EDITORIAIS
O risco maior
Folha de S. Paulo
Descrédito do teto e alta dos juros geram
temor de que dívida do governo volte a crescer sem freio
Ao elevar a taxa básica
de juros de 6,25% para 7,75% ao ano, o Banco Central anunciou
que a economia brasileira será abatida pela onda mais agressiva de aperto
monetário em quase duas décadas.
Pelo que se depreende da leitura do
comunicado divulgado pela instituição nesta quarta-feira (27), pode ser ainda
pior. A taxa Selic deve ir a pelo menos 9,25% em dezembro, com outro aumento de
1,5 ponto percentual.
Até esta semana, o ritmo de incremento era
de 1 ponto, já em marcha forçada para conter a inflação, que surpreende desde o
segundo trimestre. O passo pode ser acelerado ainda outra vez em caso de
descontrole das expectativas econômicas.
O risco maior é de descrédito das normas
que estipulam um limite para a despesa federal e que em certa medida contêm o
crescimento da dívida pública. Jair Bolsonaro, com a aprovação de seu ministro
da Economia, Paulo Guedes, trabalha pela revisão do
teto de gastos.
O Banco Central deu a entender que não tem
como certa a aprovação da emenda constitucional que aumenta o teto. A
aceleração do ritmo da Selic agora seria apenas para conter o estrago já feito
pelos planos irresponsáveis de Bolsonaro e Guedes.
Disseminou-se ainda mais a impressão de que nem mesmo regras inscritas na Constituição, como a do teto, reprimem o descuido com as contas públicas. Renovou-se o temor de que a dívida do governo volte a crescer sem freio, como entre 2014 e 2017.
A dívida federal aumentou de modo
expressivo, mas em tese passageiro, durante a epidemia. A inflação mais alta do
que se esperava elevou o custo de financiá-la, pois provocou aumento das taxas
de juros. Agora, todos esses problemas se realimentam.
O choque inflacionário mundial continua,
agravado pela desvalorização do real, em parte devida aos desatinos de
Bolsonaro. O aumento de gastos e o desmonte do teto contribuem para piorar as
expectativas inflacionárias. Tal degradação pressiona os juros e leva o BC a
acelerar a Selic. A dívida aumenta e os juros altos encarecem ainda mais seu
financiamento.
O governo deficitário não consegue nem ao
menos pagar suas despesas básicas com a receita disponível. A conta de juros,
não paga e cada vez maior, se acumula na pilha de dívidas. O passivo aumenta
também em relação ao tamanho da economia, que deve permanecer estagnada em
2022.
Em resumo, é esse processo que gera temores
de descontrole da dívida. Um limite crível para o gasto público, qualquer que
seja sua versão, contribuiria para desanuviar o ambiente. Sem tal controle,
resta a espiral que realimenta a degradação.
Ao relento
Folha de S. Paulo
Em busca de refúgio no Brasil, venezuelanos
viram objeto de exploração eleitoreira por Bolsonaro
Embora goste de propagandear o apoio
prestado pelo Brasil aos venezuelanos que fogem da catastrófica ditadura
chavista, Jair Bolsonaro não se mostra muito preocupado com a dramática
situação que milhares desses refugiados e migrantes enfrentam
em Roraima.
Como se viu na sua recente viagem ao
estado, quando visitou um centro de acolhida em Boa Vista, as atenções do
presidente estão todas voltadas para as eleições de 2022, quando buscará novo
mandato.
Diante das famílias ali abrigadas,
Bolsonaro retomou sua pregação sobre uma fantasiosa ameaça socialista ao
Brasil. Conforme a litania presidencial, uma vitória da esquerda no pleito do
ano que vem poderá levar o país a um caos social e econômico similar ao vivido
hoje pela Venezuela.
"A gente não quer isso para o nosso
país", afirmou. "As escolhas erradas levam a isso", acrescentou,
em meio a menções ao Foro de São Paulo, fantasmagoria recorrente no discurso do
mandatário.
O objetivo de Bolsonaro com sua retórica é,
claro, açular o sentimento
antipetista que impulsionou sua candidatura na campanha de
2018. A repetição do estratagema, contudo, apenas trai um governante que tem
pouco ou nada para mostrar além do descalabro engendrado nos últimos três anos.
