quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS:

PEC precária

Folha de S. Paulo

Revelação tardia de votantes é novo dano à imagem

É raríssimo encontrar motivos nobres na relutância de autoridades em prestar esclarecimentos básicos à sociedade. Um detalhamento da votação da PEC do Calote, a muito custo obtido da Câmara dos Deputados, vai confirmando a regra.

Só na segunda (13) esta Folha conseguiu que a Casa legislativa presidida por Arthur Lira (PP-AL) fornecesse a lista de oito deputados que participaram em condições excepcionais da análise em primeiro turno do texto, ocorrida há mais de um mês.

Graças a um ato da cúpula da Câmara, esses parlamentares puderam votar a distância, sem registro de presença no plenário, por estarem viajando em missão oficial. Com quatro apoios no grupo, a PEC passou com 312 votos —exatamente quatro acima do mínimo necessário.

Enfim divulgada, depois de um pedido com base na Lei de Acesso à Informação e da publicação de uma reportagem que relatava a resistência de Lira, a lista de imediato mostrou problemas. Um dos deputados relacionados não estava em viagem oficial naquela data; outro estava em Brasília e presente no plenário.

Os meandros do caso demandam mais apuração, mas desde já fica claro que o governismo empenhou energia, verbas e manobras regimentais para uma vitória milimétrica —e precária, dado que a PEC passou por alterações no Senado que voltam agora ao exame dos deputados.

Trata-se de um dano adicional à imagem de uma legislação que teve péssima repercussão na economia e muito provavelmente terá seus ditames questionados no Supremo Tribunal Federal.

Peça central da estratégia de Jair Bolsonaro na busca pela reeleição, a emenda constitucional eleva sem justificativa razoável o teto de gastos inscrito em 2016 na Carta e promove um calote no pagamento de dívidas arbitradas pela Justiça, ou precatórios.

Abriu-se caminho, com isso, para o pagamento do Auxílio Brasil, versão ampliada do Bolsa Família —um objetivo meritório, sem dúvida, mas atingido com custos e riscos excessivos.

O aumento do gasto público, que nem de longe ficará limitado ao programa de amparo aos pobres, já cobra seu preço na forma de mais inflação e mais juros; a postergação dos precatórios deverá resultar em um passivo astronômico nos próximos anos.

A possibilidade de que o texto venha a ser considerado inconstitucional em um futuro próximo não se mostra mais animadora. Restarão, afinal, os problemas orçamentários reais que deveriam ter sido enfrentados agora, com racionalidade econômica e entendimento político.

Paralisia vacinal

Folha de S. Paulo

Volta alarmante do risco de poliomielite decorre de queda ampla de imunização

Depois de mais de três décadas sem registrar um caso de poliomielite, o Brasil convive, em pleno século 21, com a perspectiva desoladora do ressurgimento da doença.

O país foi incluído pela Organização Pan-Americana de Saúde, ao lado de Bolívia, Equador, Guatemala, Haiti, Paraguai, Suriname e Venezuela, no inglório rol de nações do continente com alto risco de retorno da moléstia viral.

O alarme com relação à doença, que em suas formas mais graves compromete o sistema nervoso, causando paralisia permanente dos membros, decorre da cobertura vacinal insuficiente.

Como regra, epidemiologistas preconizam que 95% do público-alvo —de bebês de 2 meses até crianças de 5 anos— precisa ser imunizado para impedir a circulação da pólio. Desde 2015, no entanto, há piora por aqui.

Há seis anos, a taxa se encontrava no patamar seguro de 98,2%. Ela regrediu, porém, para 84,4% em 2016. No ano passado, despencou para preocupantes 75,9%. Em números absolutos, calcula-se que haja nada menos que 1 milhão de bebês e crianças desprotegidas.

Embora a maior parte do planeta esteja livre da pólio, o patógeno permanece endêmico no Paquistão e no Afeganistão. Com essa legião de brasileiros vulneráveis, um viajante desses países que fosse portador do vírus da pólio seria suficiente para promover a recirculação da enfermidade.

