quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Daniel Rittner - Conservador nutella ou ultraconservador raiz?

Valor Econômico

A direita vê espaço para mais avanços nas eleições de 2022

Com um retrato na parede de Plínio Salgado usando camisa verde e sigma no braço, o jovem presidente da Frente Integralista Brasileira acende um cigarro atrás do outro enquanto explica pacientemente por que está otimista com a chance de ter pelo menos um representante do movimento na Câmara dos Deputados a partir de 2023.

“Nós vemos um campo fecundo nas próximas eleições. As pessoas já passaram pela fase da revolta, de tirar a esquerda que estava bagunçando com o país, de colocar um tampão para impedir a sangria. Agora tem que curar a doença. Precisa fazer o remédio, que é mais complexo. Deus, pátria e família? Sim, mas até o Alexandre Frota usou isso na última campanha. Agora o povo brasileiro está à procura do conteúdo e da doutrina por trás dessa frase. A solução está no integralismo”, afirma o filósofo Moisés José Lima, recém-filiado ao PTB, dando como certas candidaturas do movimento em São Paulo e no Distrito Federal - talvez outros Estados também.

O raciocínio do integralista Moisés aparece, com ajustes, em conversas com vários expoentes do conservadorismo e alimenta a expectativa da direita de ter uma bancada mais, digamos, “raiz” na próxima legislatura.

Eles avaliam, praticamente de forma consensual, que houve muitos conservadores “nutella” surfando na onda bolsonarista, em 2018, sem comprometimento com a causa. Que bastava atacar a esquerda e defender algumas bandeiras para conquistar votos de um eleitorado ainda confuso e sem tantas opções de oferta no terreno antiliberal. Que esse discurso confuso teria gerado a ascensão de Frotas, Joices, Zambellis, Comandantes Isso e Generais Aquilo. Agora os ultraconservadores acreditam que boa parcela do eleitorado perdeu o constrangimento em abraçar com mais força causas como o combate ao aborto, à descriminalização das drogas, à educação sexual nas escolas e às pautas identitárias, a defesa do homeschooling, o porte de arma.

Um deputado paulista que pode ser chamado de direita raiz e pede para não ter o nome citado, na tentativa de evitar mal estar com colegas, opina: “Teve muito oportunista pegando carona na onda de 2018. O próprio Bolsonaro soube aproveitar uma eletricidade que já estava no ar, à procura de um para-raio. Provavelmente os conservadores vão continuar com Bolsonaro para presidente, mesmo com algumas decepções, mas agora é ele quem precisará da gente - não a gente dele”.

Deem-se os sinceros parabéns ao deputado pela autoconfiança na capacidade de conquistar votos, mas ele tem razão em um ponto: os ultraconservadores não querem ser identificados apenas como bolsonaristas.

“De jeito nenhum isso resume o nosso movimento”, ressalta o presidente da Frente Integralista Brasileira. “Bolsonaro era e continua sendo insuficiente para oferecer as respostas que o Brasil precisa. Reconhecemos que ele teve sua utilidade para barrar o plano maquiavélico que vinha se desenvolvendo no país, mas não basta”, diz Moisés.

Assim como os camisas-verdes querem voltar ao Parlamento, com o diagnóstico de que falta oferta para atender à demanda por ultraconservadores, uma série de nomes da direita - ligados ou não ao bolsonarismo - pretende estar nas urnas.

O ex-ministro Abraham Weintraub fala abertamente, em suas lives, sobre a perspectiva de concorrer ao governo de São Paulo. O blogueiro Oswaldo Eustáquio cogita sair ao Senado pelo Paraná. Amigos do ex- chanceler Ernesto Araújo acham que ele disputará uma vaga na Câmara pelo Distrito Federal ou pelo Rio Grande do Sul. Sérgio Camargo, da Fundação Palmares, e Damares Alves são bastante citados como opções legislativas.

A direita, extrema ou não, vai de Bolsonaro contra Lula em 2022 - mas não sem críticas. O acordo com o centrão, os casos de corrupção, a má condução da pandemia, a interferência dos filhos no dia a dia do governo fazem até ex-colaboradores apostarem em um discurso de depuração do conservadorismo.

“Um governo popular, audaz e visionário foi-se transformando numa administração tecnocrática sem alma nem ideal. Penhoraram o coração do povo ao sistema. O projeto de construir uma grande nação minguou no projeto de construir uma base parlamentar”, tuitou Ernesto Araújo (822 mil seguidores) em maio. Ao que colegas diplomatas imediatamente comentaram: “Ele escreveu com um olho no celular e outro na campanha”.

Nos Estados Unidos, a esquerda e os centristas reclamavam de George W. Bush - até que vieram o Tea Party e a altright. Lamentavam a vitória de Donald Trump - e então apareceram QAnon, Proud Boys, Oath Keepers, Three Percenters, Boogaloo. Por aqui, o ultraconservadorismo ainda tem algumas casinhas para avançar no tabuleiro da direita.

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Também a esquerda, otimista com Lula mais de 15 pontos à frente de Bolsonaro, traça nova estratégia para ganhar espaço na Câmara e dar o mínimo de sustentação a um eventual governo do petista.

A leitura geral é de que vai ser preciso livrar-se da “maldição dos 130 deputados”. Esse tem sido o tamanho, com alguma variação para cima ou para baixo, da bancada mais raiz no campo progressista ao longo das últimas eleições. Ninguém se ilude sobre a inevitabilidade de alianças táticas com o centrão para aprovar projetos de lei ou emendas constitucionais, como a revogação do teto de gastos.

Mas a esquerda - PT, PC do B, PSol, PDT, PSB - considera ideal alcançar um número próximo, pelo menos, dos 171 votos que são necessários para blindagem contra pedidos de impeachment.

Ex-governadores e outros nomes populares no petismo estão sendo procurados para concorrer à Câmara em 2022. A lista inclui Fernando Pimentel (MG), Tarso Genro (RS) e Eduardo Suplicy (SP). Guilherme Boulos (Psol), tido como bom puxador de votos, pode buscar mandato como deputado federal em troca do compromisso de apoio do PT à Prefeitura de São Paulo em 2024.

O xadrez eleitoral desenhado por interlocutores de Lula teria ainda a ex-presidente Dilma Rousseff disputando uma vaga na Câmara, por Minas ou pelo Rio Grande do Sul. Drama que atormenta alguns figurões do partido: quem criará coragem para conversar com ela, que já ocupou o Palácio do Planalto e continua com sua fama intacta de brava, sobre o “rebaixamento” a deputada. “Eu já disse que não vou”, disse uma pessoa que fez parte do ministério de Dilma e teme o humor dela ao receber essa proposta de candidatura.

 

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