O Globo
Sergio
Moro apenas formalizou, pela via partidária, atividade política que remonta a
seu tempo de juiz. Atividade política de um tecnocrata que — autoritário como
Bolsonaro — despreza a atividade política; razão por que sua militância teve
efeito quando era magistrado, lugar desde o qual explorou as tintas arbitrárias
da caneta, e não quando ministro de Estado, circunstância em que ficaram
evidentes suas inconformidades para com a lógica representativa da democracia
liberal.
Nenhuma
novidade aqui. É a parte vista, porção pequena, de um homem público cuja
atuação na Lava-Jato associou-se — contra o Estado de Direito — à dos
procuradores. Mais um que quer ser presidente da República pedindo votos sob
argumentos panfletários, que generalizam para criminalizar os outros eleitos
com quem teria de governar. O produto está aí.
Há muita gente, sem ter aprendido coisa alguma, mergulhando na candidatura Moro. Um desconhecido. Como Witzel. “Desconhecido? Ele está na janela desde 2014. Todo mundo sabe quem é Moro.” Sabe? Que se diga, então, uma só ideia dele que não relativamente ao fetiche do “combate à corrupção”. Porque tratamos de alguém que seria candidato a presidente; e não a justiceiro-geral da República.
O
que pensa Moro sobre economia, que não a relevante restituição aos cofres
públicos de bilhões roubados? A corrupção não é o principal problema do Brasil,
e o combate à corrupção não deveria ser — por falta de meios funcionais para
encampá-lo — a primeira agenda de um postulante à Presidência. Mas continuamos
presos a 2018, ao gatilho virtuoso da luta contra a corrupção, cuja
transformação em maior tema de campanha eleitoral esteve na origem do descuido
desviante que deixaria prosperar a crença alucinada num programa reformista
liberal a ser executado pela sociedade entre um deputado
militar-corporativista, cuja fortuna deriva de haver constituído empresa
familiar dentro do Estado, e um operador do mercado financeiro sem nenhuma
experiência em gestão pública, que fez sucesso privado há 30. Aí está.
O
que Moro pensa sobre economia? Nada haverá de mais importante para um país
ceifado pela peste e depauperado por desemprego resistente, inflação agressiva
e crescimento baixíssimo. O que Moro propõe, com base em que histórico de
convicções? Quererá, o ex-juiz, encampar uma reforma administrativa que
enfrente os privilégios do topo do funcionalismo público? Os que embarcam,
seduzidos por meia dúzia de platitudes sobre livre mercado, não têm noção, mas
vão mesmo assim. Daqui a pouco o novo mito — porque é um novo mito o que se
busca — aparece com um paulo-guedes para chamar de seu; e pronto.
O
que se sabe sobre Moro? Muito pouco e, no entanto, uma enormidade: que se valeu
de fraude processual para condenar corruptos. (Sim; porque o fato de ter havido
corrupção de meios não desfaz ter havido corrupção nos governos Lula e Dilma.)
O
que se sabe sobre Moro ilumina o que fundamenta a base eleitoral de Moro:
milhões de brasileiros para os quais não seria possível pegar os políticos
ladrões de outra forma, de modo que seria aceitável um juiz compor força-tarefa
e agir como associado da acusação para prender corruptos. Esse, sem dúvida
competitivo, é seu ponto de partida eleitoral; e não são poucos os analistas
que o projetam com cerca de 10% nas próximas pesquisas. A ver até quanto consegue
— e se será possível — evoluir desde esse lugar. Desde esse lugar, já atrapalha
a vida dos que trabalham por engessar o jogo.
É
evidente que essa base lavajatista votou em Bolsonaro em 2018. E é evidente
que, como primeiro impacto, a chegada de Moro ao tabuleiro eleitoral toma votos
do presidente. Já há efeitos. Note-se que, conforme escreveu Andréia Sadi em
seu blog, a percepção de que o ingresso de Bolsonaro no partido do mensaleiro
Valdemar Costa Neto traria benefícios a Moro foi um dos impulsos ao adiamento
da filiação.
Os
lulistas comemoram. Mas talvez lhes convenha colocar as barbas de molho e olhar
adiante. Porque, deflagrada a campanha, a presença de Moro trará prejuízos
também a Lula. Subestima-se, porque ora amortecido, o sentimento antilulopetista,
que tende a se mobilizar com o início formal da disputa. É com o que conta — no
que aposta — Bolsonaro. A presença do ex-juiz imporá essa memória como pauta e
será lembrança diária, potencializada, dos episódios de corrupção havidos nos
governos petistas. Mesmo sem querer, Moro seria (nenhuma novidade) linha
auxiliar do bolsonarismo e também elemento acirrador de choques personalistas —
mais um a, obrigatoriamente, afastar a disputa eleitoral do campo da política.
É
seguro que virá, antes de tudo, para se defender. É a motivação basilar da
candidatura — o que pressupõe, como couraça para a maneira com que atuou na
Lava Jato, ter de confrontar o Supremo, que lhe tornou nulas as condenações a
Lula. O ex-juiz fala em jornada de pacificação, mas não poderá se defender nem
será competitivo sem atacar; sem ser, também ele, agente da radicalização.
Nenhuma novidade.
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