EDITORIAIS:
PEC precária
Folha de S. Paulo
Revelação tardia de votantes é novo dano à
imagem
É raríssimo encontrar motivos nobres na
relutância de autoridades em prestar esclarecimentos básicos à sociedade. Um
detalhamento da votação da PEC do Calote, a muito
custo obtido da Câmara dos Deputados, vai confirmando a regra.
Só na segunda (13) esta Folha conseguiu
que a Casa legislativa presidida por Arthur Lira (PP-AL) fornecesse a lista de
oito deputados que participaram em condições excepcionais da análise em
primeiro turno do texto, ocorrida há mais de um mês.
Graças a um ato da cúpula da Câmara, esses
parlamentares puderam votar a distância, sem registro de presença no plenário,
por estarem viajando em missão oficial. Com quatro apoios no grupo, a PEC
passou com 312 votos —exatamente quatro acima do mínimo necessário.
Enfim divulgada, depois de um pedido com
base na Lei de Acesso à Informação e da publicação de uma reportagem que
relatava a resistência de Lira, a lista de imediato mostrou problemas. Um dos
deputados relacionados não estava em viagem oficial naquela data; outro estava
em Brasília e presente no plenário.
Os meandros do caso demandam mais apuração, mas desde já fica claro que o governismo empenhou energia, verbas e manobras regimentais para uma vitória milimétrica —e precária, dado que a PEC passou por alterações no Senado que voltam agora ao exame dos deputados.
Trata-se de um dano adicional à imagem de
uma legislação que teve péssima repercussão na economia e muito provavelmente
terá seus ditames questionados no Supremo Tribunal Federal.
Peça central da estratégia de Jair
Bolsonaro na busca pela reeleição, a emenda constitucional eleva sem
justificativa razoável o teto de gastos inscrito em 2016 na Carta e promove um
calote no pagamento de dívidas arbitradas pela Justiça, ou precatórios.
Abriu-se caminho, com isso, para o
pagamento do Auxílio Brasil, versão ampliada do Bolsa Família —um objetivo
meritório, sem dúvida, mas atingido com custos e riscos excessivos.
O aumento do gasto público, que nem de
longe ficará limitado ao programa de amparo aos pobres, já cobra seu preço na
forma de mais inflação e mais juros; a postergação dos precatórios deverá
resultar em um passivo astronômico nos próximos anos.
A possibilidade de que o texto venha a ser
considerado inconstitucional em um futuro próximo não se mostra mais animadora.
Restarão, afinal, os problemas orçamentários reais que deveriam ter sido
enfrentados agora, com racionalidade econômica e entendimento político.
Paralisia vacinal
Folha de S. Paulo
Volta alarmante do risco de poliomielite
decorre de queda ampla de imunização
Depois de mais de três décadas sem
registrar um caso de poliomielite, o Brasil convive, em pleno século 21, com a
perspectiva desoladora do ressurgimento da doença.
O país foi incluído pela Organização
Pan-Americana de Saúde, ao lado de Bolívia, Equador, Guatemala, Haiti,
Paraguai, Suriname e Venezuela, no inglório rol de nações do continente com
alto risco de retorno da moléstia viral.
O alarme com relação à doença, que em suas
formas mais graves compromete o sistema nervoso, causando paralisia permanente
dos membros, decorre da cobertura vacinal insuficiente.
Como regra, epidemiologistas preconizam que
95% do público-alvo —de bebês de 2 meses até crianças de 5 anos— precisa ser
imunizado para impedir a circulação da pólio. Desde 2015, no entanto, há piora
por aqui.
Há seis anos, a taxa se encontrava no
patamar seguro de 98,2%. Ela regrediu, porém, para 84,4% em 2016. No ano
passado, despencou para preocupantes 75,9%. Em números absolutos, calcula-se
que haja nada menos que 1 milhão de bebês e crianças desprotegidas.
Embora a maior parte do planeta esteja
livre da pólio, o patógeno permanece endêmico no Paquistão e no Afeganistão.
Com essa legião de brasileiros vulneráveis, um viajante desses países que fosse
portador do vírus da pólio seria suficiente para promover a recirculação da
enfermidade.
