Valor Econômico
O presidencialismo de coalizão não é mais
suficiente para garantir o apoio recorrente dos parlamentares
A crescente fragmentação política explica,
em parte, o aumento da dificuldade de formação de uma coalizão robusta no
Congresso. No início do 1º governo FHC, havia 17 partidos políticos com
representação na Câmara dos Deputados, sendo que os cinco maiores tinham 394
cadeiras (77% do total). Atualmente, 24 partidos têm pelo menos um deputado
federal, enquanto os cinco maiores alcançam apenas 228 cadeiras (42% do total)
e só dois têm mais de 10% dos deputados.
Para alcançar a maioria de 308 votos,
bastava o governo FHC obter apoio de 90% dos deputados dos quatro maiores
partidos. Por outro lado, o presidente Bolsonaro só consegue esses votos se
conquistar uma base de 90% dos deputados de todos os partidos com exceção de
PT, PSDB, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, PV e Rede (137 deputados). Esse número
demonstra o quão difícil é a obtenção de apoio para medidas como as que cortam
benefícios ou as que elevam a tributação.
A base de apoio no Congresso tem sido construída com barganhas entre o governo - empenhado na obtenção de apoio - e os parlamentares - interessados no atendimento dos seus eleitores. Na maioria das vezes, o objetivo dos políticos é o de ampliar benefícios e obter verbas para sua base eleitoral, sendo poucos os eleitos por conta de suas posições sobre temas nacionais. A aprovação de reformas atrai, portanto, pouca atenção, exigindo empenho do Executivo para convencer os congressistas sobre sua relevância.
Como suas emendas não eram de execução
obrigatória até alguns anos atrás, os parlamentares precisavam muitas vezes da
anuência da coordenação política do governo para que seus projetos fossem
adiante. A dificuldade desse processo explica a barganha que os congressistas
submetiam o Executivo na votação de suas propostas. Esse era o melhor momento
e, muitas vezes a única forma, de os parlamentares alcançarem seus objetivos.
Assim, o presidencialismo de coalizão
garantia a construção de uma base de apoio sólida no Congresso. A nomeação nos
ministérios e em estatais de indicações da base aliada sustentava essa aliança e
garantia a aprovação dos projetos do governo por filiados desses partidos.
A grande dificuldade na liberação de
recursos contribuiu, porém, para a promulgação da Emenda Constitucional 86/2015
que tornou as emendas individuais - cerca de R$ 10 bilhões em 2021 --
impositivas, a menos de pendências técnicas ou documentais. Do mesmo modo, as
emendas do relator, totalizando cerca de R$ 18 bilhões em 2021, também se
tornaram obrigatórias mais adiante, com restrições ainda menores do que para as
demais.
O surgimento das emendas impositivas, bem
como a fragilização partidária e o baixo compromisso dos filiados com as
diretrizes das agremiações, modificaram o roteiro das negociações,
enfraquecendo o presidencialismo de coalizão, ou seja, a capacidade de
cooptação do apoio dos parlamentares. Os deputados com trânsito junto aos
líderes do Congresso, ao relator do orçamento ou aos presidentes das duas casas
têm, agora, condições de destinar recursos para suas regiões sem a burocracia e
a barganha com o governo.
O presidencialismo de coalizão não é mais
suficiente para garantir o apoio recorrente dos parlamentares. Hoje, poucos são
os indicados pelos partidos para o Executivo e as estatais capazes de garantir
votos para o governo. O novo arcabouço precisa ser mais completo, baseado não
apenas na distribuição de cargos, mas também na efetiva participação das
lideranças partidárias e dos presidentes das casas legislativas na escolha e na
formulação dos planos de governo encaminhados para o Congresso.
Portanto, o presidente eleito precisará de
uma habilidade conciliatória muito maior do que no passado. Esse novo sistema
exigirá um largo arco suprapartidário. Há duas alternativas: uma coligação
formada pelos partidos de esquerda, centro e de centro-direita ou pelos
partidos de direita, centro e de centro-esquerda.
O ex-presidente Lula (PT) é o candidato
mais apto para a construção dessa conciliação. As equipes do seu governo
englobaram representantes de partidos de diferentes ideologias, apesar da
resistência de parte do PT de acomodar visões diferentes. A proposta de ter
como parceiro o ex-governador Geraldo Alckmin, reconhecidamente conservador,
sugere sua compreensão sobre a necessidade de alianças amplas.
O presidente Bolsonaro (PL), por outro
lado, não alcançará uma harmonia disseminada. Bolsonaro não demonstrou
habilidade para unir opostos, mantendo recorrentes atritos com membros dos
demais poderes e até com políticos com perfil similar ao seu. Apesar de o risco
de avanço de processos de impeachment ter forçado seu acordo com parte do
Centrão, essa união é frágil e incapaz de garantir votos suficientes para
aprovar suas propostas.
Entre os outros candidatos, o ex-ministro
Sérgio Moro (Podemos) tem pouca experiência política e seu currículo não indica
capacidade de conciliação com aqueles com diferentes visões. Já o ex-governador
Ciro Gomes (PDT) tem experiência política, mas sua atuação é marcada por
descontroles e desavenças com seus críticos, o que dificulta uma aliança firme.
A história do PSDB concede ao governador João Doria (PSDB) as condições de
montar essa base de apoio mais ampla. Não obstante, sua carreira envolve
embates até com o seu próprio partido, sugerindo que um pacto não seria
simples.
Essa concertação não evoluirá antes das
eleições, pois a campanha é marcada por platitudes. Só após o 1º turno, no
melhor dos cenários, será possível conhecer o detalhamento das propostas de
governo, de modo a permitir o estabelecimento de um pacto abrangente.
Em suma, com o aumento das emendas
impositivas, o candidato eleito terá menos poder sobre a distribuição de
recursos públicos. Para aprovar os ajustes necessários, o futuro presidente
precisará inaugurar o presidencialismo de conciliação, definido pela construção
de um apoio suprapartidário a partir do convencimento político, bem como do
compartilhamento de poder e da formulação dos programas de governo. Só assim
será possível promover transformações no país. Não há outra solução.
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