho nas manifestações convocadas para o dia 7 de setembro e o outro no
embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF), 25
dos 27 chefes de Executivos estaduais compareceram na segunda-feira ou enviaram
representantes ao Fórum Nacional de Governadores. Em seu discurso na reunião, o
governador paulista, João Doria, mencionou o afastamento naquele dia do coronel
da Polícia Militar (PM) Aleksander Lacerda, que comandava 5 mil policiais no
interior do estado.
Nas redes sociais, Lacerda convocara
militantes às ruas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e contra o STF, em claro
e grave desrespeito às leis que proíbem manifestações político-partidárias da
corporação. O coronel responsável pela lei e ordem em 78 municípios paulistas
terá de prestar esclarecimentos ao Comando-Geral. Seu caso será analisado pela
Corregedoria.
Depois da reunião, a Associação Nacional
dos Militares Estaduais do Brasil (Amebrasil) divulgou nota em reação ao
episódio. Ainda que não tenha a mesma força política de associações maiores, a
Amebrasil tem penetração na base das polícias. Não parece acaso que o texto,
contraditório, flerte de modo flagrante com a narrativa bolsonarista. De um
lado, afirma: “Nossas instituições seguem e obedecem rigorosamente à lei e não
às vontades político-partidárias que tentam nos relegar ao plano de milícias
eleitorais ou guardas pretorianas”. De outro, diz que “nosso laço institucional
na defesa da pátria com a força terrestre brasileira [o Exército] é
indissolúvel e não está sujeito ao referendo de nenhum governador”.
Trata-se de afirmativa descabida e inoportuna. O que o brasileiro precisa de suas forças de segurança hoje é a clareza de que respeitarão seu papel institucional. É certo que, em situações excepcionais de conflito, estado de sítio ou defesa, PMs podem ser convocadas a servir ao lado do Exército para garantir a lei e a ordem — e, nesses casos, apenas se houver convocação explícita. Do contrário, a subordinação das PMs permanece a descrita sem ambiguidade na Constituição: “As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos governadores dos estados, do Distrito Federal e dos territórios”.
É evidente que, como diz a nota, não podem
se prestar a nenhum uso de “forma disfuncional”. Só que quem pretende usar as
forças da ordem de “forma disfuncional” não é nenhum governador, mas o
presidente da República, que não cessa de fazer acenos às forças de segurança
para que abracem seu projeto golpista. O laço que as PMs mantêm com o Exército
é histórico, mas não pode ser usado como pretexto para uma afronta à linha de
comando que as subordina ao poder civil.
Nas quase três décadas em que foi deputado,
Bolsonaro encontrou sua base de apoio nas Forças Armadas, entre as PMs e forças
de segurança. No Planalto, passou a usá-la em sua estratégia para manter-se no
poder. Defender as pautas caras aos militares e às PMs nada tem de errado.
Politizar os quartéis, em contrapartida, é um absurdo. Por isso o aceno da
Amebrasil ao bolsonarismo é tão grave.
No dia 7 de setembro, caberá às PMs reprimir
qualquer violência nas manifestações que vêm sendo convocadas. Não há, num
Estado democrático, espaço para desafiar instituições à força. Espera-se que as
PMs cumpram seu papel.
Alunos que faltaram ao Enem na pandemia não
podem ser punidos
O Globo
O Ministério da Educação parece ignorar a
realidade do país, acossado por uma pandemia que, ao longo de 18 meses, tirou a
vida de mais de 575 mil brasileiros — o segundo maior número de mortos do
planeta. Só isso explica a decisão de vetar a isenção da taxa de inscrição de
R$ 85 no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para os que faltaram à prova de
2020, em janeiro deste ano, num período de aceleração da Covid-19.
O último exame registrou abstenção recorde
de 51,5% no primeiro dia e de 55,3% no segundo. A aplicação das provas foi
marcada pela desorganização. Alunos tiveram de voltar para casa porque salas já
estavam com a lotação máxima prevista pelos protocolos sanitários. Ao contrário
do que os fatos mostraram, em seu mundo paralelo o ministro da Educação, Milton
Ribeiro, considerou tudo um sucesso.