Preterida pela fala do presidente, a
situação dos venezuelanos em Roraima constitui uma crise humanitária que não
pode ser ignorada.
Em Boa Vista, além dos mais de 6.700
refugiados que vivem nos abrigos da Operação Acolhida, liderada pelo Exército,
existem cerca de 1.800 venezuelanos desabrigados, parte deles dormindo nas ruas
da cidade, segundo a Organização Internacional de Migrações.
Na fronteira com a Venezuela, em Pacaraima,
cidade que foi excluída do roteiro presidencial na última hora, o quadro
é ainda mais
preocupante. Nesse município de 18 mil habitantes, vivem 4.225
venezuelanos desabrigados, dos quais 2.330 pernoitam em calçadas e embaixo de
marquises.
Os números escancaram a necessidade urgente
de aumento das equipes e melhoria da estrutura de atendimento nos locais de
abrigo.
A exploração politiqueira do sofrimento dos
refugiados venezuelanos pode até se ajustar bem ao figurino do candidato à
reeleição. Como presidente, compete a Bolsonaro a tarefa de fortalecer o
programa de acolhimento em Roraima para que cumpra adequadamente seus objetivos
humanitários.
Banco Central joga duro para tentar levar
inflação à meta
O Estado de S. Paulo
Contra a crescente desordem dos preços, o Banco Central impõe, em suas palavras, uma política ‘ainda mais contracionista’
Para derrubar a inflação, o Banco Central
(BC) poderá abater também a economia, eliminando a pouca expansão estimada
pelos mais otimistas ou aprofundando a recessão esperada por grandes
instituições do mercado para 2022. Ao elevar os juros básicos para 7,75%, o
Copom, Comitê de Política Monetária da instituição, determinou uma alta de 1,5
ponto porcentual, a maior desde dezembro de 2002, quando a taxa passou de 22%
para 25%. A ideia de manter algum estímulo ao crescimento já havia sido
abandonada em reuniões anteriores. O objetivo, agora, é tentar levar a inflação
à meta mesmo com grande perda para a atividade econômica.
A decisão anunciada no começo da noite de
quarta-feira foi uma evidente reação a dois fatos. O primeiro, mencionado no
informe divulgado logo depois da reunião do Copom, foi a forte aceleração da
alta de preços nos últimos meses. Essa alta, segundo o texto, foi mais forte do
que se esperava. O segundo, embora evidente, ficou apenas implícito no
comunicado.
O novo aperto da política monetária é, no
entanto, uma clara resposta à destruição do teto de gastos determinada pelo
presidente Jair Bolsonaro e apoiada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. No
comunicado há apenas uma referência, já presente em outros informes, aos
perigos associados a “políticas fiscais de resposta à pandemia”.
A mensagem mais forte e inequívoca aparece
em outro parágrafo. Segundo o Copom, o aperto monetário avançará “ainda mais no
território contracionista”. Na ata publicada em setembro, depois da reunião
periódica do Comitê, a palavra “contracionista” apareceu várias vezes. Na
referência mais dramática, o ritmo de ajuste foi descrito como suficiente para
atingir um “patamar significativamente contracionista” e levar a inflação à meta
em 2022. Essa meta está fixada em 3,25%, mas as projeções correntes apontam um
resultado superior a 4%.
Diante da acelerada alta de preços e da
devastação das condições fiscais, o Copom, formado por dirigentes do BC, mostra
disposição de cumprir, mesmo com elevado custo econômico no curto prazo, o
compromisso formulado em agosto pelo presidente da instituição, Roberto Campos
Neto. Nessa ocasião ele apontou como prioridade voltar a alcançar a meta a
partir do próximo ano. O BC, assegurou, tem instrumentos para isso.
Com ou sem instrumentos suficientes para
essa tarefa, o BC, neste momento, é a única entidade federal empenhada em
evitar o desarranjo total do sistema de preços. O presidente mostra-se disposto
a gastar o necessário, segundo seu juízo, para garantir sua reeleição em 2022.
Tem a cumplicidade do ministro da Economia e, para buscar seus objetivos, terá
de usar muito dinheiro, no caminho, para manter a fidelidade do Centrão.
