sexta-feira, 29 de outubro de 2021

César Felício - Bolsonaro com poucas cartas na mão

Valor Econômico

Alta de juros freia não só a inflação como a renda do eleitor

De todas as variáveis da economia que podem afetar uma eleição presidencial, a alta da inflação parece a mais letal. Oposicionistas venceram a eleição em todas as ocasiões em que a trajetória da inflação era claramente ascendente no momento do pleito.

A começar em 1960, na sucessão de Juscelino Kubitschek, que a história consagrou como um dos melhores governos republicanos. Há um consenso de que a alta da inflação foi um dos principais fatores, ainda que não o único, a colaborar para a eleição de Jânio Quadros. Collor ganhou 29 anos depois prometendo dar um “ippon” na inflação. Lula em 2002 chegou ao poder em uma circunstância de inflação alta.

Neste sentido, o aperto na taxa de juros que o Banco Central promove pode neutralizar um fator com potencial de enterrar o projeto de reeleição de Bolsonaro. É claro que o Banco Central, como instituição independente, toma suas decisões “by the book” e o presidente mais atrapalha do que ajuda a autoridade monetária como guardiã da moeda. Mas se o arrocho monetário derrubar a taxa da inflação Bolsonaro não estará morto, é o que importa.

Um dos maiores críticos da política econômica de Bolsonaro no mercado, que é o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, projeta a taxa da inflação no próximo ano em 5,2%. Muito acima do teto da meta, mas metade da atual, o que estanca uma sangria. E termina aí o que existe de boa notícia a Bolsonaro na economia de 2022.

O Auxílio Brasil que se avizinha está orçado em R$ 45 bilhões, talvez fique bem maior ao sair do Congresso, mas não terá o mesmo porte dos mais de R$ 500 bilhões derramados na ajuda emergencial de 2020, como destaca José Francisco.

O mega-auxílio de 2020, um dos maiores do mundo, mal conteve a catástrofe provocada pela pandemia na renda do brasileiro. Seu sucessor, já mais modesto, termina de ser pago neste domingo.

José Francisco elaborou um estudo sobre a renda real efetiva do brasileiro nos últimos anos. Entre 1º de abril de 2020, quando a pandemia acelerava para a força total, e 1º de agosto de 2021, último dado disponível, a renda real do que o cidadão efetivamente recebeu caiu 4%. Ou seja, ganhava-se em agosto, somando auxílios e que tais, menos do que se ganhava no auge da pandemia.

Caso a amostra seja em um horizonte de tempo mais curto, entre abril e outubro de 2020, quando vigorou o benefício de R$ 600, a renda mensal efetiva ficou 1% menor. O auxílio superlativo do ano passado impediu que as coisas ficassem ainda piores, mas não brecaram um processo de deterioração das possibilidades materiais da população.

Na curva da popularidade do presidente, os R$ 600 proporcionaram a Bolsonaro seu melhor momento no poder. Mas foi relativamente pouco. Bolsonaro fechou 2020 com 37% de bom e ótimo e 32% de ruim e péssimo, de acordo com o Datafolha. Sua taxa de aprovação tinha subido quatro pontos percentuais desde o início da pandemia e sua desaprovação recuado seis pontos.

Ainda que o quadro geral da economia no próximo ano prometa ser melhor do que o registrado em 2020, quando o PIB recuou 4,1%, um auxílio em proporções tão menores do que o anterior terá um efeito político compreensivelmente modesto. Mas será melhor do que nada. Se Bolsonaro não chegou a seu piso de intenção de voto, chegará em breve. Reverter rejeição é outra história.

José Francisco observa que o nível de desocupação está baixando, mas a melhora é tracionada pela economia informal. Sem reação de emprego formal, é pouco provável que o rendimento do trabalho reaja, mesmo com a desaceleração inflacionária que haverá no próximo ano.

E parte da razão para isso está justamente na ação do Banco Central. Para derrubar a inflação, a taxa de juros vai para cima e lá ficará por um bom tempo. Isso trava a recuperação do mercado de trabalho. Encarece os empréstimos. Breca investimentos produtivos. O efeito disso tudo na massa real de rendimentos tende a ser bastante negativo.

É bem verdade que em 1998 Fernando Henrique Cardoso se reelegeu ainda no primeiro turno, em uma conjuntura recessiva e juros no espaço sideral. Mas essa não é uma boa história para ser lembrada, dado o que aconteceu em 1999, quando a ilusão cambial foi desfeita e a inflação quadruplicou. Outra lembrança é a de 2014, quando Dilma Rousseff adiou um ajuste na economia cuja necessidade era premente. A fatura igualmente chegou no ano seguinte.

Tanto em 1998 quanto em 2014 mágicas foram feitas para se manter uma situação artificial na economia. Mas as mágicas eram para manter a inflação estável, não para reduzi-la. Não é o caso agora. As alternativas na mão de Bolsonaro são consideravelmente mais reduzidas.

Chile

A eleição presidencial no Chile é uma advertência aos interessados em uma terceira via. Para quem não gosta de polarização ideológica, o rumo da sucessão chilena é preocupante.

O país escolherá seu próximo presidente dia 21 de novembro. As mais recentes pesquisas mostram um político de extrema-direita, José Antonio Kast, liderando e em ascensão. O segundo colocado é Gabriel Boric, da esquerda. Três personagens dividem o campo da centro-esquerda à centro-direita: Yasna Provoste, Marco Ominami e Sebástian Sichel. Se estivessem unidos, estariam tecnicamente empatados com Kast. Desunidos, estão bem distantes do segundo turno.

No espectro político latino-americano, Kast é muito mais parecido com Bolsonaro do que outros presidentes conservadores, como o colombiano Ivan Duque ou o uruguaio Lacalle Pou. Boric foi um líder estudantil que se destacou nos protestos contra o governo em 2019. Um segundo turno entre os dois é o inverso da frase de Clausewitz: a política se tornará a continuação da guerra por outros meios.

Há, contudo, uma diferença notável entre a situação pré-eleitoral do Brasil e a eleitoral do Chile. Lá Kast e Boric, somados, reúnem cerca de 45% das intenções de voto. Aqui Lula e Bolsonaro, quando pontuam menos, somam de 60% a 65%.

 

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