EDITORIAIS
Apaziguamento e pusilanimidade
O Estado de S. Paulo
Quem for indulgente com Bolsonaro será visto como cúmplice pusilânime do golpismo bolsonarista
O líder do governo na Câmara, Ricardo
Barros (Progressistas-PR), disse ao Estado que
o País deve “se acostumar” ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro. “O
presidente Bolsonaro é o presidente Bolsonaro. Precisamos nos acostumar com
isso. Já é presidente há dois anos e meio, e todo mundo sabe o jeito dele. Ele
reage. Está tudo dentro do esperado que fosse. Não consigo ver como isso
estaria fora do padrão de comportamento dele”, declarou o deputado governista.
Não se pode dizer que Ricardo Barros está
errado ao dizer que “está tudo dentro do esperado que fosse” e que nada do que
Bolsonaro faz desde o dia em que tomou posse como presidente “estaria fora do
padrão de comportamento dele”.
Trata-se de uma verdade muito
inconveniente, especialmente para quem elegeu Bolsonaro julgando que, uma vez
na cadeira presidencial, o político que ganhou notoriedade desafiando o decoro,
a decência e a democracia fosse se emendar ou se conter, em nome da
governabilidade.
Bolsonaro nunca demonstrou disposição de se
adequar à cadeira presidencial. Julgou ter sido eleito para destruir, como ele
mesmo admitiu em infame evento com extremistas de direita nos Estados Unidos
pouco depois de ter tomado posse. Na visão de quem hostiliza a política e
considera que democracia representativa é instrumento de um complô de minorias
esquerdistas interessadas em destruir os valores da família e da pátria,
Bolsonaro julgava ser o homem certo, na hora certa.
Assim, faz todo sentido que, para os bolsonaristas empedernidos, não era Bolsonaro quem tinha que se adequar ao País e às suas instituições democráticas, mas sim o Brasil que, nas palavras do líder do governo na Câmara, deveria “se adequar” a Bolsonaro. Para essa gente, sua eleição significava fazer tábula rasa da democracia, aparelhar o Estado para implantar uma agenda obscurantista e, de quebra, ter liberdade para delinquir sem responder por isso.
Os efeitos dessa submissão do Brasil a
Bolsonaro são amplos e vão muito além do primitivismo bolsonarista. O Centrão,
antes hostilizado pelo presidente pelas razões certas, hoje é o senhor absoluto
de seu governo e determina a agenda parlamentar e a distribuição de verbas
públicas, à feição de seu projeto de poder.
Esse projeto nada tem a ver com as tão necessárias
reformas de que o Brasil necessita. O Centrão sempre foi linha auxiliar de
partidos reformistas, mas jamais foi, em si mesmo, um bloco político disposto a
modernizar o País. Agora com poder real em todas as esferas políticas
relevantes, seja no Congresso, seja no Executivo, o Centrão vai trabalhar não
propriamente pelas reformas, mas pela consolidação de seu domínio sobre a
máquina federal – e vai sustentar Bolsonaro, e até apoiar sua reeleição,
enquanto este não lhe obstar o avanço.
Como se vê, Bolsonaro “acostumou-se” ao
Centrão, porque era isso ou o impeachment. No entanto, que ninguém se engane:
Bolsonaro, malgrado as aparências de fraqueza, conserva o poder institucional
da Presidência, e isso é mais que suficiente para causar confusão e desestabilizar
o País.
É nessa condição que Bolsonaro agride o
Judiciário, ultrapassando todos os limites da decência, e anuncia, com todas as
letras, que prepara uma tentativa de golpe de Estado no ano que vem, caso perca
a eleição.
Como alguém pode sequer sugerir que os
cidadãos brasileiros, para os quais a lei vale indistintamente, deveriam “se
acostumar” aos vândalos da democracia, que se julgam acima da lei? Para o
Centrão do deputado Ricardo Barros, seria ótimo que todos os brasileiros dessem
gostosas gargalhadas diante das ofensas e ameaças do presidente, aceitando que
“esse é o jeito dele”, enquanto se cristaliza o modelo de governança dos sonhos
do baixo clero.
É por isso que o Centrão trabalha com
afinco pelo apaziguamento com Bolsonaro, como se isso fosse possível. Não
sendo, é o caso de advertir que quem for indulgente com Bolsonaro, aceitando
seus arreganhos sem reagir à altura, em defesa da democracia, será visto como
cúmplice pusilânime do golpismo bolsonarista.