Como o MEC não mudou as regras do edital,
continuaram valendo as normas pré-pandemia. Para ter direito à isenção da taxa
neste ano, o candidato que faltou à última prova precisou apresentar
documentação para justificar a ausência, como atestado médico. O ministério
desprezou o temor legítimo de estudantes que não quiseram se expor a
aglomerações (especialmente no transporte), seguindo orientação das autoridades
de saúde. Ou que se consideraram despreparados diante da tragédia das escolas
fechadas e do ensino remoto que funcionou apenas para alguns, ampliando as
desigualdades.
A intransigência afeta principalmente
alunos mais carentes, já que a isenção é concedida a estudantes de escolas
públicas, a jovens que tenham renda familiar per capita inferior a 1,5 salário
mínimo ou que estejam inscritos em programas sociais. Como mostrou reportagem
do GLOBO, os isentos, que somaram 3,6 milhões em 2020, são 800 mil neste ano.
Não é acaso o Enem 2021, marcado para 21 e 28 de novembro, ter 3,1 milhões de
inscrições, o menor número desde 2005.
A sociedade tem se mobilizado para barrar o
equívoco. Entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) ou a Associação
Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) defendem a manutenção da
isenção da taxa aos faltosos. No Congresso, um projeto de lei do deputado
Idilvan Alencar (PDT-CE) propõe isenção da taxa aos alunos mais vulneráveis,
independentemente de presença no último Enem. Nove partidos políticos deram
entrada numa ação no Supremo pedindo que o MEC aceite a autodeclaração como
justificativa para a falta. O governo se mantém insensível.
O ministério deveria se render à realidade e rever sua posição, reabrindo o prazo de inscrições e aceitando a justificativa dos que faltaram. Já basta a inércia da pasta durante a pandemia, quando escolas passaram a maior parte do tempo fechadas. É possível que muitos alunos que não puderam acompanhar as aulas se considerem despreparados para o exame, porta de entrada para a universidade. Mas devem ter a chance de fazê-lo. O estrago da pandemia em todos os níveis de ensino é dantesco. Com suas decisões sem sentido, o MEC consegue agravá-lo.
Bolsonaro e seus radicais na festa da
Independência
Valor Econômico
O 7 de setembro pode ser marco importante
de uma crise política permanente até as eleições
O presidente Jair Bolsonaro vai usar o Dia
da Independência para incentivar a baderna no país. Não se trata das
tradicionais cerimônias militares com desfiles de tropas, mas da convocação de
redes bolsonaristas para que seus adeptos venham às ruas em apoio ao presidente
contra o Supremo Tribunal Federal, em especial o ministro Alexandre de Moraes,
que investiga Bolsonaro por sua live contra o voto impresso. Os temas que os
apoiadores do presidente circulam na rede não deixam dúvida de que a violência
contra as instituições são vocabulário comum entre eles. Bolsonaro não os
desautoriza e diz que participará de um ou mais atos.
O fato de que tudo que o presidente
Bolsonaro faz para abrir caminho a seu ideal autoritário dar errado e
prejudicar suas intenções não o demove. E ninguém o demove, vistos pelo
retrovisor os dois anos e oito meses de seu mandato. O Centrão colocou um de
seus políticos mais habilidosos em plena Casa Civil, o presidente do PP, Ciro
Nogueira, que se atribuiu como missão o papel de “amortecedor”, mas a peça tem
falhado e o carro segue desgovernado.
O presidente manifestou a intenção de pedir
o impeachment de dois ministros do STF - Luis Roberto Barroso e Moraes - ao
Senado e levar a petição pessoalmente. Fez metade do que prometeu - não foi
pessoalmente e um ministro restou em seu alvo. Mas a forma com que usa
instrumentos perfeitamente legais para obter seus intentos demonstram que o
presidente não está interessado em mostrar que é alvo de inconstitucionalidades,
mas em punir o que considera um adversário que comete a afronta de colocá-lo
sob os holofotes da lei.