Ao promover o desgoverno, o presidente
compromete os fundamentos da economia, cria insegurança entre os investidores,
afeta as expectativas em relação aos preços, desajusta o câmbio e realimenta a
inflação, além de ampliar os entraves ao crescimento e ao emprego.
Esse comportamento poderá neutralizar boa
parte do esforço do Copom para conter a alta de preços e conduzila à meta. A
cada novo desmando, a cada palavra errada, os financiadores do Tesouro poderão
cobrar mais caro. Ao mesmo tempo, o desarranjo cambial aumentará a inflação.
Sem meios para enquadrar Bolsonaro, o BC
terá dificuldades, também, para cuidar dos efeitos de outros fatores
inflacionários, como o encarecimento da energia, turbinado pela imprevidência
das autoridades, e os desarranjos da cadeia global de produção e suprimento.
O Copom já indicou como provável, em sua
reunião de dezembro, o acréscimo de mais 1,5 ponto à taxa básica de juros. Se
isso se confirmar, essa taxa alcançará 9,25% antes do réveillon. Isso afetará o
sistema de crédito, impondo uma nova freada aos negócios. As micro e pequenas
empresas serão as mais afetadas, assim como os consumidores pobres. De novo, o
custo maior das decisões tomadas em Brasília – nesse caso, numa tentativa de
superação de problemas – irá para os mais vulneráveis.
O custo da paralisação de obras
O Estado de S. Paulo
Obras paradas custam caro. Com a pandemia,
a retomada se mostra especialmente importante para estimular a economia e gerar
empregos
Obras paradas multiplicam custos. Além do
ônus para a sociedade de não receber os benefícios previstos no tempo previsto,
a retomada impõe custos adicionais para remediar os desgastes, e a outra opção,
o abandono, lança por água abaixo os recursos investidos até então.
Até o primeiro trimestre de 2021, o
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo identificou 1.156 obras paralisadas
ou atrasadas no Estado, representando um total de quase R$ 25,5 bilhões
contratados. As obras paralisadas somam 646 e as atrasadas, 510.
Deste total, 252 (21,8%) são relativas a
obras em universidades, escolas e outros institutos de educação; 172 (14,8%)
são de equipamentos urbanos, como praças e quadras; 111 (9%) na área de saúde;
e 69 (6%) em vias urbanas. Além disso, há diversos atrasos e paralisações em
ferrovias e metrôs, esgotamento sanitário e abastecimento de água ou segurança
pública. Quase 85% das obras são de responsabilidade dos municípios, mas mais
de 90% dos recursos investidos são do Estado, via convênios.
Um levantamento do Tribunal de Contas da
União (TCU) de 2019 estimou que, dos mais de 38 mil contratos de obras da
União, cerca de 14 mil (38%), perfazendo um total de R$ 144 bilhões, estavam
paralisados.
As causas das paralisações e atrasos tanto
em âmbito federal quanto regional são similares: falhas de projeto, indisponibilidade
de recursos e disparidades entre os requisitos e procedimentos das partes dos
convênios. Em linhas gerais, o TCU enfatiza a necessidade de melhor
planejamento por parte das concessionárias e melhor triagem por parte do poder
público. Entre as linhas de ação propostas pelo Tribunal estão o envolvimento
da sociedade e partes interessadas no acompanhamento das obras públicas; mais
transparência nos dados; a divulgação e premiação de iniciativas de sucesso; e
a promoção de debates sobre o enfrentamento de problemas crônicos.
A consolidação dos dados é essencial. Em
junho, o TCU alertou que, dos cerca de 38 mil contratos da União, mais de 11
mil obras “desapareceram” dos bancos de dados do governo federal, em especial
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um apagão estatístico
gravíssimo.
Boa parte dos atrasos e paralisações deriva
da falta de capacidade técnica, sobretudo dos municípios menores, de executar
os projetos. Uma das estratégias para suprir esse déficit é promover consórcios
entre os municípios e parcerias com o setor privado.
Vale lembrar que, no caso da União, por
exemplo, cerca de 10% dos óbices se referem a objeções dos próprios Tribunais
de Contas ou problemas jurídicos. Frequentemente, a lentidão dos órgãos
públicos em encontrar soluções jurídicas razoáveis gera procrastinações e
prejuízos. Uma ação coordenada do Judiciário para racionalizar a jurisprudência
e padronizar procedimentos poderia mitigar muitos desses problemas.
