segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Entrevista | Doria: “Minha candidatura se posiciona frontalmente contra Lula e Bolsonaro”

Vencedor das prévias do PSBD diz que governo de SP é exemplo do que poderá ser sua gestão do país

Por Cristiano Romero / Valor Econômico

BRASÍLIAO governador de São Paulo, João Doria (PSDB), estreou na política há apenas cinco anos, mas não pode ser mais chamado nem de “novato” nem de “outsider”. Em meia década, foi eleito para administrar, respectivamente, o terceiro e o segundo maior orçamento do país. No sábado, foi eleito por seu partido, o PSDB, numa disputa renhida, para concorrer em 2022 ao cargo máximo da República, responsável por gerir um dos maiores orçamentos públicos do planeta.

Na prévia concluída no sábado, como ocorreu na escolha do candidato à prefeitura de São Paulo em 2016 e ao governo paulista dois anos depois, tucanos históricos se uniram para tentar impedir a escolha de Doria. Com poucas exceções - uma delas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apoiador do governador -, esse grupo trabalhou intensamente para eleger o jovem governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.

É uma narrativa falsa, de que não sou agregador; temos 13 partidos na base aliada de apoio ao governo na Assembleia”

Doria se recusa a se auto-definir como o candidato da ‘terceira via’, caminho com o qual setores da sociedade contam para tirar o incumbente do cargo - o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição - e evitar a volta ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atual líder das pesquisas. Mas, nesta entrevista ao Valor, Doria se lança como o candidato posicionado frontalmente contra Bolsonaro e Lula. É provável que a partir de hoje o governador seja considerado por analistas a terceira via.

Dentro do PSDB, a principal crítica dirigida a Doria seria a de que ele não é um político agregador. O governador não gosta de falar sobre isso, mas, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo e da residência oficial do governador, sabe-se que ele considera essa a mais falsa das teses que seus colegas de partido criam para defini-lo de maneira pejorativa.

“Como alguém pode não ser agregador e ter Henrique Meirelles, que é de outro partido, no seu governo? Rodrigo Maia, por exemplo? E Rossieli Soares, que veio para o governo assumir a área de educação? Sérgio Sá Leitão veio para cultura. O Vinicius Lumertz, que era de outro partido, e veio cuidar da área de turismo? O vice-governador Rodrigo Garcia era do DEM, mas transferiu-se para o PSDB. É candidatíssimo à sucessão em São Paulo”, desabafa Doria.

“Para complementar, temos 13 partidos na base aliada de apoio ao governo na assembleia legislativa de São Paulo, incluindo o PL, o PP e o Republicanos. E não tem nada de espúrio, até porque se houvesse a mídia já saberia, os tribunais de contas saberiam, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça etc. Foram três anos de governo sem nenhum escândalo, nenhuma investigação, nada. É possível fazer a política de pratos limpos, a política republicana”, diz Doria. 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O senhor esperava vencer estas prévias?

João Doria: Esperava, sim. Como todo bom competidor, entro na disputa para vencer. Mas isso não tira o respeito que tenho pelos adversários, por aqueles que, nas prévias do PSDB, cumpriram muito bem o seu papel.

Tenho respeito e amizade com o Sérgio Moro. Entendo que ele deva fazer parte desse bom diálogo”

Valor: A quem o senhor se refere?

Doria: Eduardo Leite [governador do Rio Grande do Sul] e Arthur Virgílio [ex-prefeito de Manaus], dois bons contendores que valorizaram as prévias do partido pela grandeza e pela dimensão que possuem e, também, pela campanha que fizeram.

Valor: Tucanos da velha guarda do partido, como Aécio Neves, José Aníbal, Pimenta da Veiga, Geraldo Alckmin, Teotônio Vilela Filho e Rodrigo de Castro [atual líder do partido na Câmara dos Deputados] trabalharam contra a sua vitória nas prévias.