Há dois aspectos no episódio que são
constantes no modus operandi do presidente. Sua grave ignorância sobre assuntos
legais, e muitos outros, o fez saltar por cima da restrição crucial de que
magistrados não podem ser punidos por suas interpretações da lei. Por outro
lado, esta incultura trai seu objetivo verdadeiro de, sempre que possível,
mostrar que está sendo impedido de realizar tudo aquilo pelo qual foi eleito
porque o “sistema” - STF, governadores, esquerdistas etc - não lhe permite.
Assim como é direito do presidente e de
todo cidadão criticar as instituições e mostrar seu desejo de que mudem, também
é o direito de manifestação, desde que respeitados os limites legais. Mas são
esses limites que o presidente e seus mais radicais seguidores querem
ultrapassar, até que a democracia acabará sendo, ela própria, ferida. Bolsonaro
tem sido coerente nessa trajetória e diz aceitar as quatro linhas da Constituição
fazendo o contrário do que ela prescreve e buscando força suficiente para
desmontar seus princípios.
Nuvens carregadas prenunciam o próximo 7 de
setembro. Policiais da ativa e da reserva têm convocado seus pares a participar
das manifestações para intimidar o STF, e outros participantes a “tirar os
ministros de lá na marra” ou defendendo até a participação com armas nos atos
públicos. Um comandante responsável pelos efetivos da PM em várias cidades do
interior paulista fez campanha aberta contra o governador paulista e o STF. O
presidente Bolsonaro diz que irá ao ato em São Paulo. Ele e seus filhos nada
viram de errado na rebelião das forças policiais no Ceará e em outros Estados.
A possibilidade de apoio armado das PMs
estaduais em eventos pró-Bolsonaro foi rastreada em vários Estados pelos
governadores. Eles se reuniram na terça-feira em seu Forum Nacional, mas não
conseguiram aprovar um manifesto em repúdio aos últimos atos do presidente, por
oposição, entre outros, do governador de Minas, Romeu Zema (Novo). Em vez
disso, foi aprovada a proposta de uma reunião entre eles, os presidentes da
Câmara e do Senado e o presidente Jair Bolsonaro, em busca da harmonia entre os
Poderes. A escalada do presidente, no entanto, sugere que, se a reunião se realizar,
tende a ser mais um encontro protocolar, que não mudará um milímetro da maneira
de Bolsonaro agir, que se transformou em um método de (des)governo.
O presidente persegue seu duplo objetivo de
chegar às urnas com força suficiente para ir ao segundo turno e arregimentar
forças para rejeitar uma derrota nas urnas, para ele viciada de antemão.
Bolsonaro comprou forte retaguarda no Congresso ao se aliar ao Centrão, certo
de que assim barrou o caminho do impeachment. Com essa blindagem segue em sua
cruzada contra o voto impresso e o STF, elevando suas apostas e os riscos
institucionais. O 7 de setembro pode ser marco importante de uma crise política
permanente até as eleições.
Uma crise insolúvel
O Estado de S. Paulo
É tal a gravidade da crise política e
institucional que ora paralisa o País que cinco ex-presidentes da República –
José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da
Silva e Michel Temer – acionaram seus canais de interlocução com as Forças
Armadas, particularmente com generais do Exército, da ativa e da reserva, para
aferir o ânimo das tropas para embarcar em uma eventual intentona do presidente
Jair Bolsonaro. A informação foi revelada pelo Estado no fim de semana.
Premido pela queda consistente de sua
popularidade e por reveses no âmbito dos Poderes Legislativo (derrota da PEC do
Voto Impresso) e Judiciário (inquéritos administrativos e penais no Supremo Tribunal
Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, contra si e alguns apoiadores),
Bolsonaro tem dado sinais de que partirá para o “tudo ou nada” – vale dizer, o
descumprimento das leis e da Constituição, quiçá de ordens judiciais – como
forma de se aferrar ao poder e, assim, tentar escapar das consequências
políticas e penais de seus desatinos.
