O Estado de S. Paulo
O presidente e sua monolítica plateia não permitirão uma campanha eleitoral como historicamente se pratica no Brasil
A pouco mais de um ano das eleições, o
interesse geral começa a aflorar. Despertam, entre outros sentimentos
adormecidos, as correntes antipetistas do eleitorado, já à procura de
alternativas. O aumento da rejeição a Jair Bolsonaro indica que o candidato à
reeleição, nestes 30 meses de governo, mostrou a que veio e o público não
gostou. Diminuiu drasticamente o contingente dos que o consideraram, no
passado, a escolha mais eficiente para derrotar Lula.
O tamanho de Bolsonaro vai se reduzindo à
medida que avança sua peculiar performance. O afastamento do eleitorado é
inversamente proporcional à empáfia que compromete sua imagem.
Não é pouco o que ainda está à disposição
de Bolsonaro, mas é insuficiente para um presidente da República que partiu
para confronto universal. Em declaração espontânea, 22% citaram seu nome na
pesquisa Xp/ipespe divulgada na semana passada. Estimulados, diante de uma
lista, 24% o preferiram. Uma diferença mínima. Em trajetória de candidatos
normais, uma é o dobro da outra.
Prevê-se que, neste ritmo, Bolsonaro chegue às eleições de 2022, que renega, com seu eleitorado convergindo para um índice próximo de 12%. Um grupo cada vez menor e mais fascinado pelo seu temperamento e caráter. A recíproca é verdadeira. Refletem-se, como um espelho.
Nas entrelinhas das intenções de voto está
que, se houver concertação partidária em torno de um só adversário de oposição,
estas forças conseguirão varrer o sentimento golpista que ameaça o País. O que
esvaziaria as expectativas de Bolsonaro.
Mas não basta. Os brasileiros seriam,
novamente, submetidos ao tudo ou nada que levou a maioria a optar, em 2018,
pelo que imaginava ser o tudo e revelou-se exatamente o nada.
O presidente e sua monolítica plateia não
permitirão uma campanha eleitoral como historicamente se pratica no Brasil.
Exercício simples nos remeterá à urgência
de uma solução. Não é difícil antever os candidatos a presidente, numa noite
política de setembro do ano que vem, preparando-se para um debate. Estarão
munidos de planos e avaliações críticas dos adversários. Mas exatamente naquela
manhã do futuro, como ocorre rotineiramente nas manhãs do presente, o candidato
à reeleição terá lançado, da plataforma que lhe serve de púlpito, os violentos
torpedos da ocasião.
Tal como hoje, será aplaudido. Tanto pelo
pequeno núcleo avançado à porta do Alvorada como pelos líderes informais do
enraizamento de sua ideologia: cinco ou seis parlamentares, empresários
financiadores, inflamadores profissionais. Repetirão que as eleições não serão
realizadas; se o forem, não serão reconhecidas; e seu ídolo contará com a
cumplicidade suficiente para suprimir os poderes Legislativo e Judiciário.
A campanha presidencial, naquele dia, seria
o debate dos candidatos. O que poderiam discutir diante do que viram e ouviram?
Não será, com certeza, um plano que resgate a Educação naufragada no abismo
cavado por Abraham Weintraub e Milton Ribeiro. Impossível também falar, para a
Saúde do Brasil pós-pandemia, em metas que removam os escombros deixados por
Pazuello e Queiroga. Menos ainda um programa emergencial de política ambiental
que faça a reinserção do País no mundo civilizado. Ninguém saberá, ainda, como
se pretende restaurar a Cultura, solapada por gestores surgidos das trevas.
Bolsonaro não permitirá que a campanha se
desenvolva. Sem campanha, como saber qual o plano econômico da esquerda? Como os
candidatos da direita tratarão a superação da desigualdade, que se desenha como
o tema dominante? Os brasileiros terão de votar às cegas.
Os dois calendários correm paralelos e desafiam juristas e políticos. Um legal e normal, improvável; outro delirante e absurdo que promete a continuidade do grande espetáculo em cartaz.
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