O Globo
Entre tantas incertezas, pelo menos uma
coisa parece bem definida pelo subtexto das movimentações para a disputa
presidencial. Esquerda, direita e centro concluíram que, depois de uma eleição
completamente fora dos padrões em 2018, vem aí uma disputa das mais
tradicionais, em que a velha política (ou a política velha) dará as cartas.
Em 2018, Bolsonaro não tinha partido forte,
não tinha coligação e nem coalizão partidária e dispunha de apenas oito segundos
por dia no horário eleitoral da TV. Construiu sua narrativa à margem da mídia
tradicional, calcada na capilaridade das redes sociais e do WhatsApp — e claro,
em muitas fake news.
Mas o outsider virou presidente e, embora tente manter o discurso de candidato antiestablishment, na prática está cada vez mais enquadrado pelo Centrão e pelos marqueteiros tradicionais.
Baseando-se nas pesquisas que sempre disse
desprezar, parou de atacar as vacinas contra a Covid-19 e tem procurado se
concentrar em contrapor seu governo ao dos antecessores petistas. Filiou-se a
um partido “Centrão raiz”, o PL, e colocou o filho Flávio Bolsonaro para correr
atrás das outras legendas do bloco, em busca da capilaridade de seus diretórios
estaduais e municipais, do maior naco possível do fundo eleitoral, do tempo de
TV.
Faz tudo isso enquanto seus aliados manejam
fatias generosas do orçamento secreto, a ponto de ser comum ouvir de deputados
da base que eles nunca tiveram tanto dinheiro de emendas à disposição num ano
eleitoral.
As redes sociais e as fake news continuam
importantes, mas já viraram commodity. Todo partido tem seu próprio bunker
digital, e não dá para dizer que só um deles sabe fazer fake news. Bolsonaro
ainda é campeão na linguagem das redes e precisa alimentar seus radicais, por
isso mantém os ataques ao TSE, à mídia e ao “comunismo”. Mas, no mesmo dia em
que ele espinafra o Judiciário e o sistema eleitoral, aliados como o ministro
Ciro Nogueira correm aos interlocutores nos tribunais para botar panos quentes.
Ao mesmo tempo que ele chama os principais
veículos jornalísticos de “porcarias”, Flávio dá entrevistas a eles,
demonstrando que não pretende deixar os adversários ocuparem todo o espaço na
mídia tradicional. De quebra, ainda sinaliza que o irmão Carlos deverá
continuar a cuidar das redes sociais, mas não de toda a estratégia de
comunicação da campanha, como fez em 2018.
E o que faz Lula? Nada muito diferente.
Dedica-se arduamente a montar uma ampla coalizão, com o maior volume possível
de recursos e tempo de TV. Reclama da mídia e se diz perseguido, mas mantém sua
candidatura em evidência graças à boa interlocução de seus aliados com
jornalistas de todos os matizes e veículos. Negocia com a esquerda a formação
de uma federação partidária, mas também faz acenos às facções do Centrão que
ainda tem alguma chance de conquistar.
Ao mesmo tempo que fala para sua base fiel,
prometendo revogar a reforma trabalhista e não se subordinar aos interesses da
Faria Lima, responde aos temores sobre o risco de radicalismo num eventual
governo seu com o moderado Geraldo Alckmin na Vice-Presidência, dizendo que o
mercado já o conhece e sabe que ele é um pragmático.
A lógica é a mesma para os outros
pré-candidatos, que se movimentam como quem acredita que, em 2022, alianças,
dinheiro e tempo de TV serão mais importantes do que as redes sociais.
Para os marqueteiros, essa dinâmica traduz
uma vontade do eleitor de sair do atual ambiente de caos político e
institucional e de voltar à segurança das caras conhecidas e da experiência
administrativa.
Por um lado, é bom que seja assim. Ninguém
mais aguenta tanto ruído, e uma eleição menos “disruptiva” também pode
significar um pleito menos traumático. O problema é que esse cenário também
atesta que todo o caminho percorrido desde as manifestações de 2013, com graves
fraturas institucionais, não resultou numa renovação dos personagens que
decidem os rumos do Brasil.
De um modo ou de outro, os principais
candidatos à disposição do eleitor têm cheiro de naftalina, e o político que
tem as melhores chances de sepultar o caos promovido por Bolsonaro é alguém que
os brasileiros elegeram pela primeira vez para a Presidência há 20 anos.
Ouvi outro dia de um personagem bastante
enfronhado nas negociações da pré-campanha que vivemos o fim de um ciclo político,
que será renovado por força da própria transição geracional. Talvez seja uma
visão otimista e até ingênua demais. Mas é melhor acreditarmos nela do que nos
conformarmos em votar, lá em 2042, nos mesmos políticos que elegemos hoje.
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