Para o bem da Nação, as respostas que os
cinco ex-presidentes obtiveram, ainda que com pequenas variações, afluíram na
direção do respeito à Constituição pelas Forças Armadas. Os emissários dos
ex-presidentes ouviram dos generais consultados que as eleições de 2022 não só
vão ocorrer normalmente, como o Congresso ouvirá, na data da posse, o
compromisso do presidente eleito, seja ele quem for, exatamente como determina
a Lei Maior. Ou seja, as bravatas de Bolsonaro, incluindo o alardeado apoio que
ele julga ter do alto oficialato para suas investidas contra as instituições
republicanas, mais revelam fraqueza e isolamento do que força.
A firmeza dos generais consultados em
relação a seus compromissos constitucionais, no entanto, é apenas uma boa
notícia em um quadro geral muito preocupante. São tempos muito estranhos estes
em que uma manifestação de respeito de generais do Exército à Constituição traz
certo alívio para os cidadãos que prezam pela liberdade. A rigor, a própria
consulta que cinco ex-presidentes da República fizeram aos generais revela, por
si só, que Bolsonaro já golpeou a democracia ao agredir diuturnamente, com atos
e palavras, os pilares do Estado Democrático de Direito.
A saída para esta grave crise que rouba o
presente e compromete o futuro do País teria de passar, necessariamente, por
uma civilizada concertação de interesses entre os chefes de Poderes, todos
imbuídos pelo que o ex-ministro Marco Aurélio chamou de “amor institucional”.
Da parte do Poder Legislativo e do Poder Judiciário já houve este aceno à
harmonia e à civilidade, ainda que preservadas eventuais discordâncias. Do
Poder Executivo, no entanto, as tentativas de pacificação se revelaram ardis
para que Bolsonaro apenas ganhasse tempo até sua próxima investida contra a
República. Ao trair a confiança de seus interlocutores nos outros dois Poderes,
o presidente trai a confiança da Nação.
Jair Bolsonaro é irremediável. Se ainda
havia alguma dúvida sobre sua aversão à política em seu sentido mais estrito –
a acomodação de interesses por meio do diálogo –, esta dúvida foi dissipada em
caráter definitivo pelo pedido de impeachment que o presidente apresentou ao
Senado contra o ministro Alexandre de Moraes, sem qualquer fundamento a não ser
a clara disposição de lançar seus apoiadores mais fanáticos contra a Suprema
Corte e contra o Senado, que, evidentemente, não dará andamento ao pedido.
O País ainda tem pela frente longos 16
meses até que termine o mandato de Bolsonaro. Nada indica que os graves
problemas que afligem o País serão tratados neste período. As investidas
golpistas do presidente travarão o andamento de projetos importantes no
Congresso, como as reformas estruturais. A capacidade de Bolsonaro para
“fabricar artificialmente crises institucionais infrutíferas”, como bem avaliou
o decano do Supremo, ministro Gilmar Mendes, é inesgotável. E isto manterá o
Brasil refém do temperamento vesânico do pior presidente que já governou a
Nação.
Bolsonaro fraco, Centrão voraz
O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro voltou atrás e
sancionou o dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 que
prevê as emendas de relator-geral do Orçamento, conhecidas tecnicamente como
RP-9. Poucas evidências de sua fraqueza política são tão eloquentes quanto este
recuo forçado.
Na sexta-feira passada, Bolsonaro anunciou
que vetaria as emendas RP-9 por entender que este mecanismo “atrapalha a (gestão
da) política fiscal e prejudica a condução de políticas públicas”. Ele tem
razão, mas não é crível que tivesse a intenção de vetar o dispositivo por
convicção ou apreço pela moralidade na administração pública. Seguramente, o
presidente pretendia fazê-lo por medo de cometer mais um crime de
responsabilidade. As emendas RP-9 não são “apenas” imorais, são flagrantemente
inconstitucionais.
A RP-9 foi o cambalacho orçamentário
elucubrado pelo governo e pelo Centrão para repassar bilhões de reais a
parlamentares aliados de Bolsonaro de forma iníqua e por meio sub-reptício, ao
largo, portanto, dos controles institucionais a que estão sujeitos outros tipos
de autorização de emendas ao Orçamento. Não sem outra razão, o escândalo do mau
uso das emendas RP-9, revelado pelo Estado no início de maio, ficou
conhecido como “orçamento secreto”.
