Valor Econômico
A péssima distribuição de renda é um dos
motivos que fazem a inflação ter efeito pior no país em comparação com outros
Confrontada com uma inesperada e acelerada
taxa de inflação, a sociedade brasileira vê-se diante de uma grande incógnita:
até quando e até quanto vai o atual processo de aumento dos preços?
A pergunta é difícil de responder, pois a única certeza que se tem hoje é de que o preço a pagar implica sacrificar o PIB de 2022. Não à toa, as previsões de crescimento para o ano que vem caíram para abaixo da marca de 2% e isso deveria acender um sinal de atenção, pois deixa no ar a incerteza sobre a reação do governo diante de uma provável queda de popularidade em um ano de eleições.
Ou seja, do ponto de vista político institucional o horizonte de curto e de médio prazos revela-se absolutamente nebuloso. Do ponto de vista econômico, as mais pessimistas previsões poderão ser atenuadas pela melhoria das condições que têm afetado os preços da energia e o fornecimento de matérias-primas que atrapalham o processo produtivo.
É claro que muito do que se vive é
resultado da pandemia, um fenômeno desconhecido há muitas gerações, com efeitos
econômicos imprevisíveis. Não era plausível imaginar no auge da proliferação do
covid-19 que de uma hora para outra, ainda em meio a um quadro de casos de
contaminação, aqueles níveis de inflação tão baixos capturados até o início
deste ano iriam galgar patamares cada vez mais altos com a rapidez que temos visto.
Em apenas dez meses, o IPCA em doze meses pulou de 4,56% para 10,67% (o mesmo
índice, curiosamente, colhido no final de 2015, quando a deterioração política
levou ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff).
O governo faz questão de enfatizar que a
inflação não ressurgiu apenas no Brasil. De fato, ela está presente em vários
países. Em alguns tem quebrado recordes, como é o caso dos Estados Unidos, onde
o IPC subiu 6,2% em outubro, o maior nível em trinta e um anos. As
características da economia brasileira, no entanto, fazem com que aqui a
inflação tenha consequências piores.
Primeiro, deve ser destacada a questão da
indexação, pois muitos preços ainda sofrem reajuste par e passo com a inflação
passada. Depois do Plano Real, que acabou com a indexação formal dos salários
(cerca de 60% dos preços) os contratos indexados automaticamente diminuíram
bastante, mas ainda são relevantes, a começar pelo orçamento público que usa a
inflação para corrigir tanto a arrecadação como os gastos. Mensalidade escolar,
aluguéis e salário mínimo são outros preços atrelados umbilicalmente ao
comportamento dos índices de preços.
Segundo, ainda que a indexação formal
esteja mais restrita, a economia continua a conviver com o efeito da inércia
sobre os preços. Tem a ver com aquele raciocínio de que as margens de lucro
precisam ser garantidas a qualquer custo, o que leva a repassar a variação
inflacionária para os preços finais. Isso é comum no setor de serviços onde não
podem ser substituídos através da importação, se bem que ao câmbio atual nem
mesmo os produtos físicos têm a alternativa da concorrência com os importados.
O IPCA do setor de serviços tem subido
consistentemente desde o início deste ano. No acumulado de doze meses, passou
de 1,51% em janeiro para 4,92% em outubro, com alta significativa nos serviços
mais intensivos em trabalho. Ainda que não indexados, alguns salários têm sido
reajustados em linha com a inflação passada, muito embora isso ainda não
represente o grosso das atividades sindicalizadas.
Essas peculiaridades dificultam os
prognósticos para a inflação e a situação se agrava ainda mais quando se
introduz o fator expectativa na equação, algo que tem a ver com a percepção dos
indivíduos e do mercado com respeito às variáveis que influenciam na alta dos
preços.
A conjugação de fatores que lidam também
com o subjetivo em um quadro de tantas incertezas e um regime de câmbio
flutuante não ajudam a tarefa do BC.
Edmar Bacha, um dos poucos economistas que
melhor conhece as idiossincrasias brasileiras, considera que a identificação
das expectativas para o manejo da política monetária é uma questão quase
impossível de ser solucionada porque não se sabe como são formadas. Essa
dificuldade transparece nas equações do Banco Central que usam o componente das
expectativas correlacionado à inflação passada. O fato objetivo é que o futuro
da inflação na era Bolsonaro está exclusivamente nas mãos do BC e Bacha não tem
dúvidas de que a autoridade monetária conseguirá segurar a alta dos preços
mesmo com a possibilidade de provocar recessão.
“A questão é a que custo isso será feito e
se será politicamente sustentável”, enfatiza ele, que não está de todo
pessimista porque a economia ainda não entrou em processo de dominância fiscal
- quando o aumento dos juros impacta a dívida pública a ponto de restringir a
atuação do BC. “Tem risco de entrar, mas ainda não há indicação disso”,
complementa.
A péssima distribuição de renda do país
representa uma situação característica da qual o Brasil talvez seja o
representante máximo e explicita outro motivo que faz a inflação ter efeito
pior no país em comparação com outros.
A massa de gente que sobrevive com renda
baixa, equivalente a cinco vezes a população de Portugal, sofre mais com a
inflação do que o pessoal das camadas mais altas de renda, como se sabe. Dado o
nível da pobreza, o impacto é gigantesco, com reflexos negativos no próprio
crescimento pela retração da capacidade de consumir. De acordo com o IPEA, a
inflação acumulada em doze meses para quem tem renda de até R$ 1.808 por mês
atingiu 11,4% em outubro. Nessa perspectiva, o auxílio família tende a virar pó
rapidamente.
Por tudo isso, nada indica que a trajetória econômica em 2022 seja um passeio reconfortante.
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