quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Cristiano Romero: Luz: pela hora da morte

Valor Econômico

Oferta abundante de energia não resulta em preço baixo no país

O Brasil, segundo o Plano Nacional de Energia (PNE 2050), elaborado pela Empresa de Planejamento Energético (EPE), tem potencial para produzir energia em abundância até o fim da primeira metade deste século, muito acima do crescimento da demanda no mesmo período. Ainda que a economia brasileira, por algum milagre, volte a crescer a taxas respeitáveis - o que, de fato, exigirá intervenção do divino, uma vez que a média anual de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) na década de 2010 foi de apenas 0,5%, o bônus demográfico já acabou e a produtividade hoje é baixíssima -, não faltará luz para iluminar residências, mover meios de transporte e colocar máquinas em funcionamento.

Os estudos da EPE apontam para potencial energético de quase 280 bilhões de tep (Tonelada Equivalente de Petróleo), no horizonte até 2050. No mesmo período, a demanda total de energia acumulada é estimada pela estatal de planejamento em pouco menos de 15 bilhões de tep. Sendo assim, mais do que nunca cabe a pergunta: por que o custo da energia no país que caminha não apenas para a autossuficiência, mas também para tornar-se relevante exportador líquido desse insumo, é tão alto?

No ano passado, a energia elétrica cobrada do setor industrial custou, em média, US$ 70 por MWh. O gás, igualmente consumido pela indústria, saiu a US$ 18 por MMBTU. Em países considerados competitivos, os custos são, em média, respectivamente de US$ 40 por MWh e US$ 9 por MMBTU. Como se vê, a diferença é brutal e mostra que há algo fundamentalmente errado no setor elétrico.

A EPE, cuja análise independente é admirável, afirmou em relatório recente que intervenções políticas, como o subsídio ao carvão e a contratação de energia extra mais cara, aumentarão o preço das energia elétrica em 28% e as emissões de gases poluentes, em 74%. Estamos falando de um país cuja maior parte da matriz energética (hídrica) é limpa e cuja capacidade de produção de energia renovável (eólica, solar) tem crescido a taxas elevadas.

“Se destacada em separado, a energia seria o segundo item de custo da cesta básica, perdendo apenas para alimentação”, diz o presidente da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), Paulo Pedrosa, um dos maiores especialistas do país no tema e ex-ministro de Minas e Energia. A Abrace luta pela redução dos preços de energia, demanda que não é só da indústria brasileira, mas de toda a economia e da população.

O peso direto e indireto dos custos de energia nos preços de bens e serviços no Brasil é incomensurável (ver arte). Os números são contundentes quando se calculam os possíveis ganhos propiciados pela redução dos preços da energia. A consultoria Ex Ante estima que a redução de 50% no custo da energia e do gás natural produziria aumento no PIB de 1,1 poto percentual ao ano. Promoveria a abertura de 12,4 milhões de postos de trabalho em dez anos. A cada R$ 10 cobrados na conta de luz, calcula a Ex Ante, somam-se R$ 25 da energia nos preços de produtos e serviços

“Subsidiamos mais de R$ 11 bilhões por ano para o óleo na região Norte e carvão na região Sul, aumentando emissões”, informa Paulo Pedrosa. “O potencial brasileiro é uma vantagem competitiva crescente em função da agenda climática. O petróleo da camada pré-sal vai triplicar a oferta nacional de gás em dez anos, insumo ‘vocacionado’ para o consumo industrial.”

Mas, por que, então, a energia é tão cara? “Porque se paga por muita coisa que não deveria estar na conta. Encargos cumprem políticas públicas e, ao contrário dos impostos, não são compensados”, explica Pedrosa, dando como exemplo o encargo da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Esta é um fundo setorial cujo objetivo, segundo a ANEEL, é custear diversas políticas públicas, tais como: universalização do serviço de energia elétrica em todo o território nacional e concessão de descontos tarifários a diversos usuários do serviço (baixa renda, rural). Em tese, um mecanismo adotado para corrigir distorções relacionadas à abissal desigualdade de renda existente no país.

O problema é que sistemas de subsídio cruzados criam incentivos para práticas oportunísticas. Seria muito melhor, diante do avanço das fontes de produção de energia a que assistimos no país, eliminar todos os subsídios, de forma a permitir que a oferta em abundância reduzisse os preços para todos. Concluído esse processo, se ainda houver um setor da população sem condições de pagar a conta de luz, o governo pode e deve bancar a conta via despesa orçamentária. Isso é mais transparente e não cria distorções.

Apenas neste ano, a CDE custará mais de R$ 30 bilhões, um acréscimo de R$ 9 bilhões nas quotas pagas pelos consumidores em relação a 2021 - o custo será R$ 53 por MWh. “O setor elétrico ‘socializa’ custos, cria reservas de mercado, distribui subsídios e estimula comportamentos oportunistas”, observa Paulo Pedrosa, que acaba de lançar, pela Abrace, campanha para expor à população, de maneira simples, as razões que encarecem o custo da energia no país.

Serão mencionados, na campanha, alguns dos seguintes fatores, além dos já mencionados: mais subsídio ao carvão (R$ 1 bilhão por ano), outro para as pequenas distribuidoras (R$ 400 milhões ao ano); prorrogação do Proinfa, com preços muito superiores aos custos de novos projetos renováveis; reserva de mercado para PCHs (pequenas hidrelétricas); uso de usinas térmicas emergenciais (R$ 12 bilhões anuais ou 25 R$/MWh, por 3,5 anos) e Angra 3 (R$ 3 bilhões por ano adicionais ao valor contratado). Há problemas decorrentes, também, do boicote dos governos estaduais à nova lei do gás, formulada para modernizar e criar competição nesse segmento.

 

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