Vetar as emendas RP-9 na LDO de 2022,
depois de tudo que veio a público sobre o caso, era a coisa certa a fazer. Mas,
como se viu, a firmeza do presidente da República para fazer o que é certo não
durou um fim de semana. Na segunda-feira passada, a sanção do dispositivo
ardiloso foi publicada no Diário Oficial da União.
Bolsonaro não resistiu às pressões do
Centrão para voltar atrás e sancionar as emendas de relator-geral na LDO. O
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), agiu nos bastidores
para que o mecanismo de repasses bilionários fora do radar institucional fosse
mantido no Orçamento do ano que vem, a despeito de o escândalo ter causado
“perplexidade” em ministros do Tribunal de Contas da União, órgão que, convém
lembrar, assessora o Poder Legislativo nesta seara. Noticiou-se que Lira teria
ficado “muito irritado” ao saber que Bolsonaro pretendia vetar as emendas RP-9.
Embora ruja como leão para suas hostes nas redes sociais e no cercadinho do
Alvorada, o presidente sabe que, nos círculos de poder, não convinha “irritar”
quem está sentado sobre mais de uma centena de pedidos de impeachment contra
ele.
Mais cedo ou mais tarde, haverão de ser
descortinados os arranjos de bastidor para que Arthur Lira fosse eleito
presidente da Câmara dos Deputados e, a partir desta privilegiada posição,
resguardasse Bolsonaro de quaisquer sanções políticas por seu desgoverno. A
esta altura, parece claro que uma das moedas de troca foi o aumento do controle
sobre o Orçamento pelo Centrão.
Em conflito aberto com o Poder Judiciário,
chegando ao paroxismo de pedir o impeachment de um ministro do Supremo Tribunal
Federal, Bolsonaro fez a clara opção de entregar o governo – que deveria ser
seu por vontade dos eleitores – aos próceres do Centrão, em troca de relativa
paz na relação com o Legislativo enquanto ataca o Judiciário.
Como resistir à tentação de um presidente
fraco aboletado no Palácio do Planalto? Bolsonaro personifica o caminho livre
para os cupins do Orçamento se refestelarem com recursos públicos. Como ora faz
o Centrão, grupo conhecido exatamente por explorar as vulnerabilidades do Poder
Executivo em benefício próprio. A campanha para as eleições do ano que vem,
quando muitos deputados e senadores tentarão a reeleição, só aumenta a
voracidade do apetite do grupo.
Poucos presidentes tiveram tão baixo
controle sobre o Orçamento como Jair Bolsonaro. Até mesmo o veto ao fundo
eleitoral de inacreditáveis R$ 5,7 bilhões, mantido, foi fruto de arranjo entre
Bolsonaro e seus captores políticos no Congresso. Ao vetar o chamado fundão, o
presidente iludiu seus apoiadores, que creem que Bolsonaro está realmente
preocupado com a moralidade pública, e atendeu ao interesse dos partidos, que
devem ficar com algo próximo de R$ 4 bilhões, quinhão que parecerá uma
“benevolência” marota dos espertos de sempre.
O perigo do ‘modo eleição’
O Estado de S. Paulo
Levar a inflação à meta de 3,5% em 2022 é a
prioridade do Banco Central (BC), prometeu o presidente da instituição, Roberto
Campos Neto. Para isso a política monetária será apertada e os juros ficarão
mais altos enquanto isso for necessário. O objetivo mais amplo, agora, é
garantir o equilíbrio econômico de longo prazo, explicou Campos Neto em webinar
promovido pelo Council of Americas. Também é claro o recado implícito:
abandona-se por algum tempo a ideia de estimular a retomada econômica por meio
de uma política mais branda. Tentou-se, durante meses, manter esse estímulo e
ao mesmo tempo frear a alta de preços. Não deu certo. As pressões inflacionárias
foram mais fortes e mais persistentes do que se estimava.