As preocupações, infelizmente, não se
restringem à pólio. Em 2020, não se cumpriu no Brasil nenhuma meta de cobertura
para as vacinas aplicadas na infância.
O sarampo, que parecia uma página virada,
voltou a circular no país após ter sido erradicado em 2016. No ano passado,
registraram-se surtos dessa doença em 21 estados.
São várias as explicações para o retrocesso
—da falsa sensação de segurança resultante da eliminação das moléstias até a
possível influência da desinformação sobre os riscos da vacinação, passando
pela dificuldade em comparecer aos postos em horário comercial.
Soma-se a isso a pandemia, que restringiu
serviços de saúde e fez com que pais buscassem menos os postos de saúde para
atualizar a caderneta de vacinação.
Diante da necessidade urgente de reverter
esse quadro, é incompreensível, para dizer o mínimo, que o governo Jair
Bolsonaro mantenha o órgão responsável por gerenciar a vacinação há mais de
cinco meses sem um coordenador titular.
Os caciques mandam no Orçamento
O Estado de S. Paulo
Sem nenhum critério técnico, cúpula do Congresso privilegia familiares e aliados políticos na distribuição de verbas das emendas de relator
A distribuição de verbas do Orçamento por
meio das emendas de relator tem deixado claro o poder de caciques políticos do
Congresso. Sem seguir qualquer critério técnico que justifique a escolha de um
município em detrimento de outro, as transferências de recursos expõem os
mandos e desmandos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); do atual
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); do antecessor deste, Davi
Alcolumbre (DEM-AP); do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho
(MDB-PE); e do relator-geral da peça orçamentária de 2020, Domingos Neto
(PSD-CE).
Sempre que questionado sobre as chamadas
RP9, Lira afirma que elas não devem ser demonizadas, pois permitem o envio de
recursos para municípios menores e que nunca foram tratados com prioridade pela
União. De fato, metade dessas transferências é destinada à saúde e pode
contribuir para melhorar a vida da população. Lira não fala, no entanto, sobre
como esse mecanismo tem sido usado para perpetuar distorções na divisão do
Orçamento – desta vez, baseadas em relações pessoais.
Reportagem publicada pelo Estadão mostra
um evidente privilégio para os municípios governados por aliados da cúpula do
Legislativo. No sul de Minas, base de Pacheco, Pouso Alegre, do prefeito Rafael
Simões (DEM), recebeu R$ 105.193.595,44 em emendas de relator nos anos de 2020
e 2021, ou R$ 681,77 por habitante. Na mesma região, Silvianópolis não ficou
com dinheiro algum e Poços de Caldas, apenas R$ 1,5 milhão, ou R$ 9,05 per
capita.
O cenário se repete no Ceará. Tauá foi alvo
de transferências de R$ 151,4 milhões. Mombaça, a 79 quilômetros, recebeu
apenas R$ 2,9 milhões. Os municípios têm tamanho, população e dificuldades
semelhantes, mas Tauá é governada por Patricia Aguiar, mãe do deputado Domingos
Neto, enquanto Mombaça está sob o comando de Orlando Filho, seu adversário
político.
Petrolina (PE), gerida por Miguel Coelho,
filho de Fernando Bezerra Coelho, recebeu R$ 195,7 milhões em RP9. Reduto
político de Alcolumbre, Santana, no Amapá, ficou com R$ 146,6 milhões, o que o
coloca no quarto lugar entre os municípios que mais tiveram acesso a essas
verbas – com exceção das capitais de Estados.
É claro que Lira e sua turma não poderiam
ficar de fora. Barra de São Miguel, administrada por Benedito de Lira, pai do
prócer do Centrão, contou com R$ 4,7 milhões em emendas neste ano e R$ 5,8
milhões no ano passado. É o município que mais recebeu recursos em todo o
Estado proporcionalmente à sua população, de 8,4 mil habitantes, segundo
informou a Folha.