Desde 2019 a Câmara dos Deputados conta com
uma comissão para acompanhar a execução de obras inacabadas. É um modelo a ser
emulado pelas Assembleias estaduais. No caso de São Paulo, em especial, o
Tribunal de Contas disponibiliza o Painel de Obras Atrasadas ou Paralisadas e
um aplicativo pelo qual os cidadãos podem denunciar irregularidades no emprego
de recursos públicos. O Ministério da Economia e as Secretarias da Fazenda
estaduais também poderiam contar com fóruns permanentes para avaliar as
principais causas de paralisações e identificar soluções.
Os incontáveis esqueletos de concreto
espalhados pelo País são verdadeiros monumentos à ineficiência e à
irresponsabilidade do poder público. A paralisação das obras não apenas implica
a falta de atendimento às demandas da sociedade e o desperdício de investimentos
públicos, mas também a perda de oportunidades de emprego. Toda obra retomada
implica algum estímulo à atividade econômica, dados os seus efeitos sobre
outros segmentos, como o comércio. Ante a crise econômica e os impactos sobre o
mercado de trabalho precipitados pela pandemia, a necessidade de retomar as
obras paralisadas se tornou ainda mais premente.
BC dá recado ao governo com a alta dos
juros
O Globo
A alta de 1,5 ponto percentual na taxa
básica de juros — de 6,25% para 7,75% — foi a maior desde 2002 e recolocou o
Brasil na incômoda posição de país com os maiores juros reais do planeta. A
decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) traz
recados essenciais aos universos das finanças e da política, em particular ao
Congresso e ao presidente Jair Bolsonaro.
Para o mercado financeiro, a mensagem é
direta: a autoridade monetária não abandonou o objetivo de levar a inflação
para perto da meta em 2022. Quem achava que o BC passaria a mirar somente em
2023 se enganou. Talvez não tenha sido uma alta tão robusta quanto alguns
gostariam, mas o sentido é claro. Com autonomia garantida na Constituição, o BC
se tornou a principal — senão única — trincheira de defesa do poder de compra
da moeda.
Para o Congresso, o aumento serve de aviso.
Caso os parlamentares comandados pelo Centrão aprovem o estouro do teto de
gastos, serão responsáveis não apenas pela recessão que esta e futuras altas
dos juros possivelmente provocarão, mas por muito mais. A perspectiva de que os
parlamentares deem ao governo uma “licença para matar” o arcabouço que ordena o
aumento das despesas públicas, tendo o controle do endividamento como norte,
tem feito economistas voltarem a falar de conceitos que andavam esquecidos —
todos eles usados para descrever situações dramáticas para o país.
Voltou a preocupá-los a “dominância
fiscal”, condição em que a desconfiança nas contas públicas é tanta que os
preços não reagem mais aos movimentos nos juros. Outro é a “insolvência”, a
incapacidade do Estado de arcar com seus compromissos de pagamento. Em evento na
terça-feira, Cassiana Fernandez, economista-chefe do banco J.P. Morgan,
comentou que investidores voltaram a perguntar sobre a solvência da dívida
brasileira. Está implícito nesse questionamento o medo de uma nova crise da
dívida. Economistas ainda temem a ressurreição da “estagflação”, imagem usada
para descrever a triste mistura de estagnação econômica e inflação alta, algo
improvável, mas que a atual administração parece perseguir com suas ações
desastradas.
A chance de que algum desses cenários venha
a se materializar não é consenso. Mas o mero fato de terem voltado a povoar as
conversas é grave. A base parlamentar que dá sustentação ao governo no
Congresso tem o dever de não implodir o teto de gastos para autorizar o governo
a pendurar o pagamento de dívidas sobre as quais já não há possibilidade de
contestação na Justiça, os precatórios. Seria uma traição ao povo brasileiro
abrir a porteira da gastança pública a um ano de uma eleição presidencial. A
conta não demorará a chegar.
