quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Fernando Exman - Pontes e rubicões

Valor Econômico

CPI debate como enquadrar Bolsonaro e deixar legado amplo

É curioso quando dois lados opostos citam uma passagem histórica com o mesmo objetivo.

É o que se vê, hoje, entre bolsonaristas e integrantes da oposição. “Estão passando o Rubicão”, alertam uns. Se tal coisa ocorrer, acrescentam outros, “a sorte está lançada”.

Referem-se a um episódio da antiga Roma quando, cinco décadas antes do nascimento de Jesus Cristo, o general Júlio César decidiu contrariar as normas da época e com sua legião atravessou o rio Rubicão em direção à região central do Império.

O rio Rubicão era uma fronteira natural que separava a Gália e os territórios administrados por Roma, e as normas da época proibiam que os militares em campanha transpusessem esse limite sem expressa autorização. Um meio de evitar possíveis instabilidades.

Júlio César, contudo, transgrediu as regras da República para confrontar Pompeu Magno, seu adversário. E sentenciou: “A sorte está lançada”. A crise agravou-se. O ato provocou uma guerra civil e consagrou a expressão “atravessar o Rubicão”. Hoje em dia a frase ganhou o sentido de tomar uma decisão arriscada, irreversível e, frequentemente, com consequências imprevisíveis. Algo como "jogar fora das quatro linhas da Constituição", como o presidente Jair Bolsonaro gosta de falar.

É o cenário pintado por aqueles que se preocupam com o recrudescimento do ambiente político-institucional do Brasil de hoje.

Na oposição, a crítica é voltada à insistência do presidente Jair Bolsonaro em atacar as demais instituições republicanas, participar de atos antidemocráticos e, agora, fomentar manifestações no dia 7 de setembro. Em plena pandemia. Num momento em que parlamentares e governadores, além de empresários e investidores, pedem uma trégua na crise.

Apoiadores do presidente também grifaram essas linhas dos livros de história. E citam o que integrantes da CPI da Covid e do Judiciário podem vir a fazer contra Bolsonaro.

A CPI da Covid está diante de um dilema. Desde o retorno do recesso parlamentar, busca recuperar a tração que a fez ocupar o noticiário e o centro do tabuleiro.

Do ponto de vista do grupo majoritário que tem conduzido os trabalhos do colegiado, o pior cenário é não ter um relatório aprovado. A comissão cairia automaticamente na lista de CPIs que acabaram “em pizza”. Até por isso existe um entendimento interno de que é preciso acelerar algumas frentes de apuração que permanecem pendentes em até um mês. Busca-se destrinchar, por exemplo, como são feitos e executados os contratos da área logística do Ministério da Saúde. A presença de milicianos na administração de hospitais federais no Rio de Janeiro é outra suspeita.

Concluídas essas linhas de investigação, a ideia é ter tempo suficiente para que não se corra o risco de a CPI chegar ao seu prazo final, 5 de novembro, sem votar o relatório. Haverá obstrução.

O maior motivo de fricção institucional deve se dar quando for decidido o tratamento que Bolsonaro receberá.

Hoje, há três caminhos sobre a mesa. Alguns parlamentares querem acionar os tribunais internacionais para tentar levar o presidente a julgamento, o que, se de fato vier a acontecer, dificilmente ocorrerá a curto prazo. Seria mais um movimento simbólico, um instrumento para a campanha eleitoral.

A rota mais natural é uma provocação à Procuradoria-Geral da República, mesmo com a elevada probabilidade de eventuais providências não serem tomadas. Na CPI, aliás, não se acredita na possibilidade de se levar adiante qualquer denúncia contra o presidente da República, mesmo que o procurador-geral Augusto Aras esteja assegurando que o Ministério Pública acompanha de perto os trabalhos da comissão para analisar seu relatório final em, no máximo, 30 dias.

Por outro lado, os senadores têm a ajuda de um grupo de juristas para analisar opções. Como o próprio Valor revelou, uma das alternativas seria os senadores acionarem diretamente o Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaristas questionam se isso não seria uma transgressão às regras - sobretudo diante da possibilidade de o caso cair nas mãos de um dos ministros que se tornaram alvos dos ataques presidenciais, um movimento com consequências imprevisíveis.

Sob a ótica bolsonarista, a sorte poderia estar sendo lançada. Sorte, não. Azar. Desventura do Brasil.

Legado

Mas não só de pedidos de indiciamento vivem as comissões parlamentares de inquérito. Seus legados devem ser mais amplos.

É capítulo importante de um relatório final de CPI aquele que lista sugestões para o aprimoramento da legislação e das políticas públicas.

O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid, tem duas ideias interessantes. Ele advoga que cada parlamentar destine R$ 500 mil de suas emendas impositivas para que o Brasil consiga ampliar a capacidade de produção de vacinas. “Temos dois laboratórios que produzem vacinas, Fiocruz e Butantan. Nós precisamos duplicar ou triplicar a planta de produção da vacina. O Congresso pode dar uma contribuição.”

Para o presidente da CPI, há que se pensar também em quem pegou covid-19 e sobreviveu com sequelas. “Milhões de pessoas que não têm condições de fazer fisioterapia, hemodiálise, que têm problemas renais, trombose e precisarão de atendimento até o fim da vida. Nós temos que viabilizar isso”, diz o senador.

Governadores também começaram a se mobilizar para o pós-covid. O Maranhão, por exemplo, lançou programa para assistir crianças e adolescentes que perderam os pais para a pandemia e a ideia acabará sendo adotada por todos os Estados do Nordeste, um auxílio mensal: R$ 500 até a maioridade desses brasileiros. Seria positivo se o governo federal surpreendesse desta vez e decidisse coordenar essas discussões.

 

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