O Estado de S. Paulo
Pressão inflacionária atual se caracteriza nitidamente num choque de oferta, e não de excesso de demanda
O Comitê de Política Monetária (Copom)
decidiu, na sua reunião passada, acelerar o ritmo de aumento da taxa Selic para
1,5 ponto. Agora em 7,75% e com nova perspectiva de elevação da mesma dimensão
em dezembro, a taxa se aproxima rapidamente dos dois dígitos, antiga saga
brasileira.
A questão da taxa de juros básica no Brasil
representa um expressivo paradoxo, especialmente em face da situação em curso:
diante da prevalência do regime de metas de inflação e da inoperância de outros
instrumentos de combate à inflação, o aumento da Selic se torna uma aparente
alternativa única, com custos econômicos e sociais dramáticos.
A pressão inflacionária recente tem “nome e endereço”. O aumento das cotações das matérias-primas, especialmente petróleo e grãos (commodities), no mercado internacional, associado à desvalorização do real, tem pressionado os preços domésticos dos combustíveis, do gás de cozinha e da alimentação, entre outros.
Fatores específicos do nosso mercado, que
vão muito além da sempre apontada questão fiscal, também são relevantes: a
política de paridade internacional dos preços praticada pela Petrobras, as
estruturas de mercado em vários setores oligopolizados e a indexação são alguns
deles.
A contradição presente é que a elevação de
juros não vai resolver o problema atual da inflação brasileira, embora produza
vários efeitos colaterais adversos. A questão-chave é que a atual pressão
inflacionária se caracteriza nitidamente num choque de oferta, e não de excesso
de demanda.
Juro alto é um mecanismo clássico de
combate às elevações de preço decorrentes de pressão de demanda, o que não é o
nosso caso. Nossa situação é exatamente inversa. Há claros sinais de
estagflação: inflação em alta, retração industrial crônica, elevada ociosidade
da capacidade produtiva, desemprego expressivo e queda na renda.
O aumento dos juros não é neutro, mas
provoca efeitos deletérios, no encarecimento do crédito e do financiamento
privados e na elevação do custo de rolagem da dívida pública. Isso aprofundará
a queda de demanda, afetando negativamente os demais aspectos, com a agravante
de que dificultará a situação fiscal do País, assim como das famílias e
empresas endividadas. Também favorece as aplicações financeiras, em detrimento
do investimento produtivo, o contrário do que precisamos.
Antonio Corrêa de Lacerda Presidente do
Conselho Federal de Economia (Cofecon), professor-doutor do Programa de
Pósgraduação em Economia Política da PUC-SP, é autor de ‘O Mito da Austeridade’
(Contracorrente).
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