quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Vinicius Torres Freire: Está lá um PIB estendido no chão

Folha de S. Paulo

Com economia no vermelho, arrocho de juros vai piorar e zumbis, enchem as ruas

Na então Grande Recessão do começo dos anos 1980, a gente via pessoas acampadas na rua, sob tendas de sacos pretos de lixo. O Brasil era como sempre pobre, mas não se tinha notícia daquilo, de crise tão longa e dos despejados pela crise expondo as nossas vergonhas cruéis até nas praças de bairros ricos.

Até então, ainda modernizávamos a pobreza, a desigualdade e outras opressões. Nem a ditadura militar era tão reacionária e cretina quanto essa gente que ora ocupa Brasília.

Mas o Brasil progrediu e o mundo nunca esteve tão bem de vida desde o Neolítico, como dizem os doutores Pangloss do capital. Agora, miseráveis vivem em pequenas barracas de camping e instalam centrais de lixo reciclável em praças e esquinas dos "bairros de bem". Houve progresso, né: em vez de sacos plásticos, tendas de armar e carroças de lixo com música.

No centro da cidade, os miseráveis são mais tradicionais. As "pessoas em situação de rua", como diz o eufemismo correto, deitam sobre papelão, envoltas em trapos que passam por cobertas. Muitos se aglomeram diante de centros de caridade que dão alguma comida ou roupa. Depois perambulam às centenas pelas redondezas da praça da Sé ou sob viadutos próximos da avenida Paulista.

Um pouco de longe, parece a Cracolândia ou cenas de filmes de zumbi, proféticos na figuração de aglomerações de refugiados, de imigrantes que tentam furar cercas de países ricos ou dos miseráveis paulistanos.

Gente da prefeitura diz que deixamos 40 mil pessoas pelas ruas, mas a estatística não está pronta. A gente nem conta quantos outros tão miseráveis estão escondidos nas "comunidades" ou caçando ossos em caçambas. A gente ouve de professores amigos ou lê nas redes que crianças desmaiam de fome na escola. Não há revolta, motim, nada.

Quando sai comigo para a rua, meu filho de 9 anos agora me pergunta se coloquei dinheiro na carteira, angustiado com a pobreza terrível, para quem quer dar uns trocados. Minha filha adulta passa o fim de semana em trabalho voluntário em "comunidades" agora ainda mais pobres e com imigrantes que, de tão desesperados, decidiram tentar a vida no Brasil.

Nos últimos dias, vi muitas notícias dessas pessoas de internet que participavam de uma festa chamada "farofa". Nas notícias de política, uma torrente de notinhas sobre "articulações" eleitorais e "bastidores" (...), um monte de burrices dessa gente indiferente ao tamanho do desastre e ao risco enorme de que a ruína continue muito além de 2023. Se tudo der muito certo, vamos recuperar o PIB perdido e o tantinho que costumávamos crescer (e não crescemos) apenas lá perto de 2030. SE DER MUITO CERTO.

No mais, tem o centrão tentando saquear o Orçamento a fim de garantir a reeleição, fofocas e tretas sociais diversas, escaramuças da elite do poder e as nossas mais recentes tentativas de provocar um novo repique de epidemia.

A coluna deveria tratar de indicadores econômicos de outubro e de taxa de juros. Sim, acabou de tratar, olhando o horror pelo telescópio.

Em outubro, indústriacomércio e serviços regrediram, produziram ou venderam menos. Na sua exposição de motivos para o aumento de juros da semana passada ("Ata do Copom"), o Banco Central avisou que a Selic pode ir a 12% ao ano ou além, empurrando o país dos zumbis para a beira da recessão. Depois de oito anos de empobrecimento, presta-se ainda menos atenção a notícias de economia e ao prenúncio de nova desgraça, sob desgoverno e sob a ameaça de uma elite que quer o bolsonarismo sem Bolsonaro (no melhor dos casos. Há pior).

Nos acostumamos à morte, à pobreza, ao horror criminoso de Jair Bolsonaro. É o "novo normal".

 

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