As preocupações, infelizmente, não se restringem à pólio. Em 2020, não se cumpriu no Brasil nenhuma meta de cobertura para as vacinas aplicadas na infância.

O sarampo, que parecia uma página virada, voltou a circular no país após ter sido erradicado em 2016. No ano passado, registraram-se surtos dessa doença em 21 estados.

São várias as explicações para o retrocesso —da falsa sensação de segurança resultante da eliminação das moléstias até a possível influência da desinformação sobre os riscos da vacinação, passando pela dificuldade em comparecer aos postos em horário comercial.

Soma-se a isso a pandemia, que restringiu serviços de saúde e fez com que pais buscassem menos os postos de saúde para atualizar a caderneta de vacinação.

Diante da necessidade urgente de reverter esse quadro, é incompreensível, para dizer o mínimo, que o governo Jair Bolsonaro mantenha o órgão responsável por gerenciar a vacinação há mais de cinco meses sem um coordenador titular.

Os caciques mandam no Orçamento

O Estado de S. Paulo

Sem nenhum critério técnico, cúpula do Congresso privilegia familiares e aliados políticos na distribuição de verbas das emendas de relator

A distribuição de verbas do Orçamento por meio das emendas de relator tem deixado claro o poder de caciques políticos do Congresso. Sem seguir qualquer critério técnico que justifique a escolha de um município em detrimento de outro, as transferências de recursos expõem os mandos e desmandos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); do atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); do antecessor deste, Davi Alcolumbre (DEM-AP); do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE); e do relator-geral da peça orçamentária de 2020, Domingos Neto (PSD-CE).

Sempre que questionado sobre as chamadas RP9, Lira afirma que elas não devem ser demonizadas, pois permitem o envio de recursos para municípios menores e que nunca foram tratados com prioridade pela União. De fato, metade dessas transferências é destinada à saúde e pode contribuir para melhorar a vida da população. Lira não fala, no entanto, sobre como esse mecanismo tem sido usado para perpetuar distorções na divisão do Orçamento – desta vez, baseadas em relações pessoais.

Reportagem publicada pelo Estadão mostra um evidente privilégio para os municípios governados por aliados da cúpula do Legislativo. No sul de Minas, base de Pacheco, Pouso Alegre, do prefeito Rafael Simões (DEM), recebeu R$ 105.193.595,44 em emendas de relator nos anos de 2020 e 2021, ou R$ 681,77 por habitante. Na mesma região, Silvianópolis não ficou com dinheiro algum e Poços de Caldas, apenas R$ 1,5 milhão, ou R$ 9,05 per capita.

O cenário se repete no Ceará. Tauá foi alvo de transferências de R$ 151,4 milhões. Mombaça, a 79 quilômetros, recebeu apenas R$ 2,9 milhões. Os municípios têm tamanho, população e dificuldades semelhantes, mas Tauá é governada por Patricia Aguiar, mãe do deputado Domingos Neto, enquanto Mombaça está sob o comando de Orlando Filho, seu adversário político.

Petrolina (PE), gerida por Miguel Coelho, filho de Fernando Bezerra Coelho, recebeu R$ 195,7 milhões em RP9. Reduto político de Alcolumbre, Santana, no Amapá, ficou com R$ 146,6 milhões, o que o coloca no quarto lugar entre os municípios que mais tiveram acesso a essas verbas – com exceção das capitais de Estados.

É claro que Lira e sua turma não poderiam ficar de fora. Barra de São Miguel, administrada por Benedito de Lira, pai do prócer do Centrão, contou com R$ 4,7 milhões em emendas neste ano e R$ 5,8 milhões no ano passado. É o município que mais recebeu recursos em todo o Estado proporcionalmente à sua população, de 8,4 mil habitantes, segundo informou a Folha.

