Valor Econômico
Aliados queriam ver mais ousadia de um BC
independente
A redução do poder de compra do brasileiro
em 2022, ano eleitoral, ocupa um lugar central no rol de preocupações de
auxiliares do presidente Jair Bolsonaro.
É o que explica, pelo menos em parte,
recente esforço para o lançamento de uma série de medidas voltadas às famílias
mais pobres. O pacote vai além do Auxílio Brasil, programa social que sucede o
Bolsa Família com um valor inicial de R$ 400 já a partir de dezembro, antes do
Natal, e para um número maior de beneficiários. O governo já sinalizou que o
ticket médio deve subir para R$ 415.
Parlamentares aliados e auxiliares de Bolsonaro apontavam há meses que a alta dos preços dos alimentos poderia condenar o programa a já nascer desatualizado. Consideram, também, que o Banco Central (BC) poderia ter sido mais conservador nos últimos meses, a fim de construir as condições necessárias para a redução da Selic a tempo de viabilizar uma reativação da economia mais rápida no ano que vem.
Onde pode atuar com meios próprios, as
iniciativas alcançaram diversas áreas. A Petrobras, por exemplo, não desapontou
aqueles que ouviram da própria boca de Bolsonaro que a estatal reduziria o
preço dos combustíveis em breve. Aconteceu.
Em relação à energia elétrica, uma medida
provisória acabou de ser publicada garantindo novo empréstimo bilionário ao
setor. A intenção é cobrir gastos com geração mais cara durante a crise de
escassez. Na prática, a MP tende a diluir parte da alta nas contas de luz
esperada para 2022 pelos próximos anos.
Num outro ato, liberou-se o acesso ao
Programa Universidade para Todos (Prouni) para alunos que cursaram o ensino
médio em colégios particulares (e sem bolsa de estudos integral). Praticamente
ao mesmo tempo, foi criado o Programa Internet Brasil. Seu objetivo é
viabilizar internet em banda larga móvel aos estudantes de famílias inscritas
no cadastro único para programas sociais, facilitar o manejo do próprio Auxílio
Brasil, ampliar acessos ao mercado de trabalho e a oportunidades de geração de
renda.
A estimativa de gasto com este último
programa em 2021 é de até R$ 18,8 milhões, relativos a dezembro. Em 2022, serão
desembolsados até R$ 2,09 bilhões. Foi o preço calculado para combater
desigualdades e o abismo que separa essa parcela da população de oportunidades.
Ambos cresceram durante a pandemia. Além disso, conforme o Valor publicou, o governo
prepara uma anistia de até 92% para os estudantes de baixa renda devedores do
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
É um pacote que chama atenção. Ataca
problemas concretos das famílias, preocupações objetivas de pais e mães. Ainda
assim, seus efeitos podem ser parciais do ponto de vista eleitoral, pois, mesmo
que a inflação desacelere no segundo semestre de 2022, dificilmente o poder de
compra da população se recuperará até lá.
É por esse motivo que os olhares de
autoridades do Executivo também estão voltados para o Banco Central. Muitos
deles, aliás, passaram a acompanhar com cada vez mais interesse os movimentos e
as sinalizações da diretoria da instituição: a ata da mais recente reunião do
Comitê de Política Monetária (Copom) era bastante aguardada.
Existe a percepção de que o BC poderia ter
agido de outra forma. Para começo de conversa, argumentam, o Copom não deveria
ter baixado tanto o juro.
Mas, antes, é justo pontuar que num
primeiro momento só havia elogios em relação à autoridade monetária.
Acreditava-se que a redução da Selic para um patamar recorde, de 2% ao ano,
iria acelerar a atração de investimentos produtivos e reduzir o apetite de
especuladores no mercado doméstico. A pandemia, contudo, não deu trégua.
Olhando pelo retrovisor, há quem pondere
que existia justificativa técnica para embasar uma alta bem superior à elevação
de 0,75 ponto percentual feita em março, quando teve início uma série de
aumentos que ainda parece longe de acabar.
A própria ata da última reunião do Copom
revela que o tema foi colocado à mesa. De acordo com o documento, o colegiado
concluiu na semana passada, quando elevou a taxa básica de juros de 7,75% ao
ano para 9,25%, que o ritmo de alta de 1,5 ponto percentual de juros é o mais
adequado para assegurar a convergência da inflação para a meta e ancorar as
expectativas. O comitê “comparou cenários envolvendo ritmos de ajuste maiores
do que o de 1,5 ponto percentual com cenários em que a taxa de juros permanece
elevada por período mais longo do que a implícita no cenário básico”.
Esperava-se, entre esses interlocutores,
que depois de aprovada a autonomia do BC a autarquia assumisse um ônus político
necessário para aquele momento e poupasse os demais integrantes da equipe
econômica - e até mesmo o próprio presidente da República - de serem
responsabilizados diretamente por uma inflação que também é observada em outros
países.
Na visão de integrantes do governo,
Bolsonaro e a equipe econômica terão ainda outro desafio: combater o que
consideram uma assimetria entre as expectativas dos agentes do mercado e os
sinais objetivos de confiança na economia brasileira - sobretudo depois que a
conclusão do processo de promulgação da PEC dos Precatórios puder dar mais
previsibilidade na área fiscal.
Outro exemplo sempre citado é o interesse
de investidores em leilões de concessão.
Bolsonaro foi treinado para a guerra. Antes
de virar um político profissional, treinava como capitão da artilharia para
apoiar a conquista e a manutenção das chamadas “cabeças de ponte aérea”. São as
áreas que proporcionam o espaço necessário ao desembarque de tropas da brigada
de infantaria paraquedista, equipamentos e suprimentos usados em investidas
contra o inimigo.
Para permanecer no cargo, já tentou
responsabilizar aqueles que asseguraram o necessário isolamento social durante
a pandemia pela desaceleração da atividade. Agora, sua batalha é no campo da
reversão de expectativas negativas que possam impedir a retomada de
investimentos e a recuperação do mercado de trabalho. Esta passou a ser uma
missão primordial da sua tropa, para evitar o crescimento de candidaturas
adversárias e da terceira via.
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