Valor Econômico
CPI debate como enquadrar Bolsonaro e
deixar legado amplo
É curioso quando dois lados opostos citam
uma passagem histórica com o mesmo objetivo.
É o que se vê, hoje, entre bolsonaristas e
integrantes da oposição. “Estão passando o Rubicão”, alertam uns. Se tal coisa
ocorrer, acrescentam outros, “a sorte está lançada”.
Referem-se a um episódio da antiga Roma
quando, cinco décadas antes do nascimento de Jesus Cristo, o general Júlio
César decidiu contrariar as normas da época e com sua legião atravessou o rio
Rubicão em direção à região central do Império.
O rio Rubicão era uma fronteira natural que
separava a Gália e os territórios administrados por Roma, e as normas da época
proibiam que os militares em campanha transpusessem esse limite sem expressa
autorização. Um meio de evitar possíveis instabilidades.
Júlio César, contudo, transgrediu as regras
da República para confrontar Pompeu Magno, seu adversário. E sentenciou: “A
sorte está lançada”. A crise agravou-se. O ato provocou uma guerra civil e
consagrou a expressão “atravessar o Rubicão”. Hoje em dia a frase ganhou o
sentido de tomar uma decisão arriscada, irreversível e, frequentemente, com
consequências imprevisíveis. Algo como "jogar fora das quatro linhas da
Constituição", como o presidente Jair Bolsonaro gosta de falar.
É o cenário pintado por aqueles que se preocupam com o recrudescimento do ambiente político-institucional do Brasil de hoje.
Na oposição, a crítica é voltada à
insistência do presidente Jair Bolsonaro em atacar as demais instituições
republicanas, participar de atos antidemocráticos e, agora, fomentar
manifestações no dia 7 de setembro. Em plena pandemia. Num momento em que
parlamentares e governadores, além de empresários e investidores, pedem uma
trégua na crise.
Apoiadores do presidente também grifaram
essas linhas dos livros de história. E citam o que integrantes da CPI da Covid
e do Judiciário podem vir a fazer contra Bolsonaro.
A CPI da Covid está diante de um dilema.
Desde o retorno do recesso parlamentar, busca recuperar a tração que a fez
ocupar o noticiário e o centro do tabuleiro.
Do ponto de vista do grupo majoritário que
tem conduzido os trabalhos do colegiado, o pior cenário é não ter um relatório
aprovado. A comissão cairia automaticamente na lista de CPIs que acabaram “em
pizza”. Até por isso existe um entendimento interno de que é preciso acelerar
algumas frentes de apuração que permanecem pendentes em até um mês. Busca-se
destrinchar, por exemplo, como são feitos e executados os contratos da área
logística do Ministério da Saúde. A presença de milicianos na administração de
hospitais federais no Rio de Janeiro é outra suspeita.
Concluídas essas linhas de investigação, a
ideia é ter tempo suficiente para que não se corra o risco de a CPI chegar ao
seu prazo final, 5 de novembro, sem votar o relatório. Haverá obstrução.
O maior motivo de fricção institucional
deve se dar quando for decidido o tratamento que Bolsonaro receberá.
Hoje, há três caminhos sobre a mesa. Alguns
parlamentares querem acionar os tribunais internacionais para tentar levar o
presidente a julgamento, o que, se de fato vier a acontecer, dificilmente
ocorrerá a curto prazo. Seria mais um movimento simbólico, um instrumento para
a campanha eleitoral.
A rota mais natural é uma provocação à
Procuradoria-Geral da República, mesmo com a elevada probabilidade de eventuais
providências não serem tomadas. Na CPI, aliás, não se acredita na possibilidade
de se levar adiante qualquer denúncia contra o presidente da República, mesmo
que o procurador-geral Augusto Aras esteja assegurando que o Ministério Pública
acompanha de perto os trabalhos da comissão para analisar seu relatório final
em, no máximo, 30 dias.
Por outro lado, os senadores têm a ajuda de
um grupo de juristas para analisar opções. Como o próprio Valor revelou, uma das
alternativas seria os senadores acionarem diretamente o Supremo Tribunal
Federal (STF). Bolsonaristas questionam se isso não seria uma transgressão às
regras - sobretudo diante da possibilidade de o caso cair nas mãos de um dos
ministros que se tornaram alvos dos ataques presidenciais, um movimento com
consequências imprevisíveis.
Sob a ótica bolsonarista, a sorte poderia
estar sendo lançada. Sorte, não. Azar. Desventura do Brasil.
Legado
Mas não só de pedidos de indiciamento vivem
as comissões parlamentares de inquérito. Seus legados devem ser mais amplos.
É capítulo importante de um relatório final
de CPI aquele que lista sugestões para o aprimoramento da legislação e das
políticas públicas.
O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da
CPI da Covid, tem duas ideias interessantes. Ele advoga que cada parlamentar
destine R$ 500 mil de suas emendas impositivas para que o Brasil consiga
ampliar a capacidade de produção de vacinas. “Temos dois laboratórios que
produzem vacinas, Fiocruz e Butantan. Nós precisamos duplicar ou triplicar a
planta de produção da vacina. O Congresso pode dar uma contribuição.”
Para o presidente da CPI, há que se pensar
também em quem pegou covid-19 e sobreviveu com sequelas. “Milhões de pessoas
que não têm condições de fazer fisioterapia, hemodiálise, que têm problemas
renais, trombose e precisarão de atendimento até o fim da vida. Nós temos que
viabilizar isso”, diz o senador.
Governadores também começaram a se mobilizar
para o pós-covid. O Maranhão, por exemplo, lançou programa para assistir
crianças e adolescentes que perderam os pais para a pandemia e a ideia acabará
sendo adotada por todos os Estados do Nordeste, um auxílio mensal: R$ 500 até a
maioridade desses brasileiros. Seria positivo se o governo federal
surpreendesse desta vez e decidisse coordenar essas discussões.
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