Mas, em vez de priorizar o saneamento básico, principal demanda de uma comunidade que vive do turismo e tira o sustento dos manguezais, Benedito de Lira optou por direcionar a verba para drenagem e pavimentação em convênios com a Codevasf, estatal cuja superintendência alagoana está nas mãos de Joãozinho Pereira, primo de Arthur Lira. Até agora, as obras seguem em ritmo lento e várias estão inacabadas.

Graças ao jornalismo, a necessidade de transparência das emendas de relator não está mais em discussão. O governo, que inicialmente negou a existência do artifício e ameaçou processar o Estadão, foi obrigado, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), a editar um decreto com normas mínimas sobre esse tipo de transferência, usada como moeda de troca para votações no Congresso. Resta a batalha pelo resgate da moralidade, princípio, como muitos, solapado pelo governo Jair Bolsonaro e sua base de apoio no Congresso. 

Em entrevista ao Valor, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, disse que as emendas de relator são uma prerrogativa da maioria. “Quando se fala de equidade, é bom lembrar que a democracia estabelece que a maioria define a alocação dos recursos públicos”, afirmou.

Caberia perguntar ao ministro se o conceito de maioria, para ele, abarca o patrimonialismo com que recursos de toda a sociedade vêm sendo tratados pelo Executivo e o Legislativo. Também valeria questioná-lo sobre se a obsessão de políticos por asfalto é compartilhada por quem vive na miséria e deu o azar de não viver nas cidades dos compadres de quem manda de fato no Orçamento.

Pisando forte no freio da inflação

O Estado de S. Paulo

Copom promete medidas duras contra a alta de preços, mas nenhum banco central tem remédio conhecido contra o desgoverno

A inflação supera as previsões, a economia cresce menos que o esperado, as expectativas são ruins, o cenário internacional piorou e será preciso um aperto maior para conter a alta de preços. São sombrias, para usar uma palavra suave, as projeções do Banco Central (BC) para o último ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro. Pelo menos tão sombrias, pode-se acrescentar, quanto as do mercado. Crescimento econômico de 0,50% em 2022 e inflação de 5,02%, acima do teto da meta, são estimativas incluídas no boletim Focus, baseado em números de instituições financeiras e de consultorias. Mas os técnicos do mercado andaram piorando, até recentemente, as condições econômicas esperadas para 2023 e 2024.

É fácil entender, portanto, por que a palavra “desancoragem” aparece quatro vezes na ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, formado por diretores da instituição. Um dos objetivos permanentes do Comitê é manter boas expectativas no mercado quanto à evolução dos preços. Quando há segurança e as expectativas estão ancoradas, a tarefa de manter a estabilidade de preços é mais simples. Não é preciso cuidar do pessimismo de quem toma decisões no mundo financeiro e em outros mercados. Houve, recentemente, sinais de desancoragem, e esse problema foi incluído com destaque na pauta da política monetária. “Ancoragem” aparece duas vezes na ata divulgada na terça-feira.

O trabalho será complicado e o “ciclo de aperto monetário”, segundo o Copom, “deverá ser mais contracionista” do que seria em condições menos desafiadoras. A piora das expectativas e o risco de agravamento das contas fiscais tornam recomendável uma política mais dura, com juros muito elevados. Por enquanto, o plano é manter a elevação de 1,5 ponto porcentual. Com isso, os juros básicos chegam a 9,25% neste fim de ano e devem ser aumentados para 10,75% na reunião programada para o começo de fevereiro.

No mercado, a taxa esperada para o fim de 2022 chegou a 11,50%. Mas os juros poderão ir além desse nível, pode-se apostar, se as pressões inflacionárias se mantiverem fortes. Isso dependerá, em boa parte, da evolução de receitas e despesas federais no próximo ano, quando o presidente estiver mais duramente empenhado na busca da reeleição. Insegurança fiscal, câmbio e inflação estão fortemente conectados, como já se verificou durante a maior parte deste ano.