Agora é indispensável, portanto, concentrar
a atenção do BC em sua missão mais importante, a busca da estabilidade de
preços. Em 2021 o jogo já está perdido. As projeções indicam inflação próxima
de 7%, bem acima da meta (3,75%) e até do limite de tolerância fixado para este
ano, de 5,25%. As estimativas para 2022 têm subido e apontam uma alta de preços
em torno de 3,9%, já superior, portanto, à meta oficial (3,5%). Pode-se evitar
esse desvio e para isso é preciso trabalhar duramente. Esse esforço já começou.
Passar mensagens é parte importante do
trabalho do BC. O sucesso é obtido mais facilmente quando as expectativas do
mercado – ou dos mercados – ficam bem ancoradas, como se diz no jargão da política
monetária. Quando esperam inflação contida em nível tolerável, empresários e
investidores podem planejar e conduzir suas atividades com maior segurança. Sem
temor de preços em disparada, consumidores também contribuem para um ambiente
ordenado. Mas o BC é apenas uma das fontes de sinalização.
A formação de expectativas depende também
de outros fatores. Um dos mais importantes é a ação dos políticos,
principalmente daqueles com poder para determinar o rumo da política econômica
e a evolução das contas públicas. Quando as finanças do governo vão mal e –
mais importante – quando há sinais de descontrole, o alarme soa e a formação de
preços é afetada. A relevância dos fatores políticos tem sido evidenciada de
forma assustadora no Brasil.
O quadro fiscal – cenário atual e
prospectivo das contas públicas – é marcado pela insegurança. Sem partido e sem
suporte programático, o presidente Bolsonaro depende, para seus objetivos, de
uma base parlamentar volátil e fisiológica. Isso afeta a execução do Orçamento corrente,
compromete o planejamento orçamentário do ano seguinte, descontrola os gastos e
põe em risco os tetos legais das finanças públicas. Além disso, fórmulas são
inventadas para acomodar ações eleitoreiras do chefe de governo, como, por
exemplo, a improvisação de um novo Bolsa Família.
Com a economia no “modo eleição”, o mercado
piora as estimativas das contas públicas, eleva as previsões de juros, aumenta
as projeções de inflação, reduz as expectativas de crescimento econômico e
opera, no dia a dia, com um câmbio sempre mais instável. As preocupações com a
campanha eleitoral prematura foram apresentadas por analistas do setor
financeiro a diretores do BC em reunião na quarta-feira passada. No mesmo dia,
o professor Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC e hoje consultor,
resumiu o cenário num diagnóstico sombrio: a euforia do mercado acabou e a
perspectiva geral é muito ruim.
Em pronunciamento recente, o presidente do
BC, Campos Neto, falou sobre a dificuldade de conter a inflação quando falta
confiança na política fiscal. O realismo desse comentário tem sido confirmado,
de forma assustadora, nos últimos dias, com a instabilidade na bolsa de
valores, as preocupações embutidas na curva de juros, a insegurança cambial,
com o dólar muito caro, e a disparada dos preços. Fatores externos também
entram nas contas, mas Brasília é de fato a fonte principal de incertezas e
temores. Quanto mais duradoura a insegurança, mais demorada é a redução do
desemprego e mais prolongado o sacrifício das dezenas de milhões empobrecidos
na crise.
O fracasso Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Malogro do governo, que desencadeou
gritaria golpista, deve-se só ao presidente
Decorridos dois terços do governo Jair
Bolsonaro, o saldo é um fracasso inegável e, tudo indica, irreversível. Não se
vê em Brasília pensamento, liderança ou mera disposição para levar adiante uma
agenda que permita ao país chegar ao final de 2022 em condições melhores que as
herdadas pelo mandatário.
O principal feito do período, a reforma da
Previdência, deveu-se muito mais à iniciativa do Congresso e aos estudos e
negociações de anos anteriores. Seus primeiros efeitos benéficos para as finanças
públicas e a economia, de todo modo, foram solapados pelo impacto dos gastos
com a Covid-19.
A atividade —indústria, serviços, consumo,
investimento— mal se recupera da derrocada pandêmica e, pelas projeções mais
consensuais, retomará o padrão anterior de quase estagnação. Desemprego e
pobreza voltaram a se elevar.
