A prioridade agora para a maior parte da população jovem é sobreviver junto com suas famílias.
“Não só esta, mas as próximas gerações de
jovens serão impactadas pela pandemia”, adverte Tauá Pires, coordenadora da
área das juventudes da Oxfam Brasil.
O Brasil tem sido um país que apresenta
muitas dificuldades para nele se viver nos últimos tempos, mas, sobretudo, para
a juventude, que independente da pandemia já sofria com a ausência de políticas
públicas dirigidas para esse segmento da população, ou com a ineficiência das
políticas existentes.
Dados e indicadores dão conta que jovens
foram os mais impactados com a desigualdade social e tecnológica ampliada pela
pandemia, com a redução de renda, aumento do desemprego, violência policial e
exclusão educacional.
A prioridade agora para a maior parte da
população jovem é sobreviver junto com suas famílias.
Em pesquisa realizada em 2020 e liderada pelo Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), outras evidencias se sobressaem entre os jovens, tais como: medo de perder um familiar preocupa 75% dos jovens e 48% temem perder sua saúde. Os principais desafios neste momento estão relacionados às questões emocionais geradas pelas intranquilidades dentro da família, onde o acolhimento sempre é essencial para a proteção e bem-estar dos filhos.
Em 2020, a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) apresentava uma situação que requer profunda reflexão sobre a
realidade educacional de 50 milhões de jovens entre 14 e 29 anos de idade.
Destes, “10,1 milhões não completam alguma das etapas da educação básica, seja
por abandono ou por nunca a terem frequentado”, dos quais, 71,7% são pretos ou
pardos.
Dos que frequentaram o ensino médio, 82%
não tiveram acesso ao ensino superior.
É claro que após mais de dois anos de
pandemia, com o fechamento das escolas e maior redução nas ocupações do
trabalho, a situação dos jovens vem se complicando, sobretudo porque as
respostas do governo central são demasiadamente lentas, quando existem.
Exemplo maior foi a realização do ENEM para
2022.
“A pandemia está infligindo vários choques
aos jovens. Ela não só destrói seus empregos e suas perspectivas profissionais,
mas também compromete sua educação e seu treinamento e tem repercussões graves
sobre o seu bem-estar mental.” (Guy Ryder, diretor-geral da OIT)
Jovens desistiram dos estudos, trancaram
faculdades, procuraram refúgios nas redes sociais e variadas formas de
complementação de renda, mas é fato que a pandemia segue afetando de maneira
preocupante a saúde emocional e física dos jovens brasileiros. “Seis a cada 10
jovens relataram ter sentido ansiedade e feito uso exagerado de redes sociais
durante a pandemia. Outros 51% disseram que sentiram exaustão ou cansaço e 40%
tiveram insônia ou distúrbios de peso”. (Conjuve)
De alguma forma moveram suas vontades para
superação, aderindo aos processos de solidariedade desenvolvidos nas
comunidades por esse país afora, buscando formas de suportar o distanciamento
social.
Assim, os jovens têm sido protagonistas em
seus territórios, nesse momento em que o País registra novas formas de
desigualdade provocadas pela pandemia, como o fechamento das escolas – o porto
seguro natural para a juventude – e o retorno da fome para grande número de
famílias.
Temos que considerar que a juventude é o
período da vida cheio de desafios próprios do caminhar dos seres humanos, que é
travessia para a idade adulta, momento de deflagrar grandes sonhos próprios do
seu processo de desenvolvimento físico, mental, intelectual, emocional e
afetivo.
É no espaço da juventude que aprendemos
muito, projetamos a vida com mais ímpeto, traçamos metas para o futuro,
sonhamos com uma carreira que proporcione o apoio natural para construir
família, ter filhos, viajar, seguir estudando, sem falar da necessidade da
formação de grupos para o entretenimento e para a vivência coletiva.
Neste momento de pandemia, faz falta a
escola, a pelada no campo da várzea, o grupo da batucada onde também se aprende
a tocar pandeiro, violão e cavaquinho, como faz falta a ida aos parques, aos
shoppings… e outros locais de lazer e entretenimento.
A pandemia e a pobreza agravada pelo
desemprego e a carestia reduziram a vida, os sonhos, e jogaram a juventude
também em novos aprendizados.
Pedro, um jovem que muito conheço, tem 19
anos de idade. Estudou o ensino médio no Ginásio Pernambucano, uma escola
pública estadual de grande referência em educação desde 1825, tendo passado por
ele pessoas como Celso Furtado, Ariano Suassuna, Clarice Lispector, Assis
Chateaubriand, entre outros. Pedro estudou em tempo integral, sendo aprovado no
ENEM e se matriculado em Engenharia Ambiental em 2020, na Universidade Federal
Rural de Pernambuco, quando logo surgiu a pandemia.
A universidade logo fez a opção pelo curso
online, que prossegue em câmara lenta, tendo somente agora concluído um
semestre, ou seja, o primeiro em dois anos. Para vencer o atraso na vida,
procurou refúgio no programa jovem aprendiz e cumpre quatro horas de trabalho
online numa empresa financeira e num outro curso técnico ambiental num
Instituto Federal. Contribuiu para isso o seu encantamento pelos estudos, a
fluência em inglês, boa percepção gramatical e interpretação de texto.
Sendo um jovem deficiente auditivo
bilateral e total, Pedro, desenvolveu desde cedo sua capacidade de superação a
partir do exercício da leitura labial, fazendo dela sua comunicação com o
mundo, sem o uso da linguagem de sinais. Filho de empregada doméstica, vê agora
que sua luta é muito maior e que as instituições não fizeram o dever de casa na
busca para viabilizar o apoio necessário para que os jovens construam suas
vidas sem grandes prejuízos.
Os jovens são protagonistas de suas vidas.
Muitos, como Pedro, lutam contra o tempo que não volta mais e necessitam do
apoio institucional para não verem cair por terra sonhos que já se tornaram
realidade.
Um documentário produzido pela Oxfam
durante a pandemia, intitulado “A Conta fica para a Juventude”, reuniu muitos
depoimentos de jovens de São Paulo, o que não difere da realidade nordestina, e
ressalta sobretudo a questão da saúde mental.
A juventude representa 27% da população
brasileira.
“Nossa avaliação é a de que não só essa,
mas as próximas gerações de jovens serão impactadas pela pandemia. Por isso,
nossa pergunta no documentário é: qual é a conta? O que ficou de ônus para a
juventude? Que impactos surgem a partir dessa pandemia, principalmente?”,
ressalta Tauá Pires, coordenadora da Oxfam, analisando o documentário citado.
Quem responde a essas questões em um
momento em que além da pandemia o País atravessa também uma crise política e
ética, onde vemos naufragar as políticas públicas já estruturadas e se tornarem
vacilantes as instituições já consolidadas, de certa forma?
Portanto, neste momento, o investimento na
abertura de escolas com qualidade e em tempo integral, o aceleramento dos
cursos universitários incluindo a tecnologia, a ampliação dos sistemas de
bolsas de estudo, o incremento e a qualificação para novas formas de renda
seriam o grande investimento na juventude que titubeia no seu protagonismo.
O não investimento na juventude, como
evidencia o documentário, será uma forma de contribuir cada vez mais para o
alongamento do processo de desigualdade que levará muito tempo para se
conquistar um país mais justo e com equidade.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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