Doria: A lista é grande, não são dois ou três nomes. No caso do Zé Aníbal, ele vai pedir música no “Fantástico” porque já é a terceira derrota que ele sofre para mim em prévias do PSDB. Perdeu em 2016, quando disputou as prévias comigo para definir o candidato do partido para a prefeitura de São Paulo. Disputou e perdeu novamente para mim nas prévias que escolheram em 2018 o candidato ao governador do Estado de São Paulo.

Valor: Nos Estados Unidos, eleições primárias para a escolha dos candidatos dos dois maiores partidos são tradicionais e muitas vezes levam meses para serem concluídas. O processo ajuda a tornar conhecidos nacionalmente os vencedores das primárias. No Brasil, os partidos, à exceção do PSDB, evitam realizar prévias. Estas, quando são realizadas, acabam provocando mais fissuras do que união.

Doria: As prévias do PSDB nacionalizaram os nomes dos pré-candidatos. Durante seis meses, Artur Virgílio, Eduardo Leite e eu nacionalizamos nossos nomes. Fomos a 21 Estados em seis meses, onde dialogamos, participamos de eventos, conhecemos problemas locais, demos entrevistas a jornais, televisões, rádios, revistas, sites. Tudo isso ajudou a engrandecer o processo das prévias.

Valor: Houve a falha do aplicativo de votação.

Doria: Apesar disso, o processo contribuiu para a nossa nacionalização. Isso é uma conquista das prévias e um ativo do PSDB para o diálogo com outros partidos a partir de agora.

Valor: O senhor não acha que, por causa da campanha contrária à sua candidatura, promovida por vultos do partido, o PSDB sai enfraquecido das prévias? E isso não seria ruim para a sua candidatura?

Doria: Não. O PSDB sai fortalecido. É o único partido que fez prévias no Brasil, portanto, houve uma mobilização nacional. O candidato que venceu as prévias traz todo esse legado de seis meses de campanha, principalmente, nos fins de semana, com o sacrifício de todos, mas que trouxe essa vantagem de nos permitir conhecer melhor o Brasil, seus problemas e possíveis soluções para o país. Isso não enfraquece o PSDB, só o fortalece.

Valor: O que o faz pensar assim?

Doria: Vou dar o exemplo de 2016. Naquele ano, as prévias do PSDB para escolher o candidato à prefeitura de São Paulo também foram difíceis, duras. Os candidatos que disputaram também eram bons. Vencemos as prévias e, na sequência, ganhamos a eleição para a prefeitura de São Paulo. Disputaram as prévias comigo José Aníbal, Ricardo Trípoli, Bruno Covas e Andréa Matarazzo. Em 2018, para definir o candidato do partido ao governo de São Paulo, fizemos novamente prévias, desta vez, com José Aníbal, Floriano Pesaro e Luís Felipe d’Ávila. Foram bem difíceis, complexas, mas superamos aquela disputa e ganhamos a eleição na sequência para o governo paulista.

Valor: Que vantagem o senhor vê neste momento, uma vez que as prévias mostraram claramente as divisões internas do PSDB?

Doria: Com as prévias organizadas nesses seis meses, de maneira intensa, isso contribuiu para legitimar o candidato escolhido pelos filiados do PSDB e para fortalecer essa posição, necessária ao diálogo com outros partidos e com o próprio PSDB. Quarenta mil pessoas, entre militantes, políticos e quadros do partido votaram nas prévias.

Valor: Em 2016, Andrea Matarazzo deixou o partido após as prévias. O senhor não teme novas fissuras a partir de agora?

Doria: Não, o contrário. Agregação, soma, união: estas são as palavras de ordem a partir de agora.

Valor: Como houve prévias, presume-se que ocorreram discussões sobre programa de governo. Qual será o seu programa como candidato do PSDB?

Doria: O nosso programa de governo é o que estamos fazendo em São Paulo. Quem é que tem isso? Ninguém tem. Este é um ativo real da minha candidatura. O nosso melhor ativo é o governo de São Paulo. O secretário de Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, foi ministro da Fazenda e presidente do Banco Central. O meu secretário de Educação foi ministro do governo Temer.

