Folha de S. Paulo
O que impede que coalizões não degenerem em
acordos escusos?
Duas manchetes —uma internacional, outra
doméstica— dão o mote para uma coluna sobre a formação de governos em contextos
multipartidários. A primeira: "Alemanha finalmente escolhe o sucessor de
Merkel". Pela primeira vez o país terá uma "coalizão semáforo"
com três partidos: SPD, Verdes e Liberais (FDP). A segunda: "Minha
reeleição na Câmara não depende da reeleição de Bolsonaro, diz Lira".
Sob o parlamentarismo, a formação de governos tipicamente envolve acordos formais programáticos como também a divisão de pastas ministeriais, como mostrei neste espaço em 14/2. Nos casos em que não se formam maiorias, o governo continuará minoritário, mas alguns partidos fora da coalizão assinam acordo de não obstrução, garantindo a investidura.
O acordo tem 155 páginas e levou 32 dias
para ser forjado; deverá ser ratificado em convenções pelo SPD e FDP e pelos
afiliados dos Verdes. Ele estabelece uma repartição dos 16 ministérios: sete
para o SPD, cinco para os Verdes e quatro para o FDP. O FDP jogou mais uma vez
como kingmaker: com 11% das cadeiras, exigiu a pasta mais importante, a das
Finanças. A economia foi o pomo da discórdia, como em 2017, quando o FDP se
retirou da negociação depois de 171 dias por discordância sobre como
conduzi-la.
Sim, é claro que em sistemas
presidencialistas, o(a) chefe do Executivo não depende do Legislativo nem para
investidura no cargo nem para sobrevivência nele. Mas um divórcio completo só
emerge em casos excepcionais. Apenas quando o(a) presidente opta por governar
sem uma coalizão formal e sem uma agenda de governo é que o divórcio se
instala. Afinal, o Executivo dispõe de um arsenal de instrumentos para a
formação de maiorias, inclusive a distribuição do portfolio ministerial entre
os partidos que lhes dão sustentação parlamentar. Como na Alemanha.
A principal clivagem entre nós é governo
versus oposição; não é entre partidos. O presidente sequer tem partido, algo
inconcebível nas democracias.
A questão então é por que esses acordos têm
degenerado entre nós em arranjos predatórios e não estão ancorados em contratos
programáticos?
A explicação é obviamente complexa e há
muitas variáveis envolvidas, mas duas são fundamentais: os partidos e as
instituições de controle latu senso. Em democracias como a Alemanha, estas não
só punem os desmandos como têm efeito dissuasório sobre a prática de delitos.
Quando são efetivas, elas eliminam o chamado problema de ação
coletiva da corrupção: o incentivo à prática de atos ilícitos quando se
assume que todos os demais atores do jogo também o farão.
O pior dos mundos é quando postos destas
instituições entram na barganha política.
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