Correio Braziliense
Olavo de Carvalho vivia às
turras com os militares e criticava duramente a aliança de Bolsonaro com o
Centrão, os dois setores responsáveis pela substituição dos ex-ministros
Weintraub e Araújo, seus aliados
O escritor Olavo de Carvalho, guru do
bolsonarismo militante, faleceu ontem, vítima de covid-19, em um hospital de
Richmond, no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, onde morava, oito dias
após ser diagnosticado com a doença. Era um dos expoentes do negacionismo e
havia se recusado a tomar vacina. O presidente Jair Bolsonaro decretou luto
oficial de um dia, ainda que o relacionamento entre ambos andasse estremecido,
em razão da saída do governo de alguns de seus principais aliados, como o
ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e o ex-chanceler Ernesto Araújo.
Bolsonaro lamentou a morte do escritor e prestou solidariedade aos familiares,
amigos e alunos dele.
Olavo Luiz Pimentel de Carvalho, seu nome completo, dava aulas de filosofia e fez a cabeça de uma legião de empresários, executivos e intelectuais conservadores, por meio de cursos, palestras, vídeos e livros. Um deles, intitulado O mínimo que você precisa saber para não se tornar um idiota (Record), uma coletânea de textos organizado por Felipe Moura Brasil, virou um best-seller, que rivalizou com livros de autoajuda. Carvalho nunca foi reconhecido como filósofo pela academia. Foi astrólogo e integrante de uma seita muçulmana sufista. Por meio das redes sociais, conseguiu difundir suas teses conservadoras com muito sucesso. Seu perfil no Facebook tem mais de 587 mil seguidores. Mantinha um seminário virtual cuja mensalidade custava 60 reais. Se autointitulava “líder supremo do anticomunismo latino-americano” e dizia que “ideologia de gênero, abortismo e gayzismo” são parte de uma “revolução cultural” coordenada por comunistas.
Carvalho construía teorias conspiratórias
com base em fake news. Chegou a ponto de descrever o ex-presidente Barack Obama
como um político “apoiado entusiasticamente pela Al-Qaeda, pelo Hamas, pela
Organização de Libertação Palestina, pelo presidente iraniano (Mahmoud)
Ahmadinejad, por Muammar Khadafi, por Fidel Castro, por Hugo Chávez e por todas
as forças antiamericanas, pró-comunistas e pró-terroristas do mundo, sem
nenhuma exceção visível”. Misturava as ideias do norte-americano Steve Bannon,
ex-estrategista de Donald Trump e um dos responsáveis pela invasão do
Capitólio, nos Estados Unidos, com velhas teses sobre a realidade brasileira
cujas origens estão em intelectuais como Oliveira Vianna (Populações
Meridionais do Brasil) e Oliveiros S. Ferreira (Limites e possibilidades do
partido fardado). Suas intervenções eram radicais, desbocadas e sempre
agressivas.
A aliança com Bannon foi estratégica para a
aproximação entre Donald Trump e o clã Bolsonaro, além de outros líderes de
direita no Ocidente. Ex-produtor de Hollywood, Bannon editou o site Breitbart
News. Recentemente, foi preso por descumprir mandado relacionado à investigação
do ataque de manifestantes pró-Trump contra o Capitólio. Olavo de Carvalho
também resgatou velhas teses de Oliveira Viana sobre a elite agrária e o papel
dos militares, também endossadas por Oliveiros S. Ferreira, de quem tomou a
interpretação sobre o conceito de hegemonia do teórico marxista Antônio Gramsci,
para construir sua narrativa sobre o chamado “marxismo cultural”, chave para
entender a política de Bolsonaro em relação à educação e à cultura.
Militares
Oliveiros S. Ferreira estudou o
protagonismo dos militares na República. Em O Estado de São Paulo, de 26 de
junho de 1988, a propósito do regime militar, num artigo intitulado O
reconhecimento da derrota, destacou uma carta do general Góes Monteiro ao
jurista liberal Sobral Pinto, na qual o então ministro da Guerra, em abril de
1945 — ou seja, pouco antes do fim do Estado Novo —, reconhecia a derrota do
“partido fardado” diante de uma nação “que não compreendia e que nunca poderia
compreender”. Segundo ele, porque trouxera da Escola Militar a marca do
castilhismo, “um modelo de tirania esclarecida”.
Olavo de Carvalho vivia às turras com os
militares do governo e criticava duramente a aliança de Bolsonaro com o
Centrão, os dois setores responsáveis pelo isolamento e pela substituição dos
ministros Weintraub e Araújo, os mais ligados ao guru do bolsonarismo. Vinha
fazendo duras críticas a Bolsonaro por não ter “destruído” o que chama de
hegemonia da esquerda (“comunista”) na sociedade, que seria a base de
sustentação da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Erramos: na edição de ontem, na coluna intitulada Bolsonaro escolhe inimigos, Lula busca aliados, Moro sofre ataques, uma frase truncada atribuiu, indevidamente, o faturamento de R$ 42,5 milhões do escritório Alvarez & Marsal com processos da Lava-Jato ao ex-juiz Sergio Moro, candidato do Podemos à Presidência. Segundo o relatório do TCU, o faturamento foi do escritório norte-americano. A informação foi devidamente corrigida no site do Correio e no blog, porém, isso não foi possível no jornal impresso, daí a necessidade desta retificação.
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