Folha de S. Paulo
Com economia no vermelho, arrocho de juros
vai piorar e zumbis, enchem as ruas
Na então Grande Recessão do começo dos anos
1980, a gente via pessoas acampadas na rua, sob tendas de sacos pretos de lixo.
O Brasil era como sempre pobre, mas não se tinha notícia daquilo, de crise tão
longa e dos despejados pela crise expondo as nossas vergonhas cruéis até nas
praças de bairros ricos.
Até então, ainda modernizávamos a pobreza,
a desigualdade e outras opressões. Nem a ditadura
militar era tão reacionária e cretina quanto essa gente que ora
ocupa Brasília.
Mas o Brasil progrediu e o mundo nunca
esteve tão bem de vida desde o Neolítico, como dizem os doutores Pangloss do
capital. Agora, miseráveis vivem em pequenas barracas de camping e instalam
centrais de lixo reciclável em praças e esquinas dos "bairros de
bem". Houve progresso, né: em vez de sacos plásticos, tendas de armar e
carroças de lixo com música.
No centro da cidade, os miseráveis são mais tradicionais. As "pessoas em situação de rua", como diz o eufemismo correto, deitam sobre papelão, envoltas em trapos que passam por cobertas. Muitos se aglomeram diante de centros de caridade que dão alguma comida ou roupa. Depois perambulam às centenas pelas redondezas da praça da Sé ou sob viadutos próximos da avenida Paulista.
Um pouco de longe, parece a Cracolândia ou
cenas de filmes de zumbi, proféticos na figuração de aglomerações de
refugiados, de imigrantes que tentam furar cercas de países ricos ou dos
miseráveis paulistanos.
Gente da prefeitura diz que deixamos 40 mil
pessoas pelas ruas, mas a estatística não está pronta. A gente nem conta
quantos outros tão miseráveis estão escondidos nas "comunidades"
ou caçando
ossos em caçambas. A gente ouve de professores amigos ou lê nas redes que
crianças desmaiam de fome na escola. Não há revolta, motim, nada.
Quando sai comigo para a rua, meu filho de
9 anos agora me pergunta se coloquei dinheiro na carteira, angustiado com a
pobreza terrível, para quem quer dar uns trocados. Minha filha adulta passa o
fim de semana em trabalho voluntário em "comunidades" agora ainda
mais pobres e com imigrantes que, de tão desesperados, decidiram tentar a vida
no Brasil.
Nos últimos dias, vi muitas notícias dessas
pessoas de internet que participavam de uma festa
chamada "farofa". Nas notícias de política, uma torrente de
notinhas sobre "articulações" eleitorais e "bastidores"
(...), um monte de burrices dessa gente indiferente ao tamanho do desastre e ao
risco enorme de que a ruína continue muito além de 2023. Se tudo der muito
certo, vamos recuperar o PIB perdido e o tantinho que costumávamos crescer (e
não crescemos) apenas lá perto de 2030. SE DER MUITO CERTO.
No mais, tem o centrão tentando saquear o
Orçamento a fim de garantir a reeleição, fofocas e tretas sociais diversas,
escaramuças da elite do poder e as nossas mais recentes tentativas de provocar
um novo repique de epidemia.
A coluna deveria tratar de indicadores
econômicos de outubro e de taxa de juros. Sim, acabou de tratar, olhando o
horror pelo telescópio.
Em outubro, indústria, comércio e serviços regrediram,
produziram ou venderam menos. Na sua exposição de motivos para o aumento de
juros da semana passada ("Ata do Copom"), o Banco
Central avisou que a Selic pode ir a 12% ao ano ou além, empurrando o país
dos zumbis para a beira da recessão. Depois de oito anos de empobrecimento,
presta-se ainda menos atenção a notícias de economia e ao prenúncio de nova
desgraça, sob desgoverno e sob a ameaça de uma elite que quer o bolsonarismo
sem Bolsonaro (no melhor dos casos. Há pior).
Nos acostumamos à morte, à pobreza, ao
horror criminoso de Jair Bolsonaro. É o "novo normal".
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