O Globo
O que leva esse governo a repetir mentiras
com tanta frequência, e de tão forma compulsiva? Ontem, em apenas uma
apresentação em Dubai, foi uma sucessão de falsidades. A Amazônia não pega fogo
porque a floresta é úmida, mais de 90% dela permanece como estava em 1500, os
ataques que o governo sofre quando se fala de Amazônia são injustos, disse o
presidente Jair Bolsonaro. O Brasil está crescendo acima da média mundial e
mesmo na recessão de 2020 criou emprego, disse o ministro Paulo Guedes. Os
fatos: o governo Bolsonaro estimulou a grilagem e o desmatamento na Amazônia e,
por isso, a destruição da floresta voltou a superar 10 mil km2 por ano e tem
tido recorde de focos de incêndio. Na economia, o Brasil terá um PIB positivo
este ano, mas abaixo da média mundial. No ano que vem, o mundo crescerá forte e
o Brasil ficará estagnado. E não, o país não criou emprego no ano passado. Ao
contrário, em 2020 houve destruição de empregos como registram as estatísticas
do IBGE.
É cansativo, toma tempo, ficar desmentindo o que dizem os integrantes deste governo em qualquer área. O hábito da mentira que sempre acompanhou Bolsonaro, em sua vida pública, contaminou o governo. Os ministros em geral se comportam à moda Bolsonaro, repetindo afirmações falsas, totalmente descoladas da realidade.
Todo governo fala bem de si mesmo, mas é
preciso ter o mínimo de base na realidade. Há uma história poderosa a contar
sobre o nosso patrimônio ambiental, se a ideia é dar uma visão positiva do
país. O problema é que o governo Bolsonaro sempre desprezou esse patrimônio. E
mais do que isso: investe contra ele desmontando os órgãos de fiscalização,
propondo leis ou baixando decretos que favorecem a legalização do crime na
Amazônia. Se o presidente acreditasse que seu governo está preservando a
floresta, seria natural que tivesse ido a Glasgow disposto a defender isso com
dados verificáveis. Mesmo estando na Europa, ele não teve a coragem de ir à
COP-26. Prefere repetir agora suas mil e uma mentiras nos Emirados Árabes, onde
não será contestado.
Na Amazônia, além da escalada de
desmatamento e grilagem, o que tem acontecido de mais trágico é a invasão de
terras indígenas. Os povos indígenas têm estado sob constante ameaça de
grileiros e garimpeiros.
Na versão alienada dos fatos, apresentada
por Paulo Guedes, o Brasil teria crescido mais do que outros países “graças à
orientação do nosso presidente de não deixar nenhum brasileiro para trás
durante a pandemia”. Bolsonaro deixou o país inteiro para trás. Em momento
algum o presidente deu qualquer sinal de compaixão pelas vítimas da Covid,
demonstrou preocupação com a pandemia ou se comportou como o líder de um país
enfrentando uma calamidade sanitária que ceifou a vida de mais de 611 mil
pessoas. Se dependesse apenas dele, não teria sido adotada qualquer medida de
proteção — ele condena até a máscara — e o governo não teria comprado vacinas.
Tudo o que o governo fez foi por ser empurrado pela Justiça, pelo Congresso,
pela imprensa, pela opinião pública, pelos governadores e prefeitos.
Mais do que afirmações controversas, ou
dados falsos, o governo Bolsonaro tem sido uma ameaça em todas as áreas. Agora
mesmo se vive a crise da intervenção e censura no Enem, com o presidente se
vangloriando disso, porque agora a prova estaria com a “cara do governo”.
Imagina se jovens, que estão com a vida pela frente, têm que passar num teste
que reflete um governo de quatro anos.
Na economia, o país está enfrentando
inflação de dois dígitos, escalada de juros, e desmoralização do teto de
gastos. Paulo Guedes disse que inflação é assunto do Banco Central.
Evidentemente é também assunto do Ministério da Economia, como sempre foi. O BC
tem combatido sozinho com política monetária, o que torna o remédio ainda mais
amargo. Segundo Guedes, o Brasil privatizou estatais, está aprovando reformas e
“ se tornando um paraíso para investimentos”. O governo não privatizou, as
reformas estão paradas — é até melhor assim já que foram mal formuladas — e os
investidores estão se afastando do país. Na era da comunicação, na qual os
dados e os fatos estão disponíveis, que investidor sério se deixaria convencer
por uma farsa governamental?
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