Mas, em vez de priorizar o saneamento
básico, principal demanda de uma comunidade que vive do turismo e tira o
sustento dos manguezais, Benedito de Lira optou por direcionar a verba para
drenagem e pavimentação em convênios com a Codevasf, estatal cuja
superintendência alagoana está nas mãos de Joãozinho Pereira, primo de Arthur
Lira. Até agora, as obras seguem em ritmo lento e várias estão inacabadas.
Graças ao jornalismo, a necessidade de
transparência das emendas de relator não está mais em discussão. O governo, que
inicialmente negou a existência do artifício e ameaçou processar o Estadão,
foi obrigado, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), a editar um decreto
com normas mínimas sobre esse tipo de transferência, usada como moeda de troca
para votações no Congresso. Resta a batalha pelo resgate da moralidade,
princípio, como muitos, solapado pelo governo Jair Bolsonaro e sua base de
apoio no Congresso.
Em entrevista ao Valor, o ministro do
Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, disse que as emendas de relator são
uma prerrogativa da maioria. “Quando se fala de equidade, é bom lembrar que a
democracia estabelece que a maioria define a alocação dos recursos públicos”,
afirmou.
Caberia perguntar ao ministro se o conceito
de maioria, para ele, abarca o patrimonialismo com que recursos de toda a
sociedade vêm sendo tratados pelo Executivo e o Legislativo. Também valeria
questioná-lo sobre se a obsessão de políticos por asfalto é compartilhada por
quem vive na miséria e deu o azar de não viver nas cidades dos compadres de
quem manda de fato no Orçamento.
Pisando forte no freio da inflação
O Estado de S. Paulo
Copom promete medidas duras contra a alta de preços, mas nenhum banco central tem remédio conhecido contra o desgoverno
A inflação supera as previsões, a economia
cresce menos que o esperado, as expectativas são ruins, o cenário internacional
piorou e será preciso um aperto maior para conter a alta de preços. São
sombrias, para usar uma palavra suave, as projeções do Banco Central (BC) para
o último ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro. Pelo menos tão sombrias,
pode-se acrescentar, quanto as do mercado. Crescimento econômico de 0,50% em
2022 e inflação de 5,02%, acima do teto da meta, são estimativas incluídas no
boletim Focus, baseado em números de instituições financeiras e de
consultorias. Mas os técnicos do mercado andaram piorando, até recentemente, as
condições econômicas esperadas para 2023 e 2024.
É fácil entender, portanto, por que a
palavra “desancoragem” aparece quatro vezes na ata da última reunião do Copom,
o Comitê de Política Monetária do BC, formado por diretores da instituição. Um
dos objetivos permanentes do Comitê é manter boas expectativas no mercado
quanto à evolução dos preços. Quando há segurança e as expectativas estão
ancoradas, a tarefa de manter a estabilidade de preços é mais simples. Não é
preciso cuidar do pessimismo de quem toma decisões no mundo financeiro e em
outros mercados. Houve, recentemente, sinais de desancoragem, e esse problema foi
incluído com destaque na pauta da política monetária. “Ancoragem” aparece duas
vezes na ata divulgada na terça-feira.
O trabalho será complicado e o “ciclo de
aperto monetário”, segundo o Copom, “deverá ser mais contracionista” do que
seria em condições menos desafiadoras. A piora das expectativas e o risco de
agravamento das contas fiscais tornam recomendável uma política mais dura, com
juros muito elevados. Por enquanto, o plano é manter a elevação de 1,5 ponto
porcentual. Com isso, os juros básicos chegam a 9,25% neste fim de ano e devem
ser aumentados para 10,75% na reunião programada para o começo de fevereiro.
No mercado, a taxa esperada para o fim de
2022 chegou a 11,50%. Mas os juros poderão ir além desse nível, pode-se
apostar, se as pressões inflacionárias se mantiverem fortes. Isso dependerá, em
boa parte, da evolução de receitas e despesas federais no próximo ano, quando o
presidente estiver mais duramente empenhado na busca da reeleição. Insegurança
fiscal, câmbio e inflação estão fortemente conectados, como já se verificou
durante a maior parte deste ano.
