Valor Econômico
Ministro está convencido de que sua
eventual saída pode produzir uma crise da qual os últimos dias têm sido apenas
uma pequena amostra
Mário Henrique Simonsen costumava dizer que
“não há ministro da Fazenda forte ou fraco. Há ministro da Fazenda e ponto
final”. Simonsen foi ministro da Fazenda do governo Geisel e continuou no
comando da economia, desta vez como ministro do Planejamento, durante os
primeiros cinco meses do governo Figueiredo. Saiu em agosto de 1979 quando
percebeu que o seu programa de austeridade fiscal não seria adotado pelo
governo, e o país estava literalmente quebrado - o que só ficou explícito em
agosto de 1982, quando da moratória da dívida externa do México.
Tomo as palavras do então ministro para refletir sobre a situação de Paulo Guedes, ministro da Economia, que teve que abrir mão da sua tarefa número 1, que era preservar a âncora fiscal dada pela lei do teto de gasto. Guedes foi sitiado pela área política, implodiu o teto, perdeu parte da sua equipe e deixou o mercado em polvorosa, sem a menor noção de preços dos ativos, sobretudo juros, câmbio e ações.
É uma situação clássica de perda de
prestígio e de autoridade.
Seus assessores mais chegados se perguntam
por que Guedes ficou no cargo, se fiando apenas no aval de Jair Bolsonaro, que
chefia um governo sob um processo de confronto acirrado, em permanente tensão.
“Ele próprio se pergunta, vez por outra, o que está fazendo ali”, conta uma
fonte.
A interlocutores o ministro responde que
ficou no cargo por senso de responsabilidade. Guedes está convencido de que sua
eventual saída do governo pode produzir uma crise da qual os últimos dias têm
sido apenas uma pequena amostra. Enquanto ele considerar que o benefício é
superior ao custo, ele permanecerá.
Uma conta explica melhor os seus
argumentos. Quando o ministro assumiu, a despesa pública correspondia a 19,5% do
PIB. No ano passado, com a pandemia, ela subiu para 26,5% do PIB, mas caiu para
a faixa de 18,5% do PIB. Ele esperava entregar o governo, em janeiro de 2023,
com a despesa total na casa dos 17,5% do PIB. É bastante provável que deixe a
despesa na faixa dos 18%, o que não é ruim, ao contrário. O déficit primário
deverá encerrar os quatro anos de governo Bolsonaro em 1% do PIB.
Ou seja, a gastança não vai corromper de
forma irremediável a gestão de Guedes na área fiscal, segundo ele próprio tem
falado a assessores.
“Uma possibilidade é a de ele ficar,
assumir que vai ser a ‘Geni’ do governo e tentar segurar o que der”, arrisca um
dos amigos de Guedes, referindo-se à música “Geni e o Zepelim”, de Chico
Buarque. Nesse caso, o conselho é que ele assuma um papel mais “low profile”, o
que está longe de ser o seu estilo.
Aliás, o estilo de Guedes é de
enfrentamento, mesmo nos dias de maior inquietação. Foi assim quando esteve
reunido, nesta semana, com um grupo de parlamentares da Comissão de Ciência e
Tecnologia da Câmara e ele se referiu ao ministro da pasta, Marcos Pontes, como
“o astronauta” e o chamou de “burro”. Isso porque Pontes não conseguiu gastar o
orçamento que tem e se queixa de supostos cortes orçamentários. A conversa
vazou.
Há um ditado árabe que diz que somos
senhores do nosso silêncio e escravos da nossa palavra. Foi com base no
aconselhamento de assessores e amigos que Guedes cancelou a sua participação
nas entrevistas do anúncio da arrecadação e dos dados sobre o mercado de
trabalho do Caged.
Há quem acredite que o ministro permanecerá
no cargo até a reeleição de Bolsonaro que, caso se confirme, deixaria Guedes no
posto de comando da economia por mais alguns anos. E, aí sim, sem ter que olhar
para uma segunda reeleição, Bolsonaro finalmente apoiaria o programa liberal de
Guedes, imaginam fontes.
Tudo, agora, depende da votação da Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios. E é clara a dificuldade do
governo de aprovar essa PEC. Não se sabe ao certo sequer quanto que ela vai
gerar de espaço para aumentar o gasto público no Orçamento do ano que vem. O
relator mencionou um valor de R$ 83 bilhões, mas durante a sessão da noite de
quarta-feira muitos parlamentares falaram em cerca de R$ 100 bilhões a R$ 110
bilhões de espaço para gastar depois de burlar a lei do teto.
É com uma parcela desses recursos, de cerca
de R$ 30 bilhões, que o governo pensou em financiar o Auxílio Brasil de R$ 400
que consta da PEC. Sem a sua aprovação, na semana que vem termina a vigência do
Bolsa Família, programa do qual o Auxílio Brasil seria o sucedâneo, e o governo
terá que, segundo fontes oficiais, prorrogar a vigência do Auxílio Emergencial
ou, ainda, decretar estado de calamidade pública.
De ontem a votação da PEC foi adiada para a
próxima quarta-feira, depois do feriado, mas o governo está com enorme
dificuldade de reunir a sua base de apoio. Nesta semana, por exemplo, cerca de
50 parlamentares da base não vieram à Brasília. Há, de fato, uma rejeição à PEC
dos Precatórios que vai além da oposição.
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