sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Pedro Doria - O algoritmo é de direita e dá para provar

O Globo / O Estado de S. Paulo

A ordem de prisão do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos e a demissão do central Maurício Souza após comentários homofóbicos fizeram explodir, nas redes, o debate sobre os limites da liberdade de expressão. Não custa lembrar: os casos são muito distintos. Allan faz parte de uma engrenagem de desinformação que ameaça a democracia. E a pergunta por responder é ligada a ele: quanto uma democracia deve permitir livre expressão para aqueles que usam o direito para dar cabo da própria democracia? É difícil criar uma regra geral. Afinal, como se mede o que ameaça e o que não ameaça uma democracia? Na ausência de filósofos que se debrucem hoje sobre esse debate, ao menos temos informação nova para digerir. Informação que comprova a existência do problema.

O Twitter tornou público na última sexta um estudo interno realizado em sete países: seu algoritmo distribui mais conteúdo de direita que de esquerda. Tuítes de veículos de imprensa e políticos ligados à direita foram muito mais amplificados que os do outro lado. Mesmo quando governantes são tirados da amostra, o viés do algoritmo permanece lá. Isso não quer dizer que tudo seja desinformação, mas comprova que o sistema tem viés ideológico. É o próprio Twitter que o reconhece.

Não é só lá. A antropóloga Katie Paul, que lidera o Tech Transparency Project, think tank dedicado a compreender como o digital impacta nossas vidas, publicou outro estudo esta semana. Seu time avaliou que vídeos o algoritmo do YouTube recomenda aos usuários em busca de conteúdo político. Descobriu que, nos EUA, os públicos de direita e esquerda têm experiências muito distintas. Quem é de direita fica preso na bolha, não é exposto a pontos de vista distintos pelo algoritmo. Com quem é de esquerda, isso não ocorre — a variedade da exposição é muito maior.

Isso pode ajudar a explicar por que, nos EUA, o canal trumpista Fox News é de longe o mais recomendado na categoria notícias da plataforma de vídeos. Pode dar pistas, também, sobre por que a maior radicalização que vemos, nas redes, é de direita, e não de esquerda. Ou por que a desinformação parece ser mais eficiente para políticos de extrema direita que para os de extrema esquerda.

Mas essas são duas peças de um quebra-cabeças maior, ligadas a apenas duas dentre as plataformas gigantes que decidem o que apresentar a seus usuários utilizando algoritmos de aprendizado de máquina. Estudos similares sugerem que o mesmo padrão se repete.

Um aspecto pouco compreendido desse tipo de inteligência artificial é que não dá para seguir de trás para frente o “raciocínio” feito pelo computador. Os engenheiros do Twitter sabem o resultado: distribuir mais o conteúdo da direita que o da esquerda. Mas não sabem por que o programa leva a esse resultado.

De onde vêm os efeitos colaterais? Ideias de direita viralizam mais que as de esquerda? Ou há um viés escondido no algoritmo que provoca isto?

O efeito prático é que um pedaço da sociedade foi radicalizado. Não só no Brasil. A liberdade de expressão, que inclui a de exprimir ideias profundamente impopulares, tem uma razão de ser. Permitir que democracias questionem tudo, permitir a sociedades que revejam seus valores. Só que a máquina de desinformação não apenas desinforma. Ela também isola do debate público, da exposição a pontos de vista diferentes, um pedaço grande dos eleitores. O mecanismo que essa liberdade deveria promover travou. A democracia está quebrada.

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