Indigência moral e cívica
O Estado de S. Paulo
Publicação de partes do inquérito sigiloso revela um presidente
Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro
prometeu restaurar no País a moralidade pública e o respeito à lei. Na
Presidência da República, age como se a lei simplesmente não existisse em
relação à sua pessoa. Seu comportamento expressa indigência moral e cívica.
No dia 4 de agosto, o presidente Jair
Bolsonaro publicou, em diversas redes sociais, peças de um inquérito policial
sigiloso, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Na publicação, alegou
que estava cumprindo a sua promessa de mostrar a fragilidade do sistema
eleitoral brasileiro. O inquérito 1.361/2018 foi instaurado para investigar
suposta invasão a sistemas e bancos de dados do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE).
Os documentos apresentados por Jair
Bolsonaro não demonstram nenhuma fraude nas eleições de 2018. Antes, revelam um
sistema eleitoral sério e comprometido em apurar todas as suspeitas de
fragilidade. Solicitada pelo TSE, a investigação não encontrou nenhum indício
de que o ataque hacker tenha
afetado o resultado das eleições.
A publicação dos documentos revela, no
entanto, um presidente da República indiferente à lei. É crime, com pena de um
a quatro anos de prisão, divulgar documento sigiloso. Tanto é assim que, no dia
8 de agosto, o TSE apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime
contra o presidente em relação ao vazamento do inquérito da Polícia Federal.
“Há indícios (...) de que informações e
dados sigilosos e reservados do TSE tenham sido divulgados, sem justa causa,
inicialmente pelo delegado de Polícia Federal, e, na sequência, pelo deputado
federal Felipe Barros e pelo presidente da República, Jair Messias Bolsonaro”,
diz a notícia-crime, que foi assinada pelos sete integrantes da Corte
eleitoral.
Acolhendo a notícia-crime do TSE, o
ministro Alexandre de Moraes incluiu, no dia 12 de agosto, a divulgação dos
dados sigilosos entre os temas investigados no inquérito das fake news. Na semana anterior, Jair
Bolsonaro já tinha sido incluído entre os investigados nesse mesmo inquérito,
em razão de suas ameaças às eleições e da difusão de desinformação sobre as
urnas eletrônicas.
Segundo os ministros do TSE, “a publicação
das informações da Justiça Eleitoral encontra-se igualmente vinculada ao
contexto de disseminação de notícias fraudulentas acerca do sistema de votação
brasileiro, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência
do Poder Judiciário e o Estado de Direito”.
É realmente desolador que o presidente da
República use suas redes sociais para divulgar informação reservada. Nota-se um
completo desleixo com a lei. Tudo isso é ainda mais estranho quando se observa,
por exemplo, que a defesa do filho mais velho de Jair Bolsonaro no caso das
rachadinhas está centrada na questão do sigilo fiscal e bancário.
São dois pesos e duas medidas. Em relação a
determinados casos, a família Bolsonaro exige um estrito respeito ao caráter
reservado das informações. Em outras situações, o documento sigiloso é
divulgado na conta do Twitter de Jair Bolsonaro.
Observa-se um sentimento de impunidade,
como se pudesse agir como bem entendesse, sem precisar responder por seus atos.
Quando confrontado com a lei, Jair Bolsonaro alega exercício de liberdade de
expressão. No ano passado, ao ser inquirido sobre as suspeitas do envolvimento
do seu filho Carlos na produção e difusão de fake news, Jair Bolsonaro respondeu indignado: “Meu
Deus do céu! Isso é liberdade de expressão”.
Recentemente, Jair Bolsonaro voltou a
repetir o falso argumento. Em resposta a questionamentos do STF e do TSE sobre
as acusações sem prova contra as urnas eletrônicas, a Secretaria-Geral da
Presidência e a Advocacia-Geral da União alegaram que se tratava de exercício
de liberdade de expressão por parte do presidente da República.
Para calar os críticos do governo, Jair
Bolsonaro quer a aplicação autoritária da Lei de Segurança Nacional. Em relação
a si mesmo, pensa que pode passar por cima do Código Penal.
Cipoal legislativo e ambiente de negócios
O Estado de S. Paulo
Segundo estudo, desde 1950 a máquina governamental criou 94,8 mil leis federais
Apesar de já ter contado no passado com um
Ministério da Desburocratização e com ministros com formação liberal que
defendiam a substituição da intervenção estatal na vida econômica e política
pela autorregulação, o Brasil jamais conseguiu deter a fúria legiferante da
máquina governamental. Essa é a conclusão de um levantamento feito pela RegBR,
uma plataforma recentemente lançada pela Escola Nacional de Administração
Pública (Enap).
