quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Zeina Latif: De improviso em improviso

O Globo

O foco principal da política pública deve ser formação e requalificação de pessoas, dada a baixa qualidade da mão de obra e os avanços da tecnologia

É muito difícil ser empresário no Brasil. Recentemente ouvi de uma autoridade estrangeira que, se um CEO de multinacional sobrevive ao Brasil, está apto a conduzir a operação em qualquer outro país.

As empresas enfrentam muitos empecilhos — reduzido capital humano, infraestrutura e marcos jurídicos complexos e pouco previsíveis — que encarecem a produção e, assim, prejudicam o investimento e a inovação. A carga tributária elevada e a instabilidade econômica são sérios agravantes.

Como resultado, muitos buscam junto ao governo tratamento diferenciado, por meio de regimes especiais e isenções tributárias. São atalhos que podem até ajudar alguns no curto prazo, mas cobram preço elevado para a sociedade ao longo do tempo. Nem todos os pleitos dos empresários são justificáveis.

As proteções de alguns acabam pesando nos ombros do restante, que precisa pagar a conta via carga tributária mais elevada. Além disso, ao proteger atividades que o país não tem vantagem comparativa, prejudica-se a produtividade total da economia e, como escolhas precisam ser feitas, perde-se a oportunidade de cuidar de outras frentes, como o financiamento à pesquisa e à inovação.

Exemplo recente de decisão que tem mais pecados do que virtudes foi (mais uma) a renovação da desoneração da folha — valerá até o final de 2023 , em que 17 setores que usam mais intensamente mão de obra podem contar com alívio tributário (substituem a contribuição de 20% sobre a folha de salários por imposto sobre a receita bruta com alíquotas de 1% a 4,5%).

Essa medida foi criada em 2011, no governo Dilma, e tem sido renovada, apesar de pesquisas indicarem sua baixa eficácia. Faltou análise técnica para decidir uma medida que custou R$ 10 bilhões este ano.

Muitos alegam que sem a postergação, as empresas sofreriam alta tão grande de custos que teriam de demitir. Essa equação é mais complexa. Há setores que conseguem repassar o custo ao preço final e sem sofrer grande impacto nas vendas, pela natureza dos bens e serviços produzidos. O assunto merecia estudo antes de qualquer renovação.

Preservar e gerar empregos deve ser prioridade de qualquer governo, mas esse não é o instrumento correto, nem no curto prazo e, certamente, menos ainda no longo prazo.

Começando por questões estruturais, dada a baixa qualidade da mão de obra vis-à-vis os avanços da tecnologia, o foco principal da política pública deveria ser a formação e requalificação das pessoas. Além disso, apesar dos avanços na flexibilização das regras trabalhistas nos últimos anos, há trabalho ainda a ser feito, principalmente para a empregabilidade de jovens de baixa qualificação, cuja produtividade é muitas vezes tão baixa que não compensa a remuneração mínima prevista em lei, incluindo a carga tributária.

Falando em tributação, é meritório o esforço para sua redução. No entanto, a desoneração deveria ser para todos os setores, sob pena de gerar mais distorções na economia. Ademais, por conta das restrições fiscais, seria necessário compensar com outra fonte de receita, evitando substituir um imposto ruim por outro pior.

Outra questão é como agir em situações de crise aguda, não esperada, uma vez que políticas estruturais podem demorar implementar e para surtirem efeito. Certamente cabem medidas emergenciais e isso foi feito pelo atual governo, por meio do Benefício Emergencial, que visava a preservar empregos na fase mais crítica da pandemia.

Essa fase da crise já foi superada, porém. O que temos é um país que cresce pouco e poderá sofrer mais no próximo ano com a alta dos juros. E isso não justifica a desoneração da folha a alguns setores, especialmente porque, em boa medida, as dificuldades decorrem do descuido com as contas públicas.

Caberia ao menos fazer uma transição, limitando o escopo e o benefício da medida, até porque muitos setores não estão tão mal assim.

Os segmentos de tecnologia da informação (patamar 32% acima do pré-crise) e máquinas e equipamentos (22%) batem recordes, pois, grosso modo, foram ganhadores na pandemia. Os de transporte terrestre e construção civil não podem se queixar (em torno de 3%). A indústria têxtil está apenas 5% abaixo do pré-pandemia e acumula crescimento de 15% no ano.

Será que sequer foram pedidas as planilhas dos setores antes de tomar decisão tão importante?

Com tanto improviso, a economia estagnada não deveria ser uma surpresa.

 

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