Para o governo Bolsonaro, a trajetória de
alta nos juros traz uma mensagem que nada tem de novo, mas nem por isso deixa
de ser verdadeira. É a lembrança de que não há política monetária que resista
ao descontrole fiscal. Se Bolsonaro seguir adiante com o plano de deixar o BC
sozinho lutando contra a alta de preços, corre até o risco de não disputar o
segundo turno das eleições do ano que vem. Que ele é um populista com zero
conhecimento de economia, é fato sabido. Se persistir na gastança, provará
novamente que não tem um pingo de juízo.
Atitudes homofóbicas e racistas precisam
ser banidas do esporte
O Globo
Ainda que sob pressão dos patrocinadores,
fez bem o Minas Tênis Clube em reagir às declarações homofóbicas do jogador de
vôlei Maurício Souza, impedindo que o preconceito saísse vitorioso. Na
quarta-feira, diante da repercussão do caso, foi anunciada a rescisão do
contrato com o atleta, que integra a seleção brasileira e disputou a Olimpíada
de Tóquio.
No dia 12 de outubro, Maurício publicou no
Instagram comentário em tom preconceituoso sobre anúncio feito pela DC Comics
de que o novo Super-Homem, filho de Clark Kent, se assumiria bissexual. A peça
era ilustrada por um beijo gay. “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa
que vai ver onde vamos parar”, escreveu.
A mensagem causou indignação entre seus
próprios pares. Em entrevista ao GLOBO, o técnico da equipe brasileira de
vôlei, Renan Dal Zotto, disse que as portas estavam fechadas para Maurício: “Em
se tratando de seleção brasileira, não tem espaço para profissionais
homofóbicos”. Douglas Souza, companheiro de seleção e homossexual assumido,
elogiou o desligamento: “Homofobia é crime, não opinião”.
Um exemplo de como essas atitudes
descabidas ainda são tratadas com leniência pelos clubes é a própria sequência
dos fatos. De início, o Minas decidiu afastar Maurício, multá-lo e exigir
retratação. Os patrocinadores, Fiat e Gerdau, jogaram duro, e o clube acabou
por anunciar, duas semanas depois da postagem, o desligamento do atleta.
Ao tentar fazer uma retratação mambembe,
que embutia o próprio preconceito, Maurício invocou a liberdade de opinião.
Numa rede social, o senador Flávio Bolsonaro repetiu o mesmo argumento e
convocou seguidores a boicotar os patrocinadores do Minas Tênis. Não se deve
confundir liberdade de expressão com licença para violar a lei e cometer
delitos. Em junho de 2019, o STF equiparou as atitudes homofóbicas e
transfóbicas ao crime de racismo, previsto na Lei 7.716/1989, com pena de um a
cinco anos de prisão.
É lamentável que comportamentos homofóbicos
e racistas continuem presentes em estádios, ginásios e arenas. Em agosto de
2019, na partida entre Vasco e São Paulo, em São Januário, torcedores vascaínos
atacaram jogadores adversários com xingamentos homofóbicos. Fato raro, o
árbitro interrompeu a partida e pediu que a torcida parasse, como passou a
recomendar o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Não se devem mesmo
aceitar essas atitudes lamentáveis.
De positivo, fica a reação veemente da
sociedade. As paixões que envolvem os esportes não podem encobrir
comportamentos irracionais, inadmissíveis em pleno século XXI. Atitudes
racistas e homofóbicas precisam ser banidas. Ao mesmo tempo, o esporte
necessita de mais nomes como os americanos Carl Nassib (futebol americano) e
Jason Collins (basquete), o australiano Josh Cavallo (futebol), a brasileira
Marta e o próprio Douglas — que tiveram a coragem de assumir a homossexualidade
e dar exemplo na luta contra o preconceito que, infelizmente, ainda macula
esportistas como Maurício.
Dólar e juros sobem após Copom aumentar a
Selic
Valor Econômico
Bolsonaro ganhou uma base de apoio
perdulária
O Banco Central não hesitou em aumentar
para 1,5 ponto percentual o ritmo de ajuste da taxa de juros básica diante da
evidente “deterioração no balanço de riscos e do aumento de suas projeções”. A
magnitude da alta procurou fugir das interpretações de que o BC estaria sendo
complacente diante dos efeitos da maior investida contra o teto de gastos até
agora, sem, entretanto, validar um choque inusualmente forte, de 2 a 3 pontos
percentuais. Os riscos fiscais, ou a ausência da âncora fiscal, estão no
comando das perspectivas da autoridade monetária. Para o tamanho da
instabilidade criada pelo furo do teto, o Copom abusou do eufemismo: “Os
recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de
desancoragem das expectativas de inflação”, diz seu comunicado.
