Folha de S. Paulo
O vírus vai permanecer entre nós, mas as
pessoas irão retomando suas vidas 'normais'
A epidemia é algo que existe em nossas
mentes. Não, não aderi ao negacionismo bolsonarista nem ao idealismo radical de
Berkeley. Sigo firme em minhas convicções materialistas. Mas, entre os muitos
paradoxos relacionados à Covid-19, está uma assimetria entre começo e fim.
Como eu já destacara numa coluna de 2020, embora a epidemia tenha sido deflagrada por uma causa muito concreta, o Sars-CoV-2, seu término é um fenômeno psicológico: o vírus vai permanecer entre nós, mas as pessoas irão retomando suas vidas "normais" à medida que se sintam seguras para tanto.
Já está acontecendo. Nunca o ritmo de
contágio foi tão elevado e, não obstante, vivemos um dos períodos de maior
relaxamento desde que a epidemia teve início. As pessoas não ensandeceram.
Também esse paradoxo se dissolve quando consideramos que a maior parte da
população já se imunizou e que as vacinas conferem níveis significativos, ainda
que não absolutos, de proteção individual. O risco de morrer ou padecer de um
quadro grave que o vacinado corre ao infectar-se é bem menor do que em outras
fases da pandemia.
Receio, porém, que as pessoas estejam
exagerando no relaxamento. A menor morbimortalidade do presente momento é mais
do que compensada pela maior transmissibilidade da ômicron. O resultado é que
os hospitais voltam a lotar, e as mortes, a subir. Hoje, nem o mais xiita dos
epidemiologistas sugere que retornemos à fase dos lockdowns e do distanciamento
social rigoroso. Mas acho que faz parte dos deveres da cidadania que cada um de
nós contribua para reduzir o contágio.
A matemática aqui está a nosso favor. Um
dos fatores que determinam a taxa de reprodução do vírus, o Rt, é o número de
interações que cada um de nós mantém com terceiros. Se a média de pessoas com
as quais travamos contato num dia normal é de 10 e baixarmos para 5, o que não
parece exigir um esforço hercúleo, já reduzimos o contágio pela metade.
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