Além de terminar em condições muito ruins, o atual mandato presidencial deixará um péssimo legado para quem assumir o posto em janeiro de 2023, segundo as apostas do mercado e do Copom. O Comitê reafirma o compromisso de conduzir a inflação à meta, mas sem fixar claramente um prazo. Não mais se fala de um ajuste realizável até o fim de 2022. O “horizonte relevante” mencionado na ata inclui também o ano seguinte. O aperto poderá prolongar-se até lá, mesmo com alguma redução gradual dos juros básicos. A última projeção do mercado situa em 8% a taxa básica esperada para o fim de 2023.

Juros elevados, portanto, deverão prevalecer na primeira metade do novo mandato presidencial, se o BC persistir em domar a inflação e em restabelecer a ancoragem das expectativas. Essa ancoragem poderá estar recuperada em 2023, se o aperto prometido para 2022 der o resultado pretendido. Para isso a política deverá, como já se anunciou mais de uma vez, avançar “significativamente em território contracionista”.

Mas essa decisão também implica, segundo a ata, “suavização das flutuações econômicas e fomento do pleno-emprego”. É difícil imaginar esses efeitos durante o período de aperto mais forte, com crédito muito caro e inacessível a grande parte dos empresários e dos consumidores. Mas a redução da inflação e a melhora das expectativas tenderão a resultar, depois de algum intervalo, em recuperação dos negócios e do emprego. Nenhum ajuste monetário, no entanto, produzirá efeitos significativos e duradouros enquanto o poder central falhar nas funções e responsabilidades de um verdadeiro governo. Para isso nenhum banco central tem remédio.

Marco legal das ferrovias deverá melhorar transporte

O Globo

Foi acertada a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto que cria um novo marco legal para as ferrovias. A principal inovação é permitir a construção de linhas privadas sem a necessidade de adesão ao regime de concessão. Empresas poderão avaliar projetos, investir e explorar com participação mínima do Estado, a exemplo do que acontece em países como os Estados Unidos, a Austrália ou o Canadá.

Trata-se de nova tentativa para aumentar a malha ferroviária nacional, hoje com 29 mil quilômetros, apenas um terço dos quais com tráfego regular. Outro objetivo é ampliar a participação dos trens na matriz de transporte de cargas. Atualmente ela é de apenas 15%, ante 65% para as rodovias. Se bem-sucedida, será uma boa notícia para desafogar estradas de caminhões e diminuir as emissões de carbono.

A meta é que o percentual das cargas transportadas por trens chegue a 40% em 15 anos. O governo já recebeu 47 pedidos de entes privados interessados em construir ferrovias. Desse total, 36 somam 11.142 km, em 14 unidades da Federação. A projeção de investimentos está em torno de R$ 150 bilhões.

Ferrovias exigem grandes somas na criação da infraestrutura e na compra de equipamentos — são um exemplo do que os economistas chamam de atividades intensivas em capital. Nas últimas décadas, com a capacidade de investimento do Estado comprometida, o dinheiro privado passou a ser visto como alternativa para a expansão do setor.

O modelo escolhido a partir dos anos 90 foram as concessões, um avanço na comparação ao ineficiente estatismo da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA). O governo pretende continuar fazendo leilões para conceder à iniciativa privada o direito de construir ou operar trechos ferroviários, principalmente quando envolver percursos maiores, vários produtos e diferentes estados.

O novo marco legal foi criado para complementar essa estratégia. Empresas, como mineradoras, fabricantes de celulose ou de alimentos, que queiram unir suas unidades produtoras a portos ou redes existentes agora têm a oportunidade de construir suas próprias ferrovias.

O papel do Estado continuará sendo crucial em várias etapas dos projetos. Faz sentido, contudo, deixar que o setor privado avalie o potencial de uma ferrovia a partir das suas demandas, levante e invista o capital, depois opere as que decida construir.