Além de terminar em condições muito ruins,
o atual mandato presidencial deixará um péssimo legado para quem assumir o
posto em janeiro de 2023, segundo as apostas do mercado e do Copom. O Comitê
reafirma o compromisso de conduzir a inflação à meta, mas sem fixar claramente
um prazo. Não mais se fala de um ajuste realizável até o fim de 2022. O
“horizonte relevante” mencionado na ata inclui também o ano seguinte. O aperto
poderá prolongar-se até lá, mesmo com alguma redução gradual dos juros básicos.
A última projeção do mercado situa em 8% a taxa básica esperada para o fim de
2023.
Juros elevados, portanto, deverão
prevalecer na primeira metade do novo mandato presidencial, se o BC persistir
em domar a inflação e em restabelecer a ancoragem das expectativas. Essa
ancoragem poderá estar recuperada em 2023, se o aperto prometido para 2022 der
o resultado pretendido. Para isso a política deverá, como já se anunciou mais
de uma vez, avançar “significativamente em território contracionista”.
Mas essa decisão também implica, segundo a
ata, “suavização das flutuações econômicas e fomento do pleno-emprego”. É
difícil imaginar esses efeitos durante o período de aperto mais forte, com
crédito muito caro e inacessível a grande parte dos empresários e dos
consumidores. Mas a redução da inflação e a melhora das expectativas tenderão a
resultar, depois de algum intervalo, em recuperação dos negócios e do emprego.
Nenhum ajuste monetário, no entanto, produzirá efeitos significativos e
duradouros enquanto o poder central falhar nas funções e responsabilidades de
um verdadeiro governo. Para isso nenhum banco central tem remédio.
Marco legal das ferrovias deverá melhorar
transporte
O Globo
Foi acertada a aprovação pela Câmara dos
Deputados do projeto que cria um novo marco legal para as ferrovias. A
principal inovação é permitir a construção de linhas privadas sem a necessidade
de adesão ao regime de concessão. Empresas poderão avaliar projetos, investir e
explorar com participação mínima do Estado, a exemplo do que acontece em países
como os Estados Unidos, a Austrália ou o Canadá.
Trata-se de nova tentativa para aumentar a
malha ferroviária nacional, hoje com 29 mil quilômetros, apenas um terço dos
quais com tráfego regular. Outro objetivo é ampliar a participação dos trens na
matriz de transporte de cargas. Atualmente ela é de apenas 15%, ante 65% para
as rodovias. Se bem-sucedida, será uma boa notícia para desafogar estradas de
caminhões e diminuir as emissões de carbono.
A meta é que o percentual das cargas transportadas
por trens chegue a 40% em 15 anos. O governo já recebeu 47 pedidos de entes
privados interessados em construir ferrovias. Desse total, 36 somam 11.142 km,
em 14 unidades da Federação. A projeção de investimentos está em torno de R$
150 bilhões.
Ferrovias exigem grandes somas na criação
da infraestrutura e na compra de equipamentos — são um exemplo do que os
economistas chamam de atividades intensivas em capital. Nas últimas décadas,
com a capacidade de investimento do Estado comprometida, o dinheiro privado
passou a ser visto como alternativa para a expansão do setor.
O modelo escolhido a partir dos anos 90
foram as concessões, um avanço na comparação ao ineficiente estatismo da Rede
Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA). O governo pretende continuar
fazendo leilões para conceder à iniciativa privada o direito de construir ou
operar trechos ferroviários, principalmente quando envolver percursos maiores,
vários produtos e diferentes estados.
O novo marco legal foi criado para
complementar essa estratégia. Empresas, como mineradoras, fabricantes de
celulose ou de alimentos, que queiram unir suas unidades produtoras a portos ou
redes existentes agora têm a oportunidade de construir suas próprias ferrovias.
O papel do Estado continuará sendo crucial
em várias etapas dos projetos. Faz sentido, contudo, deixar que o setor privado
avalie o potencial de uma ferrovia a partir das suas demandas, levante e
invista o capital, depois opere as que decida construir.
O Congresso deu um passo importante para melhorar
a competitividade da economia ao aprovar o projeto do senador José Serra
(PSDB-SP), apoiado pelo Ministério da Infraestrutura. Para que o novo modelo dê
certo, a sociedade ainda terá de exigir transparência e seriedade na aplicação
do novo marco legal. Avaliações e ajustes periódicos serão necessários ao longo
do caminho. Mas que ninguém duvide: o novo marco legal caminha na direção
certa.
