Valor Econômico
O antídoto mais eficaz é ter alguma clareza
sobre o que esperar a partir de 2023
“Um dos principais trabalhos do cérebro é
prever o futuro. (...) Algumas pessoas têm cérebros que são mais rápidos para
detectar o perigo. Mesmo em situações ambíguas ou neutras, essas pessoas tendem
a pensar, “algo ruim vai acontecer aqui”. Estas pessoas são as primeiras a
preparar-se para o pior cenário, as primeiras a esperar um mau resultado. Em
outras palavras, são pessimistas”.
Extrai esta citação do excelente livro de Elizabeth Blackburn e Elissa Epel, “The Telomere Effect: Living Younger, Healthier, Longer”. Ela me fez pensar se a maioria de nós, analistas da cena econômica, está olhando corretamente as perspectivas da economia brasileira em 2022, ou se nós nos tornamos, por variadas razões, pessimistas. Afinal de contas, às vezes parece difícil aceitar que estamos caminhando para um cenário tão ruim como o que temos hoje, sem a expectativa de que se faça algo para melhorá-lo.
Que cenário é esse? De acordo com a
previsão mediana dos analistas de mercado, conforme o mais recente boletim
Focus, do Banco Central, nosso PIB irá crescer só 0,5% em 2022, depois de
expandir 4,7% este ano. Isso se traduziria em um PIB per capita 1,2% menor em
2022 do que em 2019. Essa queda contrasta com altas esperadas de 4,1% e 5,5%
para as economias avançadas e emergentes, respectivamente, na mesma comparação.
O principal responsável por esse fraco
desempenho seria a indústria, cujo PIB o mercado espera que cresça apenas 0,3%
em 2022, contra altas de 2,9% na agropecuária e 0,6% nos serviços. Pelo lado da
demanda, o pior desempenho seria do investimento, com queda de 0,9%. Na outra
ponta, haveria expansão do consumo do governo (1%) e das famílias (0,9%) e a
demanda externa também contribuiria positivamente, com um alta nas exportações
(3,5%) superior à das importações (1,9%), fruto da recuperação do setor
agropecuário.
Os fatores elencados para justificar esse
fraco desempenho são conhecidos. Pelo lado da demanda, a queda da renda real,
provocada pela alta inflação de 2020 e 2021, e o elevado desemprego, com o
mercado esperando quase nenhuma redução da taxa de desocupação em 2022. Soma-se
a isso a alta dos juros, em um contexto em que o endividamento das famílias
cresceu muito: de 48,8% para 59,9% da renda, entre o final de 2019 e agosto de
2021.
A subida nos juros também vai impactar
negativamente o investimento, que deve sentir também a maior incerteza trazida
por uma disputa eleitoral tão polarizada, pelo menos até aqui, mas que tem sido
incapaz de trazer qualquer luz sobre as prioridades de política econômica dos
candidatos.
Me parece, por outro lado, que essas
projeções podem estar subestimando os ganhos a serem trazidos pelo razoável
sucesso que o Brasil teve em vacinar a população e controlar a pandemia. De
fato, impressiona como estamos bem melhor que os países do G7, os mais ricos do
mundo, em termos de mortes por milhão de habitantes
(ver ourworldindata.org/covid-deaths). O Japão é a única exceção. É
razoável imaginar, assim, que ocorra uma recuperação mais forte de serviços,
puxada por Saúde, educação e outras atividades da administração pública e
Outras atividades de serviços. Estes dois setores respondem juntos por 31% do
PIB e estavam operando, até o terceiro trimestre deste ano, ainda abaixo do
patamar pré-pandemia. O mesmo raciocínio se aplica ao consumo doméstico.
O segundo foco de preocupação é a inflação,
que deve seguir alta em 2022. De acordo com os analistas consultados pelo
Focus, ano que vem esta vai ficar um pouco acima do teto da meta com que opera
o Banco Central, de 5%, a despeito da significativa alta da taxa Selic este
ano. Ajudando a reduzir a inflação teríamos uma possível queda nas tarifas de
eletricidade e preços estáveis de derivados de petróleo e de alimentos, estes
como resultado da recuperação da agropecuária. Juntos, esses três itens
responderam por quase metade da alta do IPCA este ano.
O grande risco, neste caso, é uma nova
depreciação cambial, como ocorreu em 2002. A elevada incerteza sobre o que esperar
da política econômica do novo governo, em especial no sentido de estabilizar a
razão dívida pública / PIB, pode ser uma alavanca dessa desvalorização. Outra
seria o processo de redução dos estímulos monetários nos países ricos, em
especial nos EUA. O Fed deve encerrar o processo de emissão monetária para
compra de títulos em março e deve começar a subir os juros no final do primeiro
semestre.
A última vez que isso ocorreu, em 2013, os
ativos brasileiros sofreram bastante. Por outro lado, desta vez nossos
indicadores econômicos estão em melhor situação do que então, em especial com
uma taxa de câmbio que já está bem desvalorizada e um déficit em conta corrente
bem menor. Assim, pode ser que o choque seja mais brando e mais transitório.
A verdade, porém, é que o antídoto mais
eficaz contra esse cenário pessimista é ter alguma clareza sobre o que esperar
a partir de 2023. Quanto antes conhecermos as propostas dos candidatos sobre a
política econômica, mais rápido a roda da economia voltará a acelerar
Armando
Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da
UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre
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