Se a área econômica preserva o que resta de
racionalidade na administração, sua credibilidade desabou. Promessas de
privatização e reformas ficaram pelo caminho; a inflação subiu a níveis inquietantes;
encaminha-se a irresponsabilidade orçamentária no ano eleitoral.
A calamidade sanitária seria um atenuante
—se não fosse a demonstração maior da incompetência e do descaso desumano de
Bolsonaro. Toda a parolagem do presidente e de seus seguidores fanáticos não
encobrirá o fato de que o Brasil amarga a maior taxa de mortes por milhão de
habitantes entre os países do G20.
Uma coletânea de
indicadores publicada pela Folha mostra que retrocessos
predominam nas diversas áreas do governo, notadamente Educação, Saúde e Meio
Ambiente. É evidente que nem todas as pioras derivam apenas de medidas tomadas
a partir de 2019, mas o peso da gestão ruinosa dessas pastas prioritárias é
indelével.
Não houve nova política, muito menos
combate à corrupção. O centrão ganhou protagonismo inédito, a
Procuradoria-Geral perdeu em autonomia e a Polícia Federal teve dirigentes
trocados ao sabor das preocupações do Planalto com aliados e familiares.
Bolsonaro nem mesmo consegue fazer avançar
—felizmente— sua pauta ideológica, salvo por alguns decretos de legalidade
questionada em favor do acesso a armas de fogo. Não consegue porque se trata de
propostas de escasso apelo na sociedade e, mais ainda, porque o presidente se
mostra uma negação nas tarefas essenciais de dialogar, convencer e negociar.
O malogro de seu governo se deve ao
despreparo e à indolência, não a sabotagens e conspirações imaginárias. A
perspectiva de derrota nas urnas, que desencadeou toda a atual gritaria
golpista, decorre tão somente da constatação do óbvio pelo eleitorado.
Demarcações em xeque
Folha de S. Paulo
STF tem desafio de fixar entendimento sobre
direito de povos indígenas a terras
O Supremo Tribunal Federal marcou para esta
quarta-feira (25) julgamento que afeta diretamente o processo de demarcação de
terras indígenas no país —trata-se do chamado “marco temporal”.
A tese surgiu em 2008, no voto do ministro
Carlos Alberto Menezes Direito sobre a homologação da terra Raposa-Serra do
Sol, cobiçada por arrozeiros. De acordo com a interpretação, os povos teriam de
estar de posse do território em 1988, quando a Constituição foi promulgada,
para vê-lo reconhecido pelo Estado.
Não é trivial conciliar tal visão com o
artigo 231 da Carta: “São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens”.
A referência a “direitos originários” está
no centro da controvérsia. Daí se depreenderia que ao poder público cabe só a
missão administrativa de atribuir formalmente aos primeiros povos do Brasil o
direito às terras que sempre lhes pertenceu, por portaria do Ministério da
Justiça (processo paralisado por Jair Bolsonaro).
Essa leitura guarda implicações em
potencial para a situação das propriedades rurais brasileiras. Já com o marco
temporal, as demarcações ficariam condicionadas à real ocupação da área 488
anos depois da chegada dos europeus.
No governo Michel Temer, a Advocacia-Geral
da União acolheu a tese do marco, em julho de 2017, no parecer 001; em 28 meses
na Presidência, Temer declarou só três terras indígenas e homologou uma.
Tramita no Congresso, ainda, o projeto de lei 490/2007, aprovado na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados em junho e pronto para voto em
plenário. Aprovada, a legislação consagraria o marco temporal.
Não, porém, se o STF der agora ganho de
causa para os povos Kokleng, Kaingang e Guarani que pedem reintegração de posse
da terra Ibirama-La Klãnõ (SC).
Em 2019 o caso foi declarado de repercussão
geral: o que a corte decidir valerá para todo procedimento de demarcação e
norteará futuros julgamentos de constitucionalidade sobre atos e normas que
conflitem com a decisão.
O desafio será evitar que se consolidem injustiças cometidas contra etnias que tiveram terras tomadas, sem deixar de atentar para garantias aos proprietários de boa-fé.
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