Folha de S. Paulo
A direita quer reduzir a idade de
aposentadoria dos ministros do Supremo para 70 anos, de modo a permitir que
Bolsonaro indique mais dois integrantes do tribunal
A Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara dos Deputados aprovou
a proposta da militante de extrema-direita Bia Kicis (PSL-DF),
presidente da comissão, que revoga a "PEC da Bengala".
A "PEC
da Bengala" foi uma das inúmeras falcatruas cometidas pela
direita brasileira em 2015-2016. Para evitar que Dilma Rousseff exercesse seu
direito de indicar mais ministros para o STF, o Congresso ampliou a idade de
aposentadoria compulsória dos ministros para 75 anos. Agora que a direita
governa o país, a turma quer reduzir de novo a idade de aposentadoria para 70,
de modo a permitir que Bolsonaro indique mais dois ministros.
O objetivo de Kicis e Bolsonaro é claro: seguir, no Brasil, o roteiro de desmonte da democracia implementado pelos governos autoritários que os inspiram, como os da Hungria e da Polônia. Os "novos autoritários" já descobriram faz tempo que o caminho mais curto para desmontar a democracia é o aparelhamento da Suprema Corte. A Suprema Corte decide o que a Constituição diz, quem controla a Suprema Corte diz o que é a Constituição.
O projeto de Kicis é uma prova clara que os
ataques de Bolsonaro contra o STF nunca foram só reações ao inquérito das fake
news ou às investigações sobre Flávio Bolsonaro: é parte de um projeto
autoritário bastante claro com inspiração internacional que os bolsonaristas
nunca negaram.
Mas não foram só os extremistas de
Bolsonaro que votaram a favor da proposta de Kicis. O centrão e mesmo deputados
de partidos com pretensão a "terceira via" (PSDB, PDT, Cidadania)
também votaram a favor.
O objetivo é retaliar o STF pela suspensão
do orçamento secreto, esquema de compra de votos que Arthur Lira opera em
nome do governo Bolsonaro. Em 2021, os recursos destinados pelo orçamento
secreto já somam R$16,8 bilhões.
Na última quinta-feira, os presidentes da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco,
comunicaram que não pretendem, vamos lá, atenção, não
pretendem cumprir a ordem do STF que determinou que os nomes dos
deputados contemplados no orçamento secreto sejam revelados ao público.
Desde a matéria do jornalista Breno Pires
que revelou o orçamento secreto, todos os analistas farejam um escândalo de
grandes proporções. Por que os parlamentares prefeririam apresentar seus
pedidos de verbas por um mecanismo secreto e não pelas emendas regulares? Os
casos de superfaturamento de tratores, já identificados, permitem suspeitar que
se trata de troca de dinheiro por votos, embrulhada de algum jeito que seria
fácil de desembrulhar se os dados fossem abertos. Se Lira e Pacheco topam
peitar o STF e bancar o autoritarismo de Kicis/Bolsonaro para não abrir os
dados, a suspeita de roubalheira já passa a ter um jeitão de certeza.
Não se sabe se Lira e sua turma levarão a
proposta de Kicis (já conhecida como "PEC da Vingança") até o fim.
Pode ser blefe.
Mas a crise institucional dos últimos dias
mostra como o autoritarismo de Bolsonaro e a corrupção do centrão anabolizaram
um ao outro. Os corruptos ameaçam o STF com autoritarismo se seus crimes forem
investigados. Os golpistas não foram impichados depois do 7 de Setembro porque
compraram os corruptos. No Brasil de Bolsonaro, separar os fascistas dos ladrões
é, cada vez mais, um exercício acadêmico.
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