O Globo
O fracasso da “terceira via” está expresso
nas sondagens de opinião pública. Segundo as análises convencionais, a
explicação para o fracasso encontra-se na polarização política entre Bolsonaro
e Lula, que fecharia o caminho a uma candidatura alternativa, de centro. Há bem
mais que um simples equívoco no diagnóstico.
Polarização? As pesquisas evidenciam que a
rejeição a Bolsonaro situa-se em torno de 60% do eleitorado. São os que não
votariam no presidente em nenhuma hipótese, parcela que chega a 64% entre os
pobres e 54% na Região Sul, suposta fortaleza do bolsonarismo. Se o pleito
fosse hoje, Lula triunfaria no primeiro turno. A polarização circunscreve-se às
redes sociais. Não existe polarização eleitoral.
A tese da “terceira via” assenta-se exclusivamente sobre a antiga constatação de que o lulismo não controla a maioria do eleitorado. Isso ficou provado nas quatro vitórias consecutivas do lulopetismo, duas de Lula e duas de Dilma, que só tiveram desenlace no segundo turno. Daí os arautos da “terceira via” concluem pela existência de uma vasta parcela dos eleitores dispostos a sufragar uma candidatura alternativa.
É uma tese que ignora a história. Ao longo
de um quarto de século, o sistema político-partidário brasileiro equilibrou-se
sobre a polaridade PT-PSDB. Contudo, durante a crise aberta pelo impeachment de
Dilma (2016) e pela eleição de Bolsonaro (2018), o polo centrista implodiu. A
falência do partido de centro manifestou-se duplamente, nas formas do desastre
eleitoral da candidatura Alckmin e da adesão das novas lideranças tucanas ao
candidato da extrema direita. A miragem da “terceira via” hipnotiza os que se
recusam a encarar a morte do PSDB original.
“Terceira via”? Moro e Doria, que tentam
colar o rótulo sobre suas próprias candidaturas, não conseguem decolar, pois
são vistos pelos eleitores como ramificações do bolsonarismo. O passado recente
esmaga o presente almejado: nenhum dos dois tem legitimidade política para
ocupar o centro de uma cena supostamente tensionada entre polos extremos. Ciro,
que poderia ocupar essa posição, carece de estruturas partidárias e alcance
eleitoral: perambula numa paisagem árida, como um Quixote destituído até mesmo
do inseparável Sancho Pança.
Paradoxalmente, a “terceira via” vai se
tornando uma realidade — e atende pelo nome de Lula. O ex-presidente definiu
uma estratégia de campanha baseada na ideia de ocupar o centro do tabuleiro
político. A democracia unida contra o autoritarismo — eis a mensagem que o
candidato procura veicular. A manobra destina-se a fechar o caminho do centro,
ocupando-o.
Não é novidade. Lula operou segundo a mesma
estratégia em seu triunfo pioneiro, duas décadas atrás, divulgando a Carta ao
Povo Brasileiro e compondo chapa com o empresário José Alencar. A inovação é o
passo ousado de articular uma chapa com Alckmin, símbolo de um PSDB que não
mais existe. A mensagem: meu governo conectará as políticas sociais lulistas à
política econômica tucana. Reconciliação é o nome de seu jogo.
Nas hostes de esquerda, a valsa da aliança
provoca acesa controvérsia. Tipicamente, surgiu um abaixo-assinado de
lideranças relevantes e diminutas do PT contra o “pacto com a direita”. À
margem, os “companheiros de viagem” do PSOL manifestam santa indignação. José
Dirceu, um realista que sabe calcular, já apresentou sua defesa do pacto
lulista. Para persuadir a esquerda, sugere que a presença de Alckmin destina-se
a evitar uma futura desestabilização do governo Lula pelas maléficas elites.
Talvez cole, mas Dirceu sabe que a lógica estratégica é outra.
A alta finança e os empresários financiados
pelo BNDES amaram Lula durante dois mandatos e permaneceram com Dilma até 2015,
depositando suas esperanças no providencial Joaquim Levy. A ruptura só se deu
quando o populismo econômico atingiu o paroxismo, apontando rumo a um túnel
argentino ou a um abismo venezuelano. Sem os feiticeiros dilmistas da “nova
matriz econômica”, Lula não corre risco de desestabilização. A chapa com
Alckmin é para inscrever na pedra a “terceira via” — e, assim, triunfar no
primeiro turno.
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