O Globo / Folha de S. Paulo
Os bons costumes nacionais devem à boa
parte da bancada evangélica da Câmara um grande serviço. Ela travou a trama que
pretendia legalizar o jogo em Pindorama. À primeira vista, o que havia era
apenas um truque do presidente da Câmara, Arthur Lira, levando ao plenário no
escurinho de Brasília um velho projeto, que legaliza os jogos de azar e permite
a reabertura de cassinos, chamando-os de resorts. O filé mignon e o pote de
veneno dessa inciativa estão na abertura dos cassinos. Por trás de uma panaceia
arrecadatória e turística, há muito mais.
Aos fatos:
Em maio de 2018, entrando pela cozinha do
Copacabana Palace, o candidato a presidente Jair Bolsonaro e o economista Paulo
Guedes se encontraram com o bilionário americano Sheldon Adelson. Ele veio ao
Brasil com dois objetivos: obter a promessa da instalação da embaixada
brasileira em Jerusalém e tratar da abertura de cassinos em cidades turísticas.
Adelson, grande financiador do partido Republicano nos Estados Unidos, tinha
cassinos em Las Vegas, Singapura e Macau.
O jabuti andou. Em dezembro daquele ano, o
então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, defendeu a criação de um complexo
hoteleiro com cassino no Porto Maravilha. Meses depois, já na presidência da
República, Bolsonaro informou: “Não quero adiantar aqui. Brevemente, estará
sendo apresentado aos senhores um projeto que, com todo o respeito ao Paulo
Guedes, a previsão é de termos dinheiro em caixa maior do que a reforma
previdenciária em dez anos”.
Nas contas dos amigos do jabuti, os cassinos poderiam render à Viúva até R$ 18 bilhões em arrecadação. Bolsonaro teria discutido o assunto num de seus encontros com o presidente americano Donald Trump, dono de cassinos na sua terra.
Em novembro de 2019, o ministro Paulo
Guedes veio para a vitrine e louvou os cassinos de Las Vegas: “Imagina ter o
mesmo na região da Amazônia? Mistério, turismo, entretenimento e um centro
mundial de energia sustentável”. Outros príncipes do bolsonarismo circularam
pelo circuito mundial da jogatina e pelo escritório de Adelson.
Na famosa reunião do ministério de abril de
2020, o tema dos resorts reapareceu com sua roupagem de vestal do turismo. Foi
rebatido pela terrivelmente evangélica ministra Damares Alves: “Pacto com o
diabo.”
Damares vocalizava uma posição arraigada no
meio evangélico que não bebe, não fuma e não joga. O assunto poderia ter
morrido, mas Paulo Guedes retomou-o:
“Tem
problema nenhum. São bilionários, são milionários. Executivos do mundo inteiro.
(...) O turismo saiu de cinco milhões em Singapura para 30 milhões por ano. O
Brasil recebe seis. (...) O sonho do presidente de transformar o Rio de Janeiro
em Cancún lá, Angra dos Reis em Cancún . (...) É um centro de negócios. É só
maior de idade. O cara entra, deixa grana lá que ele ganhou anteontem, ele
deixa aquilo lá, bebe, sai feliz da vida. Aquilo ali não atrapalha ninguém.
Deixa cada um se foder. Ô Damares. Damares. Damares. Deixa cada um ... Damares.
Damares. O presidente fala em liberdade. Deixa cada um se foder do jeito que
quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Deixa o cara
se foder, pô! Não tem ... Lá não entra nenhum, lá não entra nenhum
brasileirinho.”
Ninguém seria capaz de imaginar que esse
seria o nível do debate de um doutor pela universidade de Chicago, mas vá lá.
A discussão de abril se tornou pública e o
projeto continuou sua caminhada pelo escurinho de Brasília. Se uma parte da
bancada evangélica tivesse ficado quieta, Arthur Lira teria colocado na pauta a
legalização dos cassinos. Com a reação, ele aprovou a urgência, mas se
comprometeu a só colocar o mérito do projeto em votação a partir de fevereiro.
Até lá, como diz o croupier da roleta: façam seus jogos, senhores.
Sheldon Adelson terá que esperar. Ele
morreu em janeiro passado, aos 87 anos, deixando algo como US$ 30 bilhões.
Madame Natasha saúda o neologismo
Madame Natasha adorou ouvir que delegados
da Polícia Federal criticaram o espetáculo da ação praticada contra os irmãos
Ciro e Cid Gomes na terça-feira, classificando-a de “lavajatismo”.
A expressão Lava-Jato, que designava ações
contra a corrupção de políticos e empresários, gerou um neologismo que designa
teatralidades intimidatórias, destinadas a condenar suas vítimas pela
construção de espetáculos.
Natasha encantou-se com o neologismo, que a
remeteu ao grande momento literário de Dean Acheson, o secretário de Estado
americano (1949-1953) que ela adorava na sua juventude. Imponente, chique e
mordaz, Acheson comeu o pão que Asmodeu amassou nas mãos do senador Joseph
McCarthy, que comandou uma caça às bruxas na administração americana. Bebum e
mentiroso, ele acabou censurado pelos colegas. Morreu em 1957, levado pela
cirrose e pela amargura.
Anos depois, ao escrever suas magníficas
memórias, Acheson deu-lhe poucas e memoráveis palavras. Disse que, como o juiz
Lynch (pai do verbo linchar) e do capitão Boycott (pai do verbo boicotar), o
senador “enriqueceu a língua inglesa” gerando a palavra macartismo.
Lexotan para Guedes
Desde 1959, quando o governo brasileiro vai
para as cordas, o presidente ou seu ministro da Fazenda arrumam uma encrenca
com o Fundo Monetário Internacional. Agora foi a vez do doutor Paulo Guedes.
Aborrecido com as previsões pessimistas e erradas do Fundo para o desempenho da
economia brasileira, ele dispensou os serviços do escritório do Fundo em
Brasília.
Poderia ter feito isso em silêncio ao
estilo de Pedro Malan ou de Octavio Gouveia de Bulhões, mas preferiu dar ao
gesto uma marca bolsonariana: “O FMI fez uma lambança, e eu descredenciei a
missão”.
Não precisava, até porque por mais
lambanças que o Fundo faça, elas não se comparam com as que as ekipekonômikas
de Pindorama patrocinam.
Na mesma apresentação, Guedes maltratou o
economista Ilan Goldfajn, o ex-presidente do Banco Central que assumirá uma
diretoria do Fundo em Washington. Goldfajn é acima de tudo uma pessoa educada
que irradia bom humor. Explicando-se, Guedes informou: “O Ilan é um ótimo
brasileiro. Boa pessoa, tudo isso. Ontem, criticou a gente pesado, então estou
devolvendo hoje”.
O general da reserva Augusto Heleno, chefe
do Gabinete de Segurança Institucional, disse que toma Lexotan na veia para
aguentar o Supremo Tribunal Federal. Ele poderia aproveitar a oportunidade,
criando um posto de atendimento para ministros que precisam de ansiolíticos.
Algumas doses fariam bem a Guedes.
Petista feliz
De um petista feliz com as últimas
pesquisas debaixo do braço:
“Do jeito que vão as coisas, Bolsonaro não
irá ao segundo turno porque não haverá segundo turno.”
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