quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Fernando Exman: O capitão na batalha das expectativas

Valor Econômico

Aliados queriam ver mais ousadia de um BC independente

A redução do poder de compra do brasileiro em 2022, ano eleitoral, ocupa um lugar central no rol de preocupações de auxiliares do presidente Jair Bolsonaro.

É o que explica, pelo menos em parte, recente esforço para o lançamento de uma série de medidas voltadas às famílias mais pobres. O pacote vai além do Auxílio Brasil, programa social que sucede o Bolsa Família com um valor inicial de R$ 400 já a partir de dezembro, antes do Natal, e para um número maior de beneficiários. O governo já sinalizou que o ticket médio deve subir para R$ 415.

Parlamentares aliados e auxiliares de Bolsonaro apontavam há meses que a alta dos preços dos alimentos poderia condenar o programa a já nascer desatualizado. Consideram, também, que o Banco Central (BC) poderia ter sido mais conservador nos últimos meses, a fim de construir as condições necessárias para a redução da Selic a tempo de viabilizar uma reativação da economia mais rápida no ano que vem.

Onde pode atuar com meios próprios, as iniciativas alcançaram diversas áreas. A Petrobras, por exemplo, não desapontou aqueles que ouviram da própria boca de Bolsonaro que a estatal reduziria o preço dos combustíveis em breve. Aconteceu.

Em relação à energia elétrica, uma medida provisória acabou de ser publicada garantindo novo empréstimo bilionário ao setor. A intenção é cobrir gastos com geração mais cara durante a crise de escassez. Na prática, a MP tende a diluir parte da alta nas contas de luz esperada para 2022 pelos próximos anos.

Num outro ato, liberou-se o acesso ao Programa Universidade para Todos (Prouni) para alunos que cursaram o ensino médio em colégios particulares (e sem bolsa de estudos integral). Praticamente ao mesmo tempo, foi criado o Programa Internet Brasil. Seu objetivo é viabilizar internet em banda larga móvel aos estudantes de famílias inscritas no cadastro único para programas sociais, facilitar o manejo do próprio Auxílio Brasil, ampliar acessos ao mercado de trabalho e a oportunidades de geração de renda.

A estimativa de gasto com este último programa em 2021 é de até R$ 18,8 milhões, relativos a dezembro. Em 2022, serão desembolsados até R$ 2,09 bilhões. Foi o preço calculado para combater desigualdades e o abismo que separa essa parcela da população de oportunidades. Ambos cresceram durante a pandemia. Além disso, conforme o Valor publicou, o governo prepara uma anistia de até 92% para os estudantes de baixa renda devedores do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

É um pacote que chama atenção. Ataca problemas concretos das famílias, preocupações objetivas de pais e mães. Ainda assim, seus efeitos podem ser parciais do ponto de vista eleitoral, pois, mesmo que a inflação desacelere no segundo semestre de 2022, dificilmente o poder de compra da população se recuperará até lá.

É por esse motivo que os olhares de autoridades do Executivo também estão voltados para o Banco Central. Muitos deles, aliás, passaram a acompanhar com cada vez mais interesse os movimentos e as sinalizações da diretoria da instituição: a ata da mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) era bastante aguardada.

Existe a percepção de que o BC poderia ter agido de outra forma. Para começo de conversa, argumentam, o Copom não deveria ter baixado tanto o juro.

Mas, antes, é justo pontuar que num primeiro momento só havia elogios em relação à autoridade monetária. Acreditava-se que a redução da Selic para um patamar recorde, de 2% ao ano, iria acelerar a atração de investimentos produtivos e reduzir o apetite de especuladores no mercado doméstico. A pandemia, contudo, não deu trégua.

Olhando pelo retrovisor, há quem pondere que existia justificativa técnica para embasar uma alta bem superior à elevação de 0,75 ponto percentual feita em março, quando teve início uma série de aumentos que ainda parece longe de acabar.

A própria ata da última reunião do Copom revela que o tema foi colocado à mesa. De acordo com o documento, o colegiado concluiu na semana passada, quando elevou a taxa básica de juros de 7,75% ao ano para 9,25%, que o ritmo de alta de 1,5 ponto percentual de juros é o mais adequado para assegurar a convergência da inflação para a meta e ancorar as expectativas. O comitê “comparou cenários envolvendo ritmos de ajuste maiores do que o de 1,5 ponto percentual com cenários em que a taxa de juros permanece elevada por período mais longo do que a implícita no cenário básico”.

Esperava-se, entre esses interlocutores, que depois de aprovada a autonomia do BC a autarquia assumisse um ônus político necessário para aquele momento e poupasse os demais integrantes da equipe econômica - e até mesmo o próprio presidente da República - de serem responsabilizados diretamente por uma inflação que também é observada em outros países.

Na visão de integrantes do governo, Bolsonaro e a equipe econômica terão ainda outro desafio: combater o que consideram uma assimetria entre as expectativas dos agentes do mercado e os sinais objetivos de confiança na economia brasileira - sobretudo depois que a conclusão do processo de promulgação da PEC dos Precatórios puder dar mais previsibilidade na área fiscal.

Outro exemplo sempre citado é o interesse de investidores em leilões de concessão.

Bolsonaro foi treinado para a guerra. Antes de virar um político profissional, treinava como capitão da artilharia para apoiar a conquista e a manutenção das chamadas “cabeças de ponte aérea”. São as áreas que proporcionam o espaço necessário ao desembarque de tropas da brigada de infantaria paraquedista, equipamentos e suprimentos usados em investidas contra o inimigo.

Para permanecer no cargo, já tentou responsabilizar aqueles que asseguraram o necessário isolamento social durante a pandemia pela desaceleração da atividade. Agora, sua batalha é no campo da reversão de expectativas negativas que possam impedir a retomada de investimentos e a recuperação do mercado de trabalho. Esta passou a ser uma missão primordial da sua tropa, para evitar o crescimento de candidaturas adversárias e da terceira via.

 

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