segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Mirtes Cordeiro*: Será a juventude o futuro do nosso País?

A prioridade agora para a maior parte da população jovem é sobreviver junto com suas famílias.

“Não só esta, mas as próximas gerações de jovens serão impactadas pela pandemia”, adverte Tauá Pires, coordenadora da área das juventudes da Oxfam Brasil.

O Brasil tem sido um país que apresenta muitas dificuldades para nele se viver nos últimos tempos, mas, sobretudo, para a juventude, que independente da pandemia já sofria com a ausência de políticas públicas dirigidas para esse segmento da população, ou com a ineficiência das políticas existentes.

Dados e indicadores dão conta que jovens foram os mais impactados com a desigualdade social e tecnológica ampliada pela pandemia, com a redução de renda, aumento do desemprego, violência policial e exclusão educacional.

A prioridade agora para a maior parte da população jovem é sobreviver junto com suas famílias.

Em pesquisa realizada em 2020 e liderada pelo Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), outras evidencias se sobressaem entre os jovens, tais como: medo de perder um familiar preocupa 75% dos jovens e 48% temem perder sua saúde. Os principais desafios neste momento estão relacionados às questões emocionais geradas pelas intranquilidades dentro da família, onde o acolhimento sempre é essencial para a proteção e bem-estar dos filhos.

Em 2020, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) apresentava uma situação que requer profunda reflexão sobre a realidade educacional de 50 milhões de jovens entre 14 e 29 anos de idade. Destes, “10,1 milhões não completam alguma das etapas da educação básica, seja por abandono ou por nunca a terem frequentado”, dos quais, 71,7% são pretos ou pardos.

Dos que frequentaram o ensino médio, 82% não tiveram acesso ao ensino superior.

É claro que após mais de dois anos de pandemia, com o fechamento das escolas e maior redução nas ocupações do trabalho, a situação dos jovens vem se complicando, sobretudo porque as respostas do governo central são demasiadamente lentas, quando existem.

Exemplo maior foi a realização do ENEM para 2022.

“A pandemia está infligindo vários choques aos jovens. Ela não só destrói seus empregos e suas perspectivas profissionais, mas também compromete sua educação e seu treinamento e tem repercussões graves sobre o seu bem-estar mental.” (Guy Ryder, diretor-geral da OIT)

Jovens desistiram dos estudos, trancaram faculdades, procuraram refúgios nas redes sociais e variadas formas de complementação de renda, mas é fato que a pandemia segue afetando de maneira preocupante a saúde emocional e física dos jovens brasileiros. “Seis a cada 10 jovens relataram ter sentido ansiedade e feito uso exagerado de redes sociais durante a pandemia. Outros 51% disseram que sentiram exaustão ou cansaço e 40% tiveram insônia ou distúrbios de peso”. (Conjuve)

De alguma forma moveram suas vontades para superação, aderindo aos processos de solidariedade desenvolvidos nas comunidades por esse país afora, buscando formas de suportar o distanciamento social.

Assim, os jovens têm sido protagonistas em seus territórios, nesse momento em que o País registra novas formas de desigualdade provocadas pela pandemia, como o fechamento das escolas – o porto seguro natural para a juventude – e o retorno da fome para grande número de famílias.

Temos que considerar que a juventude é o período da vida cheio de desafios próprios do caminhar dos seres humanos, que é travessia para a idade adulta, momento de deflagrar grandes sonhos próprios do seu processo de desenvolvimento físico, mental, intelectual, emocional e afetivo.

É no espaço da juventude que aprendemos muito, projetamos a vida com mais ímpeto, traçamos metas para o futuro, sonhamos com uma carreira que proporcione o apoio natural para construir família, ter filhos, viajar, seguir estudando, sem falar da necessidade da formação de grupos para o entretenimento e para a vivência coletiva.

Neste momento de pandemia, faz falta a escola, a pelada no campo da várzea, o grupo da batucada onde também se aprende a tocar pandeiro, violão e cavaquinho, como faz falta a ida aos parques, aos shoppings… e outros locais de lazer e entretenimento.

A pandemia e a pobreza agravada pelo desemprego e a carestia reduziram a vida, os sonhos, e jogaram a juventude também em novos aprendizados.

Pedro, um jovem que muito conheço, tem 19 anos de idade. Estudou o ensino médio no Ginásio Pernambucano, uma escola pública estadual de grande referência em educação desde 1825, tendo passado por ele pessoas como Celso Furtado, Ariano Suassuna, Clarice Lispector, Assis Chateaubriand, entre outros. Pedro estudou em tempo integral, sendo aprovado no ENEM e se matriculado em Engenharia Ambiental em 2020, na Universidade Federal Rural de Pernambuco, quando logo surgiu a pandemia.

A universidade logo fez a opção pelo curso online, que prossegue em câmara lenta, tendo somente agora concluído um semestre, ou seja, o primeiro em dois anos. Para vencer o atraso na vida, procurou refúgio no programa jovem aprendiz e cumpre quatro horas de trabalho online numa empresa financeira e num outro curso técnico ambiental num Instituto Federal. Contribuiu para isso o seu encantamento pelos estudos, a fluência em inglês, boa percepção gramatical e interpretação de texto.

Sendo um jovem deficiente auditivo bilateral e total, Pedro, desenvolveu desde cedo sua capacidade de superação a partir do exercício da leitura labial, fazendo dela sua comunicação com o mundo, sem o uso da linguagem de sinais. Filho de empregada doméstica, vê agora que sua luta é muito maior e que as instituições não fizeram o dever de casa na busca para viabilizar o apoio necessário para que os jovens construam suas vidas sem grandes prejuízos.

Os jovens são protagonistas de suas vidas. Muitos, como Pedro, lutam contra o tempo que não volta mais e necessitam do apoio institucional para não verem cair por terra sonhos que já se tornaram realidade.

Um documentário produzido pela Oxfam durante a pandemia, intitulado “A Conta fica para a Juventude”, reuniu muitos depoimentos de jovens de São Paulo, o que não difere da realidade nordestina, e ressalta sobretudo a questão da saúde mental.

A juventude representa 27% da população brasileira.

“Nossa avaliação é a de que não só essa, mas as próximas gerações de jovens serão impactadas pela pandemia. Por isso, nossa pergunta no documentário é: qual é a conta? O que ficou de ônus para a juventude? Que impactos surgem a partir dessa pandemia, principalmente?”, ressalta Tauá Pires, coordenadora da Oxfam, analisando o documentário citado.

Quem responde a essas questões em um momento em que além da pandemia o País atravessa também uma crise política e ética, onde vemos naufragar as políticas públicas já estruturadas e se tornarem vacilantes as instituições já consolidadas, de certa forma?

Portanto, neste momento, o investimento na abertura de escolas com qualidade e em tempo integral, o aceleramento dos cursos universitários incluindo a tecnologia, a ampliação dos sistemas de bolsas de estudo, o incremento e a qualificação para novas formas de renda seriam o grande investimento na juventude que titubeia no seu protagonismo.

O não investimento na juventude, como evidencia o documentário, será uma forma de contribuir cada vez mais para o alongamento do processo de desigualdade que levará muito tempo para se conquistar um país mais justo e com equidade.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. 

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