Valor: Esta é a equipe. O que o senhor pretende mostrar como propostas para o país?

Doria: São vários exemplos. Cito alguns. Na saúde, trouxemos 110 milhões de doses de vacina para a imunização contra a covid-19. Combatemos o negacionismo [a negação da gravidade da pandemia], ajudamos a vacina e a proteger os brasileiros. Na proteção social, sem romper o teto de gastos correntes, fizemos aqui os programas “Bolsa do Povo”, “Alimento Solidário”, o programa de dignidade íntima para as mulheres. Adotamos programas sociais sólidos e consistentes, sem precisar ter a ruptura do teto. Fizemos as reformas administrativas, fiscal e previdenciária. O governo federal não fez a reforma fiscal nem a administrativa. No plano ambiental, um feito: aqui em São Paulo não tem desmatamento. Ampliamos a cobertura vegetal em 3% em três anos. Estamos promovendo o maior projeto de reflorestamento do país.

Valor: Qual e onde?

Doria: Um milhão e meio de hectares de árvores nativas do bioma da Mata Atlântica. E o maior projeto ambiental em curso no país - a despoluição e limpeza do rio Pinheiros - será entregue no ano que vem, depois de 60 anos de adiamentos. Nesse projeto, 71% do Pinheiros já está despoluído. Foram feitas 534.000 ligações de água e esgoto para evitar que esses pontos de dejetos despejassem esgoto diretamente no rio Pinheiros. No caso do rio Tietê, a despoluição continua, mas só será concluída daqui a três anos. Mas, lá, o processo é mais complexo porque envolve vários municípios.

Valor: Agora, candidato, como o senhor vê o quadro político-eleitoral neste momento? Alguns analistas acham que o presidente Jair Bolsonaro, segundo colocado nas pesquisas, pode definhar e sequer concorrer à eleição.

Doria: Bolsonaro e Lula seguirão até o final na disputa pela presidência. Não vejo perspectiva de que os dois não sejam candidatos. Para valer. A minha candidatura se posiciona frontalmente contra Lula e Bolsonaro. A minha posição é: combater os extremos. Bolsonaro vendeu um sonho e entregou um pesadelo. E Lula flertou com a corrupção do petrolão [escândalo de desvio de recursos da Petrobras] e do mensalão [caso de pagamento de propina a deputados para votar favoravelmente em projetos do governo no Congresso]. Eu serei extremamente combativo contra Lula e contra Bolsonaro. Não esperem de mim nenhuma leniência, nenhuma tolerância, no debate com Lula e nem com Bolsonaro.

Valor: O senhor já pode falar nominalmente em alguma aliança?

Doria: Nominalmente, não. Mas, institucionalmente, sim. É importante considerar que nós vamos buscar alianças dentro do campo democrático-liberal-social.

Valor: Isso abarca que parte do espectro político?

Doria: Com partidos de centro, centro-direita, centro-esquerda e até mesmo de direita e de esquerda, desde que estes estejam o mais longe dos extremos, longe dos extremistas e populistas Lula e Bolsonaro.

Valor: Se for para o segundo turno com Bolsonaro, está disposto a pedir apoio a Lula?

Doria: O diálogo será sempre feito com quem merece o diálogo, com quem gosta, respeita e aprecia o diálogo. Populistas extremistas não gostam do diálogo. Gostam de impor suas posições, de determinar, de mandar, o que torna mais difícil o diálogo.

Valor: Como vê a entrada do ex-juiz Sérgio Moro na disputa presidencial?

Doria: Tenho respeito e amizade com o Sérgio Moro. Entendo que ele deva fazer parte desse bom diálogo, nesse sentido democrático-liberal-social.

Valor: Negociaria apoio com o ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato do PDT?

Doria: Se for necessário, sim. Não há razão para não ter um diálogo com Ciro.

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