terça-feira, 16 de novembro de 2021

Carlos Andreazza - Aprendeu-se nada

O Globo

Sergio Moro apenas formalizou, pela via partidária, atividade política que remonta a seu tempo de juiz. Atividade política de um tecnocrata que — autoritário como Bolsonaro — despreza a atividade política; razão por que sua militância teve efeito quando era magistrado, lugar desde o qual explorou as tintas arbitrárias da caneta, e não quando ministro de Estado, circunstância em que ficaram evidentes suas inconformidades para com a lógica representativa da democracia liberal.

Nenhuma novidade aqui. É a parte vista, porção pequena, de um homem público cuja atuação na Lava-Jato associou-se — contra o Estado de Direito — à dos procuradores. Mais um que quer ser presidente da República pedindo votos sob argumentos panfletários, que generalizam para criminalizar os outros eleitos com quem teria de governar. O produto está aí.

Há muita gente, sem ter aprendido coisa alguma, mergulhando na candidatura Moro. Um desconhecido. Como Witzel. “Desconhecido? Ele está na janela desde 2014. Todo mundo sabe quem é Moro.” Sabe? Que se diga, então, uma só ideia dele que não relativamente ao fetiche do “combate à corrupção”. Porque tratamos de alguém que seria candidato a presidente; e não a justiceiro-geral da República.

O que pensa Moro sobre economia, que não a relevante restituição aos cofres públicos de bilhões roubados? A corrupção não é o principal problema do Brasil, e o combate à corrupção não deveria ser — por falta de meios funcionais para encampá-lo — a primeira agenda de um postulante à Presidência. Mas continuamos presos a 2018, ao gatilho virtuoso da luta contra a corrupção, cuja transformação em maior tema de campanha eleitoral esteve na origem do descuido desviante que deixaria prosperar a crença alucinada num programa reformista liberal a ser executado pela sociedade entre um deputado militar-corporativista, cuja fortuna deriva de haver constituído empresa familiar dentro do Estado, e um operador do mercado financeiro sem nenhuma experiência em gestão pública, que fez sucesso privado há 30. Aí está.

O que Moro pensa sobre economia? Nada haverá de mais importante para um país ceifado pela peste e depauperado por desemprego resistente, inflação agressiva e crescimento baixíssimo. O que Moro propõe, com base em que histórico de convicções? Quererá, o ex-juiz, encampar uma reforma administrativa que enfrente os privilégios do topo do funcionalismo público? Os que embarcam, seduzidos por meia dúzia de platitudes sobre livre mercado, não têm noção, mas vão mesmo assim. Daqui a pouco o novo mito — porque é um novo mito o que se busca — aparece com um paulo-guedes para chamar de seu; e pronto.

O que se sabe sobre Moro? Muito pouco e, no entanto, uma enormidade: que se valeu de fraude processual para condenar corruptos. (Sim; porque o fato de ter havido corrupção de meios não desfaz ter havido corrupção nos governos Lula e Dilma.)

O que se sabe sobre Moro ilumina o que fundamenta a base eleitoral de Moro: milhões de brasileiros para os quais não seria possível pegar os políticos ladrões de outra forma, de modo que seria aceitável um juiz compor força-tarefa e agir como associado da acusação para prender corruptos. Esse, sem dúvida competitivo, é seu ponto de partida eleitoral; e não são poucos os analistas que o projetam com cerca de 10% nas próximas pesquisas. A ver até quanto consegue — e se será possível — evoluir desde esse lugar. Desde esse lugar, já atrapalha a vida dos que trabalham por engessar o jogo.

É evidente que essa base lavajatista votou em Bolsonaro em 2018. E é evidente que, como primeiro impacto, a chegada de Moro ao tabuleiro eleitoral toma votos do presidente. Já há efeitos. Note-se que, conforme escreveu Andréia Sadi em seu blog, a percepção de que o ingresso de Bolsonaro no partido do mensaleiro Valdemar Costa Neto traria benefícios a Moro foi um dos impulsos ao adiamento da filiação.

Os lulistas comemoram. Mas talvez lhes convenha colocar as barbas de molho e olhar adiante. Porque, deflagrada a campanha, a presença de Moro trará prejuízos também a Lula. Subestima-se, porque ora amortecido, o sentimento antilulopetista, que tende a se mobilizar com o início formal da disputa. É com o que conta — no que aposta — Bolsonaro. A presença do ex-juiz imporá essa memória como pauta e será lembrança diária, potencializada, dos episódios de corrupção havidos nos governos petistas. Mesmo sem querer, Moro seria (nenhuma novidade) linha auxiliar do bolsonarismo e também elemento acirrador de choques personalistas — mais um a, obrigatoriamente, afastar a disputa eleitoral do campo da política.

É seguro que virá, antes de tudo, para se defender. É a motivação basilar da candidatura — o que pressupõe, como couraça para a maneira com que atuou na Lava Jato, ter de confrontar o Supremo, que lhe tornou nulas as condenações a Lula. O ex-juiz fala em jornada de pacificação, mas não poderá se defender nem será competitivo sem atacar; sem ser, também ele, agente da radicalização. Nenhuma novidade.

 

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