No dia seguinte ao aumento dos juros, que
deverá empurrar a taxa Selic a dois dígitos logo no início de 2022, o dólar
subiu bastante (1,25%), fechou a R$ 5,62, enquanto que as taxas de juros de
médio prazo, entre 2023 e 2027, subiram até 0,8 ponto, algo diferente do que se
seria de se esperar. O motivo, mais uma vez, estava nas pressões fiscais
adicionais, que dirige as expectativas.
A PEC dos Precatórios (23/2021), que
estabelece o calote de dívidas reconhecidas pela Justiça transitadas em julgado
e o inscreve na Constituição, e que modifica o prazo de aplicação do indexador
do teto de gastos, está enfrentando dificuldades na Câmara. Após passar pela
Comissão Especial, sua votação foi adiada para 3 de novembro.
A resistência à PEC é uma boa nova, já que
a proposta não tem nenhuma virtude. Abre R$ 94 bilhões de gastos fora do teto -
com pagamento de R$ 400 para o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, R$
15 bilhões para gastos variados, que poderão cobrir o auxílio aos caminhoneiros
- e ainda deixa espaço para demanda de R$ 16 bilhões de emendas do relator e
elevação de R$ 2 bilhões para R$ 5 bilhões do fundo eleitoral. Há mais: Refis
previdenciário para os municípios e maior facilidade para fugir da regra de
ouro mudando ritual de aprovação de créditos suplementares.
Isto tudo compõe os “questionamentos em
relação ao arcabouço fiscal” mencionados pelo Copom. Ontem surgiu uma alternativa
à PEC. Segundo o líder do Centrão e ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira
(PP-PI), se a emenda constitucional dos precatórios não for aprovada, o governo
estenderá o auxílio emergencial, que não se limita aos atendidos pelo Bolsa
Família e que expira no domingo. Ele seria feito por crédito extraordinário ou
a decretação do estado de calamidade, ambas justificativas inadequadas para o
caso, mas embaladas como resposta urgente a um drama social evidente nas ruas
das grandes cidades.
A conta da extensão poderia chegar aos R$
80 bilhões fora do teto, mas há diferença de fundo importantes, entre as duas
propostas. A segunda evita que o calote seja inscrito na Constituição. Mas,
como disse o presidente Jair Bolsonaro, “nada é tão ruim que não possa piorar”,
os deputados ainda buscam uma saída para o fim do auxílio emergencial, com
caminho parecido ao indicado por Nogueira. Se a PEC dos precatórios não passar,
o teto é remendado e segue em frente. Mas é possível que o Centrão jogue nas
duas medidas, pois precisa das emendas do relator e do grande esticão nos
recursos do fundo eleitoral.
As pressões sobre os juros decorrentes das
incertezas fiscais e o aumento da Selic elevam o custo do endividamento
público, embora sejam armas contra a inflação. Mas desde as primeiras badernas
autoritárias de Bolsonaro é o avanço do dólar um dos principais impulsos à
inflação e é provável que o câmbio continue muito instável agora e mais à
frente, diante do futuro imprevisível de uma eleição presidencial de início
polarizada. A coincidência do calendário eleitoral com o início do aperto da
política monetária nos EUA é desfavorável ao trabalho do BC.
Alguma estabilidade no câmbio e nos preços
das commodities podem ajudar a inflação a ceder, mas não são muito prováveis no
curto prazo. Sobra o aumento de juros, que retirará ritmo de uma economia já
com baixo fôlego. Com todos seus condicionantes, o BC deixou claro que irá até
onde for preciso para reduzir a inflação, mas com cautela para evitar
‘overshootings’. O custo da aliança eleitoral de Bolsonaro para o país será
alto. Ficou para trás, como mais uma das tolices da análise política, a tese de
que, com o Centrão ao lado do presidente, seria mais fácil aprovar as reformas.
Bolsonaro ganhou uma base de apoio perdulária.
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