Segundo o estudo, desde 1950 a máquina
governamental criou 94,8 mil leis federais. Somente nos setores de transporte e
de armazenamento, que são os mais regulados da economia brasileira, foram 46,5
mil textos legais. Em seguida vêm os setores de extração e de atividades
profissionais, científicas e técnicas, com 8,5 mil e 6,4 mil leis,
respectivamente. Ao todo, o levantamento da RegBR levou em conta 17 setores
regulados.
Já pelas estimativas dos órgãos técnicos da
Câmara e do Senado, ao todo o País dispõe de mais de 180 mil leis federais.
Somadas com as legislações municipais e estaduais, ao todo são 5,5 milhões de
leis. Além desse número estarrecedor, a qualidade dessas leis deixa a desejar,
uma vez que muitas delas são mal escritas ou ambíguas, disseminando insegurança
jurídica. Pela Constituição, nenhum cidadão pode alegar, em sua defesa, o
desconhecimento das leis. No entanto, é virtualmente impossível que ele saiba
se está cumprindo as 180 mil leis editadas pela União.
Entre os fatores que deflagraram essa fúria
legiferante, quatro merecem destaque. O primeiro fator foi o agravamento da
inflação entre as décadas de 1980 e 1990, que exigiu mudanças jurídicas para
evitar corridas bancárias e preservar o sistema financeiro. O segundo fator foi
a promulgação da Constituição em outubro de 1988, que exigiu uma série de leis
complementares, regulamentando as inovações constitucionais. O terceiro fator
foi a substituição das antigas autarquias, que promoviam intervenção direta na
vida econômica brasileira, pelas agências reguladoras, que foram criadas pelo
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002, com o
objetivo de promover intervenção indireta, fomentando a concorrência e o livre
jogo de mercado. O quarto fator foram os apagões de energia elétrica e a
necessidade de racionalização, entre os anos de 2001 e 2004, que exigiram uma
reforma jurídica do setor elétrico e a criação da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel).
Com a estabilização da economia nas duas
primeiras décadas do século 21, o ritmo de criação de leis diminuiu. O problema
é que essas leis foram criadas para dar conta de problemas específicos. Embora
a maioria desses problemas tenha sido resolvida, as leis não foram revogadas.
Continuaram em vigor e, com o tempo, passaram a receber novas interpretações de
órgãos administrativos e de tribunais, que mudaram seu significado e
alcance.
Do mesmo modo como a inflação econômica
corrói o valor da moeda, prejudicando produtores e consumidores, a inflação
normativa corrói a certeza jurídica. Com isso, ela mina um dos valores do
ordenamento democrático, que é a segurança das expectativas. Por consequência,
desestimula o empresariado a investir e ainda tende a provocar uma explosão de
litígios nos tribunais, levando à judicialização da vida econômica e
política.
É por isso que o País há muito tempo está
nas últimas posições das pesquisas sobre ambiente institucional para negócios
promovida por organismos multilaterais. Segundo a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ocupa a 46.ª colocação em termos de
desempenho regulatório, em um total de 48 países analisados. Como a segurança
jurídica é uma das condições para a atração de investimentos e a retomada da
economia, ao mapear o número de leis e desenvolver mecanismos de análise de
impacto regulatório, a Enap está dando uma contribuição importante para deter o
crescimento do cipoal legislativo e, com isso, melhorar o ambiente de negócios
nacional.
A pior opção
Folha de S. Paulo
Parcelar precatórios e driblar teto é meio
mais deletério de lidar com restrição
Não bastassem os repetidos ensaios de burla
aos limites fiscais emitidos pelo governo, com enormes custos para a
credibilidade da política econômica, o surgimento de uma conta exorbitante de
precatórios judiciais acentua ainda mais os desafios em torno da definição do
Orçamento do próximo ano.
Os precatórios são despesas oriundas de decisões
transitadas em julgado contrárias ao erário, que passam a ser uma obrigação
líquida e certa. O montante, no caso da União, vem crescendo de forma acelerada
nos últimos anos.
A cifra a ser paga em 2022, calculada no
final de julho, atingirá R$ 89 bilhões —são R$ 34 bilhões a mais que neste ano.
Como esses gastos estão incluídos no teto inscrito da Constituição, o espaço
para outras rubricas se comprime.
