O Globo
Uma das promessas de Paulo Guedes na
campanha de 2018 foi a venda de imóveis da União, com a inexequível receita de
R$ 1 trilhão. Além do pouco cuidado técnico na estimativa, revelou-se o
desconhecimento da complexa natureza do processo e das etapas a serem
cumpridas, como a regularização e avaliação dos imóveis, em meio à excessiva
burocracia.
Para imóveis tombados, as dificuldades se
multiplicam por conta da complexidade e do excesso de regras e exigências para reformas
e restaurações. Adicionalmente, os processos são morosos; sem prazo limite para
o exame dos órgãos envolvidos. Tudo isso mina o interesse do setor privado nas
aquisições, além de comprometer a capacidade do estado de gerir o patrimônio
público.
Como resultado, em 2020, 80% dos leilões
não tiveram interessados, sendo levantados apenas R$100 milhões, segundo o
Valor Econômico.
Um triste exemplo desse quadro foi a
tentativa fracassada de leilão, em 2015, do antigo edifício da Polícia Federal
em São Paulo, marco arquitetônico tombado. O prédio acabou pegando fogo e
desabando em 2018.
O governo tenta avançar nessa agenda. A Lei 14.011 sancionada em 2020 permite, por exemplo, descontos nos preços dos imóveis, caso não haja compradores na primeira tentativa de leilão – até então havia rigidez no preço mínimo, dificultando a venda. As soluções, porém, são mais complexas.
Recentemente, surgiu a polêmica
sobre a venda do Palácio Capanema, patrimônio arquitetônico tombado, no
centro do Rio. O prédio está em reforma desde 2014, com gastos na casa de R$100
milhões.
O governo recuou
da decisão diante da grande reação contrária. Perdeu-se a oportunidade
para um amplo diálogo sobre como preservar e valorizar nosso patrimônio, em
benefício da sociedade, e sem onerar cofres públicos em um país com tantos
desafios sociais.
Certamente, vender um ícone da arquitetura
em um “feirão” pelo maior preço não é decisão sábia. Há opções mais
inteligentes, como mostram algumas experiências no mundo, e no Brasil também.
No projeto Réinventer Paris, lançado em
2014 pela prefeita Anne Hidalgo, do Partido Socialista, a cidade oferece áreas
para projetos urbanos inovadores, propostos em concurso mundial. O foco inicial
foram os espaços públicos sem uso ou subutilizados.
A prefeitura disponibiliza a área –
inclusive importantes prédios históricos -, podendo vendê-la ou alugá-la, e
busca os projetos de maior qualidade, e não as melhores ofertas financeiras.
Os critérios para avaliação estão
associados aos objetivos definidos pela cidade, como construção de moradia,
cuidado com o meio ambiente, economia no uso de energia, viabilidade financeira
e qualidade arquitetônica.
Um exemplo recente, em São Paulo, foi a
concessão à iniciativa privada do Estádio do Pacaembu, por 35 anos. Foram
estabelecidas premissas para o empreendimento – como restaurar a arquitetura
original do clube poliesportivo, da década de 1940 - e as obras precisam ser
aprovadas pelos órgãos competentes.
Além do centro esportivo, haverá um
complexo comercial e espaço para convenções.
Há também a bem-sucedida experiência do
Farol Santander, nos centros de São Paulo e Porto Alegre. Esses imóveis
tombados estão bem preservados e são abertos ao público.
A venda de imóveis públicos não pode ser
vista apenas pela ótica fiscal. O foco principal precisa ser o desenvolvimento
e o bem-estar social.
A busca por uso integrado adequado do
espaço das cidades encontra respaldo nas pesquisas de Economia Urbana.
Contribui-se para reduzir custos de transporte, estimular a inovação e ganhos
de produtividade, e também aumentar a segurança por conta do maior fluxo de
pessoas. Prédios públicos abandonados não cabem nessa equação.
Enquanto em outros países os centros
históricos são valorizados e habitados, e são fonte de receita de turismo, no
Brasil nós os maltratamos e, assim, os esvaziamos. É necessário estimular
parcerias com o setor privado – por meio de concessão ou venda -, sem
preconceitos, pois o modelo atual não salvou nosso patrimônio histórico
cultural, em escala.
Cabe ao poder público decidir sobre os
objetivos a serem atingidos, de forma viável financeiramente, e eliminando os
excessos de regras que inviabilizam a restauração.
Nestes tempos de princípios ESG, precisamos
pensar no ESG-P, de Patrimônio Público.
(*) Agradeço as contribuições de Raul Juste
Lores.
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