Governo precisa garantir integridade física
e trabalho livre de jornalistas
O Globo
São intoleráveis as agressões físicas e verbais
de seguranças e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro a jornalistas das TVs
Bahia, afiliada da TV Globo, e Aratu, afiliada do SBT, ocorridas no domingo na
Bahia. É impensável que, numa democracia, um funcionário pago com dinheiro do
contribuinte aplique o golpe conhecido no dicionário da truculência como
“mata-leão” numa repórter que tentava entrevistar o presidente cumprindo seu
dever profissional de informar.
O episódio grotesco não é caso isolado. Em
outubro, quando estava na Itália para o encontro do G20, Bolsonaro hostilizou
repórteres e permitiu que seus seguranças e agentes do Estado italiano
agredissem jornalistas brasileiros em Roma. Houve socos, empurrões e confisco
de celulares. Ao perguntar por que o presidente não participara de eventos do
G20 com outros líderes mundiais, o correspondente da TV Globo Leonardo Monteiro
recebeu de um segurança um soco no estômago. Acrescentem-se a essas cenas
deploráveis as dezenas de ocasiões em que Bolsonaro e seus apoiadores
promoveram ataques verbais a jornalistas no cercadinho do Alvorada.
Surpreende, diante disso, que a
Procuradoria-Geral da República (PGR) não esteja preocupada com esses ataques à
democracia. Na segunda-feira, o procurador-geral Augusto Aras defendeu a
rejeição de uma ação impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Rede
Sustentabilidade para impedir Bolsonaro de promover ou incentivar ataques à
imprensa. A ação, apresentada após o episódio de Roma, pede que o STF obrigue a
Presidência a preparar um plano de segurança para garantir a integridade e o
trabalho dos profissionais que acompanham o presidente. Para negar o pedido,
Aras alegou questões processuais. Segundo ele, a Ação de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) da Rede não é o instrumento adequado para tratar o
assunto. Aras nem tomou posição sobre as agressões inadmissíveis.
O cerco à imprensa profissional tem sido
marca do governo Bolsonaro. A ONG Repórter sem Fronteiras (RSF) registrou 580
casos de ataques contra a imprensa em 2020 e afirmou que “as condições de trabalho
dos jornalistas se deterioraram consideravelmente por causa da constante
pressão do presidente e de seus aliados”. Outro relatório da RSF pôs Bolsonaro
numa lista de 37 chefes de Estado ou governo considerados “predadores da
liberdade de imprensa”, em que figuram autocratas como Kim Jong-un, Nicolás
Maduro ou Bashar al-Assad.
Não se pode compactuar com ataques a um dos
pilares da democracia. Episódios como os de Roma ou da Bahia precisam ser
investigados para que se apurem as responsabilidades. Ou então continuarão a
acontecer, minando as bases do Estado de Direito. Se o governo não controla
seus seguranças, é omisso. Se dá ordens para que ajam dessa maneira, pior
ainda, pois é cúmplice. A atuação da imprensa é protegida pela Constituição. O
governo Bolsonaro tem o dever de garantir o trabalho livre dos jornalistas. Se
não garante, que o Supremo o obrigue a fazê-lo.
Copom pretende manter os juros altos até
2023
Valor Econômico
Início da queda da inflação pode mudar a
orientação do Copom e evitar o aperto prometido, que será feito com a economia
estagnada ou a caminho da recessão
O Comitê de Política Monetária foi além do
que indicou em seu comunicado após reunião e sinalizou na ata de ontem que o
“ciclo de aperto monetário deverá ser mais contracionista do que o utilizado no
cenário básico por todo o horizonte relevante”, a saber até 2023. Isto pode
significar que a taxa Selic ultrapassará os 11,75% em 2022 do cenário básico,
que seria suficiente para que a inflação fosse ligeiramente inferior à meta de
3,25% do ano seguinte. Mas também pode indicar que, após chegar a 11,75%, a
taxa básica de juros permanecerá neste nível por mais tempo do que o cenário básico
sugeria, isto é, até perto do fim de 2022, quando haveria redução. Ou pode
significar ambas as coisas, a depender da evolução da inflação e das
expectativas.