A escalada tem causas que não foram
adequadamente enfrentadas pelo governo federal. Não se trata de um meteoro,
como quer o ministro da Economia, Paulo Guedes. Decerto é preciso investigar e
enfrentar tais motivos, mas o problema imediato diz respeito ao Orçamento de
2022. Há três possibilidades básicas de tratar o tema.
A primeira, mais correta, é encaixar o
salto dos precatórios no limite atual de despesas federais. Mas nesse caso não
seria possível, por exemplo, manter o mesmo montante de emendas parlamentares
ou ampliar o Bolsa Família sem um redesenho de outros programas.
A segunda seria reconhecer que o governo
tem pouco controle sobre os precatórios e, não sem controvérsia, classificá-los
no todo ou em parte como dívidas.
Isso implicaria retirar essa rubrica do
teto, ajustando para baixo os limites de modo a não criar oportunidade para
mais desembolsos no ano eleitoral. Ainda assim, porém, haveria risco
considerável para a credibilidade fiscal.
O último e pior caminho foi
o proposto pelo governo —manter os precatórios sob o teto, mas
parcelar os maiores e impor um percentual da receita para esses gastos, o que
permite chamar a medida de calote e pedalada.
Para piorar, aventa-se a criação de um
fundo para antecipar o pagamento dos precatórios parcelados com recursos
oriundos de privatizações e dividendos de estatais, o que pode abrir espaço
para o aumento de despesas correntes.
Um governo visto como responsável poderia
conduzir esse debate sem maiores sobressaltos —o que não é o caso agora, como
mostram a disparada dos juros e a desvalorização do real nas
últimas semanas.
Espera-se que o Congresso não embarque em
aventuras que trariam enormes custos para o país. Bolsonaro, que quer gastar
para se reeleger, deve ser enquadrado nos limites constitucionais também no que
diz respeito ao Orçamento.
Escândalo democrata
Folha de S. Paulo
Renúncia de governador de NY acusado de
assédio pode oxigenar partido e política
O democrata Andrew Cuomo tentou evitar a
renúncia, mas
não resistiu diante da proporção que tomaram os escândalos em sua
administração como governador do estado de Nova York.
Entre as polêmicas que o atingiram, as mais
ruidosas foram as acusações de assédio sexual por parte de 11 mulheres,
reforçadas por um relatório encomendado pela procuradora-geral Letitia James a
investigadores independentes.
As denúncias mais graves referem-se a
beijos e toques não consentidos; outras funcionárias relatam que comentários
sugestivos ou perguntas do político sobre assuntos sexuais criavam um ambiente
de trabalho tóxico.
Cuomo nega os avanços inapropriados e
afirma que não tinha intenção de assediar com seus comentários. Beira o
ridículo sua afirmação, pós-#MeToo, de que pensava não ter cruzado nenhuma
linha —as linhas teriam sido redesenhadas, segundo suas palavras.
É como se no passado as mulheres tomassem
parte com prazer nesse tipo de relação imposta por um homem poderoso, em vez de
simplesmente tolerá-la para não verem destruídas suas carreiras.
Cuomo talvez tenha imaginado que suas
credenciais democratas o protegeriam das acusações. Ainda que pressionado por
correligionários à esquerda, o agora ex-governador viabilizou realizações
importantes como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a legalização da
maconha e o aumento do salário mínimo.
Durante a pandemia foi elogiado por suas
políticas sanitárias, enquanto o presidente republicano Donald Trump seguia o
roteiro do negacionismo. Quase diariamente era entrevistado ao vivo na CNN por
seu irmão Chris Cuomo, divulgando os feitos de sua gestão.
Entretanto acusações de que seu governo
teria ocultado mortes em asilos e desviado testes para familiares macularam seu
legado.
De família de políticos, Cuomo administrou
de forma impetuosa, sem grande diálogo com o Legislativo estadual. Sua saída,
após mais de uma década, abre espaço a maior diversidade de candidatos ao
posto, a começar pela vice, que assume no dia 24, Kathy Hochul.
Também estão cotados a própria procuradora Letitia James, mulher e negra, o prefeito de Nova York, Bill DeBlasio, e o defensor público negro Jumaane D. Williams. Em qualquer hipótese, o caso parece contribuir para a oxigenação do partido e da política americana.