O Congresso deu um passo importante para melhorar a competitividade da economia ao aprovar o projeto do senador José Serra (PSDB-SP), apoiado pelo Ministério da Infraestrutura. Para que o novo modelo dê certo, a sociedade ainda terá de exigir transparência e seriedade na aplicação do novo marco legal. Avaliações e ajustes periódicos serão necessários ao longo do caminho. Mas que ninguém duvide: o novo marco legal caminha na direção certa.

Governo precisa garantir integridade física e trabalho livre de jornalistas

O Globo

São intoleráveis as agressões físicas e verbais de seguranças e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro a jornalistas das TVs Bahia, afiliada da TV Globo, e Aratu, afiliada do SBT, ocorridas no domingo na Bahia. É impensável que, numa democracia, um funcionário pago com dinheiro do contribuinte aplique o golpe conhecido no dicionário da truculência como “mata-leão” numa repórter que tentava entrevistar o presidente cumprindo seu dever profissional de informar.

O episódio grotesco não é caso isolado. Em outubro, quando estava na Itália para o encontro do G20, Bolsonaro hostilizou repórteres e permitiu que seus seguranças e agentes do Estado italiano agredissem jornalistas brasileiros em Roma. Houve socos, empurrões e confisco de celulares. Ao perguntar por que o presidente não participara de eventos do G20 com outros líderes mundiais, o correspondente da TV Globo Leonardo Monteiro recebeu de um segurança um soco no estômago. Acrescentem-se a essas cenas deploráveis as dezenas de ocasiões em que Bolsonaro e seus apoiadores promoveram ataques verbais a jornalistas no cercadinho do Alvorada.

Surpreende, diante disso, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) não esteja preocupada com esses ataques à democracia. Na segunda-feira, o procurador-geral Augusto Aras defendeu a rejeição de uma ação impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Rede Sustentabilidade para impedir Bolsonaro de promover ou incentivar ataques à imprensa. A ação, apresentada após o episódio de Roma, pede que o STF obrigue a Presidência a preparar um plano de segurança para garantir a integridade e o trabalho dos profissionais que acompanham o presidente. Para negar o pedido, Aras alegou questões processuais. Segundo ele, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) da Rede não é o instrumento adequado para tratar o assunto. Aras nem tomou posição sobre as agressões inadmissíveis.

O cerco à imprensa profissional tem sido marca do governo Bolsonaro. A ONG Repórter sem Fronteiras (RSF) registrou 580 casos de ataques contra a imprensa em 2020 e afirmou que “as condições de trabalho dos jornalistas se deterioraram consideravelmente por causa da constante pressão do presidente e de seus aliados”. Outro relatório da RSF pôs Bolsonaro numa lista de 37 chefes de Estado ou governo considerados “predadores da liberdade de imprensa”, em que figuram autocratas como Kim Jong-un, Nicolás Maduro ou Bashar al-Assad.

Não se pode compactuar com ataques a um dos pilares da democracia. Episódios como os de Roma ou da Bahia precisam ser investigados para que se apurem as responsabilidades. Ou então continuarão a acontecer, minando as bases do Estado de Direito. Se o governo não controla seus seguranças, é omisso. Se dá ordens para que ajam dessa maneira, pior ainda, pois é cúmplice. A atuação da imprensa é protegida pela Constituição. O governo Bolsonaro tem o dever de garantir o trabalho livre dos jornalistas. Se não garante, que o Supremo o obrigue a fazê-lo.

Copom pretende manter os juros altos até 2023

Valor Econômico

Início da queda da inflação pode mudar a orientação do Copom e evitar o aperto prometido, que será feito com a economia estagnada ou a caminho da recessão

O Comitê de Política Monetária foi além do que indicou em seu comunicado após reunião e sinalizou na ata de ontem que o “ciclo de aperto monetário deverá ser mais contracionista do que o utilizado no cenário básico por todo o horizonte relevante”, a saber até 2023. Isto pode significar que a taxa Selic ultrapassará os 11,75% em 2022 do cenário básico, que seria suficiente para que a inflação fosse ligeiramente inferior à meta de 3,25% do ano seguinte. Mas também pode indicar que, após chegar a 11,75%, a taxa básica de juros permanecerá neste nível por mais tempo do que o cenário básico sugeria, isto é, até perto do fim de 2022, quando haveria redução. Ou pode significar ambas as coisas, a depender da evolução da inflação e das expectativas.