O BC deixou suas mãos livres em um momento
delicado para a definição de política monetária - o recuo (em relação às
previsões) do IPCA de novembro (0,95%) pode ter sido o ponto de inflexão da
inflação. A queda dos preços de commodities em reais pode consolidar o caminho
de volta do IPCA em direção à meta, mas tudo vai depender do comportamento do dólar
e em especial das commodities energéticas.
O viés altista para o cenário básico
decorre da percepção de que a desancoragem da inflação por prazos mais longos
foi motivada pelos “desenvolvimentos do cenário fiscal”, que produz
“assimetria” no balanço de riscos, segundo o Copom. Isto é: “as projeções se
encontram acima da meta tanto para 2022 como para 2023”. Enfrentar risco fiscal
obriga o BC a uma atitude conservadora, ainda mais quando a inflação se
encontra acima de 10%.
O BC não tem como saber se o risco se
materializará e com que força atingirá as expectativas. Até ontem, dia da ata
do Copom, a evolução das contas públicas era benigna. Em exposição no TCU, o
presidente do BC, Roberto Campos Neto, apontou que o Brasil está entre os
países com maior consolidação fiscal em 2021. Quanto ao futuro, a evolução da
mediana das projeções do Focus não é causa de apreensão imediata: a relação
entre a dívida bruta do governo geral e o PIB sai de 81% em 2021 e chega a 89%
em 2030, quando um ano antes ela partia de 95% e chegava a 100% em 2029.
Os números, porém, são do passado e
obviamente não contemplam a decisão do Copom de aperto mais contracionista por
todo o horizonte relevante, o que adicionará mais dúvidas sobre a capacidade de
pagamento da dívida pública, que se tornará maior e mais cara.
A expectativa do mercado sobre o quão
contracionista deve ser a política monetária é diferente da do BC. Pela tabela
apresentada ontem por Campos Neto, 75% dos consultados pelo Focus veem hoje uma
taxa de juros real neutra maior, não de 3% como a autoridade monetária, mas de
4%. O principal motivo para isso, alegado por 93%, é, disparado, a mudança na
condução da política fiscal e, depois (35%), as mudanças no cenário
internacional, com o aperto das condições financeiras que advirá da
normalização da política monetário pelo Federal Reserve americano.
Ou seja, a menos que o BC reveja seus
cálculos, o grau de aperto visto da perspectiva do mercado será menor que da
perspectiva da autoridade monetária. Isso eleva o risco de overshooting da
Selic se o objetivo é alinhar novamente as expectativas sobre a inflação, o que
implica avaliação de que taxa de juros será necessária para tanto. Pelo cenário
básico, a Selic cairia a 11,25% no fim de 2022 e a 8% em 2023 com juro real de
cerca de 6,5% e 4,8%, respectivamente, dada projeção de IPCA do BC de 4,7% e
3,2%, com câmbio a R$ 5,65. Mas a indicação do Copom é que o juro terminal e/ou
período em que permanecerá alto serão maiores que os do cenário básico,
apontando um aperto de significativa magnitude.
O desafio é grande. A média dos núcleos de
inflação, que excluem itens voláteis, está em 7% e a do IPCA, em 6%. O
principal fator para a queda da inflação com que conta o BC serão os preços
administrados, estimados em 5,2% e 5,1% em 2022 e 2023. Os preços administrados
estão contribuindo com cerca de 5,7 pontos percentuais para o IPCA cheio e sua
participação cairá a 1,7 ponto se o BC estiver certo. Tal redução não depende
da política monetária, mas da evolução dos preços de energia e combustíveis,
influenciados pelo clima, pelas cotações do petróleo e pelo câmbio.
O início da queda da inflação pode mudar a
orientação do Copom e evitar o aperto prometido, que será feito com a economia
estagnada ou a caminho da recessão, em meio a uma radicalizada campanha
eleitoral.
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