Valor Econômico
Com Bolsonaro empenhado em se reeleger e o
Congresso em manter a captura de uma fatia expressiva do Orçamento, o panorama
fiscal deve permanecer nublado
A economia brasileira está em marcha lenta, e as perspectivas para os próximos meses são desanimadoras. A inflação segue elevada e os juros vão continuar a subir, num ambiente em que a atividade já dá sinais claros de fraqueza, como mostraram os resultados da indústria, do comércio e dos serviços em setembro. A um ambiente interno repleto de incertezas, somam-se agora as dúvidas quanto a uma nova variante da covid-19, a ômicron. Há temores de que nova cepa seja mais transmissível e resistente às vacinas existentes. O medo de uma nova variante que acelere o contágio da doença, dando um tranco na economia mundial, aumentou com força a aversão global ao risco na sexta-feira.
Esse fator externo é mais uma fonte
potencial de pressão sobre o câmbio, que segue bem mais desvalorizado do que
aponta a solidez das contas externas. Embora o real tenha mostrado um
desempenho mais favorável em novembro do que grande parte das outras moedas
emergentes, a divisa brasileira continua enfraquecida, dificultando o trabalho
do Banco Central (BC) de combater a inflação alta. Na sexta-feira, o dólar
fechou próximo de R$ 5,60. Para vários analistas, a moeda deveria estar abaixo
de R$ 5. Mesmo o forte aumento da diferença entre os juros internos e externos
não tem sido suficiente para valorizar o real de modo significativo.
O governo de Jair Bolsonaro é a grande
fonte de incertezas. Em vez de atuar para aumentar a previsibilidade na
economia, a administração do presidente faz o oposto. Um dos casos mais
eloquentes é o da política fiscal. Ainda que a melhora das projeções para a
dívida bruta e para o déficit público tenha sido em grande parte resultado da
inflação mais alta, por elevar a arrecadação e inflar o PIB em termos nominais,
o país deixou de se beneficiar dessas estimativas mais favoráveis. As manobras
para driblar o teto de gastos e adiar o pagamento de precatórios voltaram a
deteriorar as expectativas fiscais.
Nesse cenário, a trajetória das contas
públicas voltou a se turvar, elevando o risco país e desvalorizando o câmbio,
com efeitos negativos sobre as previsões para a inflação e para os juros. A
perspectiva de que o país teria uma Selic de um dígito de modo sustentado não
existe mais. A taxa, que até março estava em 2% ao ano, já subiu para 7,75%,
devendo alcançar 9,25% na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da
semana que vem. No primeiro trimestre de 2022, novos aumentos são esperados. Há
quem projete uma Selic atingindo 12,5% no fim do ciclo de alta dos juros.
Ainda que a taxa não chegue a esses níveis,
ela deverá superar dois dígitos e permanecer nesse patamar por um tempo
considerável. As projeções de inflação para 2022 indicam uma grande
possibilidade de o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) superar
o teto da banda de tolerância do ano que vem, de 5% - a meta será de 3,5%, com
margem de erro de 1,5 ponto percentual, para mais ou para menos. Neste ano, o
IPCA deve ficar acima de 10%.
Os juros mais altos e por mais tempo
levarão a economia a um desempenho sofrível. Instituições com o Itaú Unibanco
apostam em retração do PIB no ano que vem- o banco espera queda de 0,5%. Mesmo
quem não acredita em contração da atividade em 2022 avalia que o resultado será
fraco - a BRCG Consultoria, por exemplo, estima crescimento de 0,8%.
A BRCG destaca o efeito negativo da forte
alta dos juros de longo prazo para a atividade econômica futura, especialmente
sobre os investimentos. A taxa privada de 5 anos, por exemplo, subiu de 6,03%
no fim do ano passado para 11,7% na sexta-feira. Um salto dessa magnitude
obviamente desestimula muitas empresas a investir em novos projetos. A
consultoria ressalta também a piora das condições financeiras medidas de modo
mais amplo, devido ao câmbio excessivamente desvalorizado, o risco país
elevado, a queda dos preços das ações, a alta dos juros futuros e o aumento das
taxas de empréstimos e financiamentos. Esse quadro todo joga contra a atividade
econômica, que já mostrou enfraquecimento nos últimos meses.
É nesse ambiente que surge a nova variante
da covid-19. Ela desperta os temores de que uma nova onda possa afetar o
processo de abertura da economia, num momento em que o aumento do contágio em
lugares como a Europa já tem levado as autoridades a adotar medidas de distanciamento
social. É evidentemente muito cedo para ter uma ideia do impacto que será
causado pela ômicron, que poderá ter efeitos limitados. O ponto é que é mais um
fator de risco num momento em que há problemas delicados no quadro interno,
como a inflação resistente, na casa dos dois dígitos, e um cenário fiscal
indefinido. Caberia ao governo agir para reduzir as incertezas domésticas, mas
o que ocorre é justamente o contrário.
Há quem veja exagero nas reações à Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que busca abrir espaço no
orçamento para elevar o valor do benefício do Auxílio Brasil para R$ 400,
mudando a fórmula de cálculo do teto de gastos e adiando o pagamento de parte
de sentenças judiciais. As reações, porém, não são exageradas. As alterações de
fato jogam por terra o teto de gastos, que servia como âncora importante para
as contas públicas, embora o mecanismo pudesse ser aperfeiçoado. Além disso, a
medida sacramenta o calote em parte significativa dos precatórios, podendo
criar uma bola de neve de dívidas não pagas ao longo dos próximos anos. Outro
objetivo da PEC é garantir o financiamento de emendas definidas pelos
parlamentares. Para completar, Bolsonaro pretende reajustar o salário dos
servidores públicos, embora a nova PEC não pareça abrir terreno para essas
novas despesas. Enfim, a proposta reúne um conjunto de medidas que fragiliza o
arcabouço fiscal, provocando dúvidas sobre a trajetória futura das contas
públicas.
Essas incertezas mantêm o risco país num
nível alto e o câmbio desvalorizado. Com isso, o impacto de um fator de risco
externo como o surgimento da ômicron se dá numa situação já complicada. A nova
variante pode se provar pouco grave. Mas, num país com um quadro interno
frágil, perturbações externas pioram um cenário que em si é difícil. Com
Bolsonaro empenhado em se reeleger e o Congresso em manter a captura de uma
fatia expressiva do Orçamento, o panorama fiscal deve permanecer nublado, o que
tende a se traduzir num câmbio pressionado, afetando a inflação, exigindo mais juros
e causando menor crescimento. O alívio não virá do ambiente doméstico.
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