O BC deixou suas mãos livres em um momento delicado para a definição de política monetária - o recuo (em relação às previsões) do IPCA de novembro (0,95%) pode ter sido o ponto de inflexão da inflação. A queda dos preços de commodities em reais pode consolidar o caminho de volta do IPCA em direção à meta, mas tudo vai depender do comportamento do dólar e em especial das commodities energéticas.

O viés altista para o cenário básico decorre da percepção de que a desancoragem da inflação por prazos mais longos foi motivada pelos “desenvolvimentos do cenário fiscal”, que produz “assimetria” no balanço de riscos, segundo o Copom. Isto é: “as projeções se encontram acima da meta tanto para 2022 como para 2023”. Enfrentar risco fiscal obriga o BC a uma atitude conservadora, ainda mais quando a inflação se encontra acima de 10%.

O BC não tem como saber se o risco se materializará e com que força atingirá as expectativas. Até ontem, dia da ata do Copom, a evolução das contas públicas era benigna. Em exposição no TCU, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, apontou que o Brasil está entre os países com maior consolidação fiscal em 2021. Quanto ao futuro, a evolução da mediana das projeções do Focus não é causa de apreensão imediata: a relação entre a dívida bruta do governo geral e o PIB sai de 81% em 2021 e chega a 89% em 2030, quando um ano antes ela partia de 95% e chegava a 100% em 2029.

Os números, porém, são do passado e obviamente não contemplam a decisão do Copom de aperto mais contracionista por todo o horizonte relevante, o que adicionará mais dúvidas sobre a capacidade de pagamento da dívida pública, que se tornará maior e mais cara.

A expectativa do mercado sobre o quão contracionista deve ser a política monetária é diferente da do BC. Pela tabela apresentada ontem por Campos Neto, 75% dos consultados pelo Focus veem hoje uma taxa de juros real neutra maior, não de 3% como a autoridade monetária, mas de 4%. O principal motivo para isso, alegado por 93%, é, disparado, a mudança na condução da política fiscal e, depois (35%), as mudanças no cenário internacional, com o aperto das condições financeiras que advirá da normalização da política monetário pelo Federal Reserve americano.

Ou seja, a menos que o BC reveja seus cálculos, o grau de aperto visto da perspectiva do mercado será menor que da perspectiva da autoridade monetária. Isso eleva o risco de overshooting da Selic se o objetivo é alinhar novamente as expectativas sobre a inflação, o que implica avaliação de que taxa de juros será necessária para tanto. Pelo cenário básico, a Selic cairia a 11,25% no fim de 2022 e a 8% em 2023 com juro real de cerca de 6,5% e 4,8%, respectivamente, dada projeção de IPCA do BC de 4,7% e 3,2%, com câmbio a R$ 5,65. Mas a indicação do Copom é que o juro terminal e/ou período em que permanecerá alto serão maiores que os do cenário básico, apontando um aperto de significativa magnitude.

O desafio é grande. A média dos núcleos de inflação, que excluem itens voláteis, está em 7% e a do IPCA, em 6%. O principal fator para a queda da inflação com que conta o BC serão os preços administrados, estimados em 5,2% e 5,1% em 2022 e 2023. Os preços administrados estão contribuindo com cerca de 5,7 pontos percentuais para o IPCA cheio e sua participação cairá a 1,7 ponto se o BC estiver certo. Tal redução não depende da política monetária, mas da evolução dos preços de energia e combustíveis, influenciados pelo clima, pelas cotações do petróleo e pelo câmbio.

O início da queda da inflação pode mudar a orientação do Copom e evitar o aperto prometido, que será feito com a economia estagnada ou a caminho da recessão, em meio a uma radicalizada campanha eleitoral.

 

 

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