A necessidade de avançar logo, e sem
pressão, no 5G
Valor Econômico
O governo Bolsonaro, felizmente, livrou-se
de extremismos ideológicos na questão
Barack Obama prometeu o fim da Doutrina
Monroe - “A América para os americanos” - e teve a oportunidade de aprofundar a
relação Estados Unidos-Brasil, mas ficou marcado pela entrega de um escândalo
cibernético que incluía bisbilhotagem de segredos da Petrobras e até grampos no
telefone via satélite do avião presidencial. Donald Trump foi agraciado com uma
série de concessões unilaterais por seu admirador no Palácio do Planalto, mas
foi incapaz de atuar decisivamente em prol da adesão brasileira à Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Joe Biden já demonstra
a dificuldade de sucessivas administrações americanas, independentemente da
coloração na Casa Branca, em assentar trilhos que permitam um salto adiante na
parceria bilateral.
Expressão do desalinhamento foi o aceno
feito pelo conselheiro de segurança nacional do governo Biden, Jake Sullivan,
durante sua passagem por Brasília. A fim de pressionar por restrições à
participação da chinesa Huawei na venda de equipamentos para a infraestrutura
de 5G, Sullivan jogou as iscas erradas. O enviado de Washington falou vagamente
em apoiar a entrada do Brasil na OCDE, mas sem se comprometer com nenhum
movimento mais sólido, e aventou a possibilidade de transformar o Brasil em um
parceiro global da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Segundo
relatos divulgados após a rodada de reuniões, ele teria vinculado essas ofertas
à opção no 5G.
Poucos dias depois da passagem de Sullivan
pelo Planalto Central, a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU)
finalizou sua análise do edital do leilão de frequências para a quinta geração
de telefonia celular, que deverá ocorrer até o fim do ano. O relatório propõe,
entre outros pontos, a exclusão da exigência de que seja construída uma rede
privativa de comunicação do governo. Os ministros do órgão de controle
pretendem deliberar sobre o tema nesta quarta-feira.
Acertadamente, a gestão Bolsonaro fugiu de
pressões pelo banimento da Huawei, como Austrália, Japão e Reino Unido, entre
outros países. Especificações definidas pelo Ministério das Comunicações,
porém, tiram a fornecedora chinesa da rede de uso exclusivo oficial. Foi uma
boa solução, que evita um desnecessário estremecimento com Pequim e tende a
proteger comunicações mais sensíveis.
“A gente não vai entrar no meio dessa
guerra entre EUA e China”, afirmou, em audiência pública na Câmara dos
Deputados, o ministro Fábio Faria. “Temos restrições apenas na rede privativa
do governo, em que colocamos algumas especificações, porque entendemos ser uma
rede sensível, mas não na rede ampla”, acrescentou, em relação à rede comercial
do 5G, que atenderá usuários e empresas. Faria reconheceu, na audiência, que
não há como garantir que equipamentos de rede de qualquer fornecedor não venham
com backdoor - ou seja, com um dispositivo que permita espionagem. Na rede
privativa, serão usados equipamentos de apenas um fornecedor, para que seja
menos inviável responsabilizar invasões ou vazamentos.
Não dá mais para adiar o leilão do 5G. As
operadoras que arrematarem as licenças precisam iniciar a operação das redes em
31 de julho de 2022. Cada mês de atraso nesse cronograma, como reflexo da
dificuldade em realizar o certame, representa uma perda de R$ 2,8 bilhões à
economia brasileira, segundo cálculos da consultoria Telecom Advisory.
O governo Bolsonaro, felizmente, livrou-se
de extremismos ideológicos na questão do 5G, com a saída de ministros que
deveriam zelar pelas boas relações exteriores, mas apregoavam veto total à
Huawei, ignorando consequências negativas e iludindo-se sobre o nível da
parceria Brasília-Washington. A solução encaminhada, com uma rede privativa,
consegue equilibrar minimamente interesses e insatisfações. Se o TCU determinar
mudanças nesse ponto, em sua iminente decisão, poderá não apenas atrasar a
chegada da tecnologia ao Brasil, mas também estimular uma nova rodada de
pressão internacional sobre o país.
Para barrar o avanço de adversários e
promover fornecedores de sua simpatia nas futuras redes de telecomunicações, os
Estados Unidos deveriam adotar uma posição mais pragmática. No lugar de acenos
vazios, como as reiteradas promessas de empurrão na OCDE, ou de ofertas com
impacto econômico questionável, como as portas supostamente abertas na Otan,
podem ter resultado mais efetivo - para os dois lados - o financiamento barato
às teles para compra de equipamentos e incentivos à produção local de
componentes.
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